A ideologia dos direitos humanos se fundamenta em uma antropologia individualista que tende ao cosmopolitismo desenraizado. Seria melhor, talvez, falar em “direitos dos povos” como a defesa da sua autonomia cultural e política contra toda forma de padronização.
Ensaio do 15º Colóquio Nacional do G.R.E.C.E. (17 de maio de 1981)
De acordo com Montesquieu, são as “ideias simples e únicas” que levam ao despotismo. Por sua vez, em 1772, Justus Möser escreveu: “A tendência atual de criar leis e decretos gerais é perigosa para a liberdade. Ao fazer isso… estamos pavimentando o caminho para o despotismo, que busca subordinar tudo a algumas regras e renuncia à riqueza criada pela diversidade.” Finalmente, para Friedrich Schlegel: “Tudo o que é absoluto é, por sua própria natureza, inorgânico e tende a destruir os elementos componentes. Pode-se dizer sem erro que o absoluto é o verdadeiro inimigo da humanidade.”
Aqui está, desde o início, a questão que nos une hoje: a causa dos povos. Esses povos, cujo conceito sempre é expresso no plural e cuja defesa constitui hoje o melhor meio de lutar contra os absolutos. Este é um ponto que frequentemente destacamos: os homens existem, mas o homem em si, o homem abstrato, o homem universal, esse homem não existe. Podemos falar das liberdades dos russos, afegãos e poloneses — as liberdades dos povos subjugados pelo imperialismo americano. Insistir, por outro lado, nos direitos abstratos de um homem “universal” é, em nossa opinião, a melhor forma de concedê-los a ninguém.
Para nós, que rejeitamos o materialismo biológico, assim como o racismo, o homem não tem outra natureza além da cultura através da qual se constrói. O sujeito isolado não existe. É um flatus vocis, uma ficção. Não existe sujeito real, exceto como reconectado — conectado a heranças particulares, a pertencimentos específicos. Em outras palavras, não há sujeito preexistente à conexão, não há sujeito ao qual possam ser atribuídas propriedades fora de qualquer conexão. Entre o absoluto da humanidade e seu correlato especular, o absoluto do indivíduo, existe um ponto de equilíbrio, um ponto de ancoragem: a cultura popular enraizada, como uma dimensão intermediária, como uma terceira via, como um lugar de reconciliação permanente das contradições relativas, que, em sua medida, contribui para dar à existência individual sua eficiência, seu significado e sua sobrevivência.
A categoria de “povo” não deve ser confundida com língua, raça, classe, território ou nação. Um povo não é uma soma transitória de indivíduos; não é um agregado aleatório. É o agrupamento de herdeiros de uma fração específica da história humana que, com base em um sentimento de pertencimento comum, desenvolvem a vontade de continuar essa história e de se darem um destino comum. Um povo é um organismo que, como tal, tem suas próprias propriedades que não são encontradas em seus componentes tomados isoladamente. Ele também tem direitos, assim como deveres. Da mesma forma, o Estado que muitas vezes o concretiza historicamente também tem sua própria vida. Não é um conceito ou elemento de contrato, como acreditavam os filósofos “iluminados” inspirados pelo pensamento mecanicista e mercantilista do século XVIII. É uma ideia que progressivamente encontra sua encarnação na história.
“Todo homem tem sua identidade inscrita em suas células”, disse recentemente Jean Dausset, Prêmio Nobel de Medicina em 1980[2]. Agora, esse caráter único, insubstituível, imensurável, que os pesquisadores atribuem aos indivíduos, devemos também reconhecer nos povos.
De fato, a identidade não pode ser apenas individual. A consciência da identidade anda de mãos dadas com o sentimento de inclusão, de pertencimento, que por sua vez gera solidariedade e cimenta a vontade comum. Vivida e percebida subjetivamente, a identidade coletiva resulta dessa consciência de pertencimento a um grupo, define-se como diferença e é apreendida através de um sistema de representações, intuitivas ou racionais, por meio de um certo número de símbolos, mitos e imagens que implicam uma visão de mundo e valores de referência particulares. A identidade, em outras palavras, é compreendida por meio de uma reflexão contínua sobre o presente, sempre conectada às raízes mais profundas de nossa cultura e história. Esse processo de individuação traz à clara consciência nossas origens culturais, ajudando-nos a compreender plenamente quem somos.
