Quais são os possíveis objetivos israelenses de curto prazo e de longo prazo em relação ao Líbano, levando em consideração o messianismo cada vez mais presente nos discursos da elite israelense.
Com a escalada de tensões na fronteira entre Israel e Líbano, com o Hezbollah e milícias associadas atuando para desgastar o poder militar israelense, e Israel empreendendo uma campanha de bombardeios, cogita-se que a situação não ficará paralisada nestes termos.
De fato, crê-se que Israel tentará uma operação terrestre no Líbano, de modo que esta frente do conflito ainda vai se desdobrar em muitos eventos de longa duração.
Não obstante, é necessário responder ao “porquê” do interesse de Israel pelo Líbano e se ele se resume ao Hezbollah e seu apoio aos grupos da Resistência Palestina.
Essa é, no caso, a tese da propaganda sionista: “Israel está engajada em uma guerra contra o terror e tem o objetivo de destruir o Hezbollah”.
Nesse caso teríamos que começar a distinguir entre objetivos de curto prazo e objetivos de longo prazo.
No curto prazo, Israel não tem como destruir o Hezbollah e nem mesmo se propõe a fazê-lo. Na verdade, no curto prazo, o objetivo israelense é alterar a lógica da correlação de forças tanto dentro do Líbano quanto na fronteira israelo-libanesa.
Nesse sentido, ao mesmo tempo que Israel tenta enfraquecer o Hezbollah com assassinatos seletivos, a sua propaganda tenta fazer o povo libanês se voltar contra o Hezbollah. E, por sua vez, uma incursão terrestre muito provavelmente teria como objetivo criar uma “zona de amortecimento”, no sul do Líbano, talvez até mesmo por uma ocupação militar, bem como bloquear as linhas de comunicação/abastecimento entre Síria e Líbano.
Em um sentido direto isso teria como fim mais garantir a segurança de Israel para a continuação das operações em Gaza (porque os ataques do Hezbollah forçaram Israel a destacar muitos homens e equipamentos para o norte) do que qualquer outra coisa.
Mas