“Um povo sem cultura”, escreve Albert Memmi, “seria privado de passado e futuro; em outras palavras, teria deixado de existir como tal. Um povo não morre apenas se todos os seus membros estiverem fisicamente mortos. Basta que seus descendentes se integrem individualmente a tal ponto em outros grupos que se esqueçam de onde vieram e acreditem que seu futuro sempre coincidiu com o de seus novos concidadãos. Seu húmus nativo deixou de existir, de fato, uma vez que se dispersou aos ventos da história, indo fertilizar outros solos. Podemos então compreender a determinação dos grupos em defender sua memória coletiva: é a condição própria de sua sobrevivência.”[3]
Cultura, pode-se dizer, é de fato o cartão de identidade de um povo. É a sua respiração mental. É o seu passaporte para um futuro na forma de destino. Pois é quando um povo se percebe como uma realidade orgânica e diferenciada que pode, graças a um “espírito popular vivo” (Achim von Arnim), revelar-se plenamente criativo.
A análise sistemática estabeleceu que a autoconservação de um sistema implica a existência, não de uma barreira impermeável, mas de um “filtro” destinado a controlar a entrada de informações do exterior e sua transformação dentro do sistema. Da mesma forma, manter a identidade de um povo requer certa continuidade cultural e demográfica, uma invariância relativa de transmissores, porque, embora seja verdade que uma homogeneidade excessiva levaria à perda de energia, também é verdade que uma heterogeneidade disruptiva produziria uma erosão do sentimento de pertencimento comum. O “filtro” dentro de um sistema cultural só pode ser constituído por um certo número de valores.
Deixemos claro, no entanto. Não se trata de estabelecer uma espécie de barreira metafísica em torno das culturas. Os povos não são absolutos platônicos. Identidade, como constância dentro da mudança, só pode ser apreendida dialeticamente e em sua própria evolução. O valor de uso de uma aquisição cultural, portanto, não é contraditório ao seu valor de troca. Mas, para que haja troca, deve haver algo para trocar; ou seja, neste caso, deve haver uma identidade.
Não se trata de cortar-se do universal, mas de afirmar que só se pode alcançá-lo partindo do particular. Quanto mais um grupo cultural aprofunda o seu próprio gênio, como já observava Schlegel, mais aumenta a riqueza da humanidade. Portanto, não estamos defendendo o isolamento, mas uma forma de desenvolvimento histórico-cultural autocentrado.
Em seu Götz von Berlichingen, Goethe evoca aqueles homens que, “através de uma erudição excessiva,” já não conhecem seus pais. Tais são os universalistas que, ao deduzirem dogmaticamente o singular a partir do universal, acabam por negar suas próprias raízes. A crítica que estamos desenvolvendo em substância não é uma crítica ao universal, mas uma crítica ao universalismo — aquele universalismo que encontra sua origem no monogenismo bíblico e que tem continuamente inspirado o igualitarismo secular desde o século XVII, aquele universalismo que bem sabemos sempre emana, na verdade, de um pensamento particular, e que, como tal, sempre representa uma tentativa velada de dominar o Outro.
Jung mostrou que, assim como um indivíduo, um povo sofre de dissociação mental quando reprime o seu passado mais antigo, quando nega aquela parte de si que vem de suas raízes profundas, aquela parte de si que sempre está à porta de sua própria consciência, que o desafia e coloca a enigma da Esfinge histórica: Quem é? De onde vem? O que pretende fazer consigo mesmo para dar a si um destino?
De todas as formas de destruição e despersonalização dos povos, desde o racismo exterminador até a aculturação que nega a identidade, uma das mais perversas foi provavelmente o assimilacionismo, que, diga-se de passagem, encontrou sua versão exemplar por dois séculos no modelo de gestão colonial da França.
O assimilacionismo, como uma forma clássica de etnocentrismo colonial, é marcante pelo fato de se encontrar nele, no nível ideológico, componentes fundamentais como a crença no “progresso,” a concepção “ocidentalista” e linear da história, a ideia de que existe um ótimo universalizável de sociedade e, finalmente, a convicção implícita de uma realidade objetiva da lei, geralmente baseada na teoria do direito natural.
É, além disso, muito notável que esta doutrina, que no final das contas aparece como uma técnica particular de dominação sócio-nacional, tenha encontrado um consenso perfeito na França, tanto à direita quanto à esquerda. Como escreve Alain Fenet, foi de fato “imediatamente julgada como alinhada com o espírito da Revolução, porque, para os revolucionários, só poderia haver uma boa maneira de administrar. Foi então classificada como “liberal”, já que permitia reconhecer os habitantes das colônias com os mesmos direitos dos cidadãos da França continental no âmbito da igualdade legal e beneficiá-los da produção da ideologia dos direitos humanos e dos cidadãos consagrados nas leis da República. Por fim, teria um crédito ‘progressista’ devido ao seu projeto de dar aos habitantes das colônias acesso às condições políticas, jurídicas e sociais criadas pelas sociedades europeias no caminho do progresso.”[4]
Na prática, no entanto, o assimilacionismo encontrou seu próprio limite no fato de que tolerava, e até encorajava, uma série de práticas que divergiam de seus princípios. Assim, criou, por si só, as condições para seu próprio declínio e preparou o caminho para a descolonização. O fim do colonialismo, precisamente, e que muitas vezes esquecemos de mencionar, marcou o fracasso de uma globalidade unilateral e de uma das concepções universalistas do mundo. A descolonização, de fato, não consistiu no levante de uma classe contra outra. Ela viu o nascimento e a afirmação de povos desejando viver sua própria história em seus próprios termos. Nesse sentido, representa um evento crucial.
É este movimento que, hoje, tende a se intensificar mundialmente. Povos como povos, como coletivos históricos que transcendem qualquer outra categoria, estão se levantando. Os povos querem determinar seu próprio destino. Querem reivindicar sua identidade e assumir o controle de seu destino. Em vez de serem objetos da história dos outros, pretendem ser os arquitetos e sujeitos de sua própria história. Repetimos: não são lutas de classes, mas levantes populares e nacionais contra tudo que oprime os povos em sua generalidade.
Em relação a este movimento, devemos levá-lo à sua conclusão. A noção de “colonização”, em particular, deve ser sistematizada. Não deve ser reservada para países do terceiro mundo ou ex-colônias. Deve ser reexaminada à luz de novas experiências históricas. De fato, existe mais do que apenas colonização política e militar. Hoje, pode-se ser conquistado — e colonizado — sem que um único tiro seja disparado. Pode-se até ser colonizado sem perceber. Pode-se ser colonizado economicamente, culturalmente, ideologicamente, religiosamente ou espiritualmente. E essas novas formas de conquista, potencialmente sedutoras, potencialmente “transparentes”, são apenas mais perigosas. Diremos que a verdadeira descolonização é a descolonização total. Eu até acrescentaria que é uma descolonização recíproca.
Não nos esqueçamos, além disso, de que a Europa, antes de ser colonizadora, também foi colonizada — que exportou a ideologia ocidental e a mensagem bíblica depois de tê-la imposta a si mesma. E sabemos o quanto Herder, em sua Outra Filosofia da História (1773), lutou para conciliar sua simpatia pelo cristianismo com sua exaltação dos gênios nacionais, nos quais se poderia ver, não sem razão, uma “forma moderna de politeísmo” e que o leva, entre outras coisas, a condenar a evangelização cristã, o etnocentrismo missionário e a colonização nascente…
O que é o direito à autodeterminação? É, antes de tudo, o direito de expressar a vontade de ser independente. No entanto, a independência é um todo. Ser politicamente independente e não ser economicamente, culturalmente ou ideologicamente independente não é ser independente. Também coloca a consciência de seu ser profundo pelos povos como um direito fundamental: “Não se pode”, enfatiza Guy Michaud, “falar do direito à autodeterminação de um povo, ou mesmo de uma reivindicação de autodeterminação, sem que haja antes, por parte desse povo, uma consciência de sua identidade.”[5]
É notável, a este respeito, que uma organização como as Nações Unidas sempre tenha se recusado a sistematizar a descolonização. A noção de “colonização” foi praticamente reservada para justificar a emancipação dos países do terceiro mundo submetidos à tutela político-administrativa europeia. Ela não foi aplicada em favor dos países do bloco socialista. Não foi aplicada em favor dos países submetidos à influência econômico-cultural americana. Nem foi aplicada em favor das reivindicações autonomistas e regionalistas na Europa[6]. Observa-se também que a reivindicação de autodeterminação foi negada ao povo alemão, pois implicaria uma reunificação que nenhuma superpotência deseja. Mesmo dentro dos organismos internacionais, vemos agora a emergência da ideia de que a autodeterminação não se estende à escolha de regime ou à posse de riquezas e recursos naturais.
Finalmente, deve-se observar que a condenação, em nome da consciência universal, deste ou daquele regime político está em direta contradição com a afirmação de que os povos, tendo o direito à autodeterminação, também têm o direito de determinar por si mesmos seu status político e social. Por sua vez, os antigos intelectuais do terceiro mundo, outrora fascinados pelas guerras de independência e revoltas nacionais, tendem cada vez mais a se converter, por trás do imperialismo americano que ontem denunciavam, à ideologia dos direitos humanos e do evangelismo universal. Ao designar os Estados Unidos como o mal menor após a guerra, Camus preparou o terreno. A “esquerda americana” se apressou a ocupar o espaço. Hoje, é Jean Cau quem celebra a memória de “Che” Guevara, enquanto a intelligentsia, até poucos meses atrás, denunciava o “nacionalismo” do partido comunista e flertava com Jimmy Carter.
Uma evolução semelhante no campo das ideias. Não há muito tempo, ideólogos igualitários, ávidos por combater a ideia de uma natureza hereditária ou constitucional do homem, não hesitavam em enfatizar a importância da cultura e da consciência histórica, que, de fato, fazem parte da especificidade humana. Desde então, perceberam que o “culturalismo” não leva ao único, muito pelo contrário; que as culturas, longe de eliminar as diferenças, apenas as elevam a um nível superior, e que essa pluralidade de culturas não é mais um “estágio” para o Estado mundial do que o politeísmo é um “estágio” para o monoteísmo. É por isso que, a partir de agora, atacam as próprias culturas, afirmando, com Guy Scarpetta, que “a própria noção de cultura popular enraizada deve ser vista com reservas” e que devemos lutar contra o “aparato ideológico do enraizamento” graças à “conjunção decisiva do eixo monoteísta e do desenraizamento cosmopolita”.[7]
Assim, chegamos naturalmente ao tema da “morte do homem”, ou seja, uma concepção do homem fundada no nada. E de fato, os mesmos ideólogos igualitários, encurralados, agora nos confessam que o “homem” que defendem é apenas um conceito operacional, uma ideia messiânica destinada à interpelação negativa da realidade; que o homem em si, como escreve ingenuamente Guy Lardreau, é apenas “o que eu postulo se quero construir tal conceito de conexão que inclua algo que escape à conexão”[8] — o que equivale a dizer que afirmar o que não existe ainda é a melhor forma de suprimir o que existe.
Sem dúvida, à luz dessa evolução, devemos reler as páginas que Marx, no Manifesto Comunista, dedica ao papel eminentemente revolucionário da burguesia. Historicamente, é com a ascensão dos valores burgueses que ocorre uma mudança significativa no pensamento europeu: surge uma ideologia que não busca mais transformar os laços sociais ou renovar um senso de pertencimento. Em vez disso, essa ideologia defende o rompimento das conexões, o apagamento dos marcadores culturais e históricos e a dissolução dos vínculos comunitários.
No entanto, o que Marx não previu foi que, em vez de a revolução burguesa levar ao socialismo, é, pelo contrário, rumo à burguesia que o socialismo acabaria por regredir. O internacionalismo marxista, visando a um governo universal baseado na internacionalização dos meios de produção, está morto. Ele foi até mesmo natimorto. O ideal cosmopolita, por outro lado, permanece muito vivo. Podemos observar que é o liberalismo, não o marxismo, que está ativamente promovendo essa mudança. A destruição de culturas profundamente enraizadas está sendo mais eficazmente realizada pelas corporações multinacionais do que pelos seguidores de Marx, que desviaram seu foco para um ideal superficial de “bem-estar”. Esse ideal, caracterizado pela permissividade, é uma versão diluída da mentalidade pequeno-burguesa.
A questão fundamental que surge hoje, em relação à causa dos povos, vai muito além de saber como acabar com o jacobinismo, como descentralizar e como respeitar as diversidades locais. O problema não é mais uma questão de fronteiras, nem de autonomia administrativa, nem de dominação estatal. De que adianta a um povo desfrutar de independência formal se continuar a ser alienado e colonizado por outros meios? A verdadeira questão que se coloca é: como escapar da influência de uma sociedade fria e neo-primitiva, onde os microprocessadores sociais dão a ilusão de mudança? Como resistir às tendências tecnomórficas que estão sendo expressas? Como lutar contra o Sistema?
A primeira tarefa na política é identificar o inimigo. Mas aqui, o inimigo não pode ser designado de forma pessoal ou localizada. Não é culpa de Abraão, nem de Voltaire, nem de Rousseau. Não é nem mesmo culpa da “crise”. Não é sequer culpa do “poder”. Dado o grau de complexidade e fluidez das estruturas que caracteriza as sociedades atuais, o “poder” está cada vez menos nos seus lugares tradicionais; reside cada vez menos na margem de decisão dos centros institucionais e governamentais. O inimigo não pode ser “designado”. Pode-se apenas dar uma descrição dele.
Os fundamentos do Sistema são a ideia de “progresso”, a crença nos poderes ilimitados da razão (dos quais a eficiência do mercado seria a melhor ilustração), a ilusão de uma verdade externa ao homem, a negação da autonomia da consciência e, finalmente, a crença em um “bem universal”, que o estilo de vida americano permitiria expandir ao mundo, enquanto tomadores de decisão impessoais, dotados de expertise técnica avançada, determinariam “cientificamente” os ótimos gerais das decisões.
O resultado concreto da implementação do Sistema é o desfecho lógico do individualismo liberal: essa “cultura do narcisismo” tão bem descrita por Christopher Lasch[9], que combina o hedonismo da pequena felicidade com o ideal de nomadismo e desengajamento. É também o empobrecimento espiritual contínuo da humanidade, a erosão das culturas e a padronização dos comportamentos. Quase em todos os lugares, para lutar contra sua possível extinção, os povos devem se tornar etnólogos de seu próprio futuro. Quase em todos os lugares, povos aculturados, assimilados e assassinados estão desaparecendo. Os povos que são inconvenientes. Os povos que não são lucrativos aos olhos dessa ideologia dominante, que tolera tudo, mas não respeita nada, onde nada tem valor, mas tudo tem preço.
O inimigo já não pode ser “designado” porque as estruturas agora atuam por si mesmas. As estruturas agora se autorregulam, autoproduzem e padronizam-se automaticamente. A confusão entre homens e coisas atinge seu auge. Em breve, não haverá mais nações; haverá apenas zonas. Não haverá mais culturas; haverá apenas mercados. Não haverá mais possibilidades de ação histórica; haverá apenas liberdades formais, tanto mais facilmente concedidas quanto não produzirão mais mudanças — concedidas por aqueles liberais dos quais Herder disse que apenas aboliram a escravidão depois de calcularem que os escravos rendiam menos que os homens livres…
Em uma deriva permanente em direção ao insignificante, à aparência, ao espetáculo imediato, os povos parecem ter se tornado criadores do seu próprio vazio — e a história, que em última análise é apenas o relato de sua originalidade, também parece estar chegando ao fim.
Estamos vivendo em uma época de abolição do tempo, ou mais precisamente, abolição do tempo histórico. O que mata os povos, escreve Christopher Lasch, é o desgaste do sentimento de que vivemos em continuidade histórica. Em outras palavras, a perda da consciência de sua identidade, o esquecimento de suas origens e a incapacidade de se colocarem em perspectiva, tudo isso, escreve Raymond Ruyer, é acentuado pela “reivindicação do direito de desinteressar-se da duração, da sobrevivência do povo ao qual se pertence, e viver na liberdade do presente”[10]. Os povos vivem no “presentismo”, na contemplação espetacular de um passado folclorizado e congelado em museus. Em um “presentismo” que corrompe o sentimento de pertencimento comum, pois, como não há um projeto de longo prazo com o qual os membros da sociedade possam se associar, cada um deles tem interesse em maximizar suas demandas imediatas às custas dos outros.
Vamos declarar claramente: não é verdade que há, de um lado, um mundo socialista totalitário e, de outro, um “mundo livre” na forma de um Disneyland, do qual a talassocracia americana seria o líder natural. Esta é uma fábula, onde o espantalho soviético serve como álibi para o estabelecimento de uma “nova ordem interna” igualmente preocupante.
A verdade é que existem duas formas distintas de totalitarismo, muito diferentes em sua natureza e efeitos, mas igualmente formidáveis. A primeira, no Oriente, aprisiona, persegue e maltrata corpos; ao menos, deixa intacta a esperança. A outra, no Ocidente, acaba criando robôs felizes. Climatiza o inferno. Mata as almas. Gera um sistema centrado na América onde as pessoas, reduzidas a um estado de neo-primitivismo, seguem caminhos predeterminados dentro de um mundo cheio de objetos. Nesse mundo, os sinais não correspondem mais à realidade, mas apenas interagem entre si, criando um circuito fechado de significado. Enquanto isso, as próprias pessoas são reduzidas a objetos, constantemente monitoradas pelo olhar ininterrupto das câmeras de vigilância no hipermercado global.
Entre o Oriente e o Ocidente: a Europa. Uma Europa dividida ao longo de seu eixo central, quebrada de cada lado desse amontoado de arame farpado e concreto chamado Muro de Berlim. Esse muro que é, ao mesmo tempo, o símbolo de nossa hemiplegia, a representação de nossa humilhação e o ponto de cristalização da neurose alemã[11] e europeia.
Em 25 de maio de 1930, Jacques Bainville escreveu: “A forma final da americanização seria listar as ações da empresa França na bolsa de valores.” Hoje, é Jean-Paul Dollé quem observa que a União Soviética e os Estados Unidos “encarnam, em uma aparente oposição, o reverso e o sonho — transformado em pesadelo — da racionalidade iluminista.” E que “o que outros povos experimentam como história, ou seja, como destino, os americanos percebem como subdesenvolvimento.”[12]
Quando Nicos Poulantzas afirmou que “o capital marcha em direção à nação”[13], ele estava cinquenta anos atrasado. Hoje, o capital “marcha” em direção à erosão das identidades coletivas e das especificidades nacionais. Ele “marcha” em direção a um mercado global guiado pelo laissez-faire e pela frouxidão. Ele “marcha” em direção à corporação multinacional.
E, no entanto, há momentos em que as posses já não importam. Para os soldados que lutam nas linhas de frente, o dinheiro não tem valor. E de fato estamos em guerra. Uma guerra em que o futuro histórico e o destino dos povos estão em jogo — uma guerra cujo resultado é a causa dos povos.
O que está em jogo? Trata-se de defender o valor de todas as épocas contra a concepção linear da história e o mito do progresso. De defender o valor de todas as culturas contra o Sistema global que está em processo de corroê-las. De fazer convergir o passado, o presente e o futuro para o ponto focal onde é novamente possível fazer história. De despertar nos povos uma consciência ampliada de sua identidade e origens. De fundar a solidariedade e a justiça social em um sentido de pertencimento comum e na vontade de um destino compartilhado. De promover todas as formas de enraizamento, não apenas geográfico, mas também, e talvez especialmente, espiritual, cultural e histórico. De desenvolver uma estratégia de resistência cultural. Finalmente, de se opor à padronização dos modos de vida e pensamento com a diversidade sempre renovada das criações humanas.
Não somos defensores de retroceder no tempo. Queremos a modernidade. Mas a própria modernidade não está também morrendo? Hoje, escreve Jean Baudrillard, nada mais é moderno: tudo é atual. E aí reside a tragédia. Viver apenas no atual, dissociar o presente do passado, é deserdar o futuro e matar a modernidade. No entanto, a novidade sem raízes não pode, por definição, ser nova. É para preservar a própria possibilidade da modernidade que argumentamos a favor de um enraizamento espiritual.
A luta que começou nada tem a ver com a confrontação entre direita e esquerda, com a dialética Leste-Oeste e com o conflito Norte-Sul. É a luta entre os povos e o Sistema. É a luta pela causa dos povos. É também, e definitivamente, a luta da vida como uma pluralidade sempre mutante, contra a regressão igualitária, contra o despotismo e o totalitarismo, contra a amnésia programada e a paralisação da história. É a luta contra a morte.
Para concluir, citarei um poema de Padraig Pearse, um dos insurgentes da Revolta da Páscoa Irlandesa de 1916:
“Ó sábios, me perguntem o seguinte: e se o sonho se tornar realidade?
E se o sonho se tornar realidade? E se milhões de não nascidos habitarem
Na casa que moldei em meu coração, a nobre casa de meu pensamento?
Senhor, apostei minha alma, apostei a vida de meus parentes
Na verdade de Sua terrível palavra. Não se lembre de meus fracassos,
Mas lembre-se de minha fé
E assim eu falo.
Sim, antes que passe minha juventude quente, falo ao meu povo e digo:
Sereis tolos como eu; dispersareis, não salvareis;
Arriscarão tudo, para não perderem o que é mais do que tudo;
Pedireis um milagre, acreditando na palavra de Cristo.
E por isso eu responderei, ó povo, responderei aqui e no futuro,
Ó povo que eu amei, não responderemos juntos?”
Notas
[1] Nota do editor: O G.R.E.C.E. (Groupement de Recherche et d’Études pour la Civilisation Européenne, ou “Grupo de Pesquisa e Estudos para a Civilização Europeia”) é um grupo de reflexão francês fundado em 1968 por Alain de Benoist e outros intelectuais associados ao movimento da Nova Direita (Nouvelle Droite). Seu objetivo é promover a preservação da identidade cultural europeia e criticar a influência do liberalismo, do igualitarismo e do domínio cultural americano.
[2] La Croix, 5 de maio de 1981. Consulte também Jean Bernard, “Identité et biologie”, em La Nef, 4, Tallan dier, 1981, 7-15.
[3] “Carta aos judeus da URSS sobre a cultura dos oprimidos”, em La Nef, op. cit.
[4] “Assimilation politique et réalité juridique dans la politique coloniale française”, em Pluriel, 11, 1979, 48.
[5] “Droit à l’autodétermination et pouvoir politique”, em L’Europe en formation, março-abril de 1981, p. 65.
[6] Sobre essa questão, consulte Guy Héraud, “Modèle pour une application générale du droit d’autodétermination”, em L’Europe en formation, março-abril de 1981, pp. 96-118.
[7] Éloge du cosmopolitisme, Grasset, 1981.
[8] “L’universel et la différence”, em La Nef, op. cit., p. 84.
[9] The Culture of Narcissism, 1979.
[10] Le sceptique résolu, Laffont, 1979.
[11] Consulte Armin Mohler e Anton Peisl (orgs.), Die deutsche Neurose, Ullstein, Berlim, 1980.
[12] Danser aujourd’hui, Grasset, 1981.
[13] L’État, le pouvoir, le socialisme, PVF, 1978, p. 109.
Fonte: Arktos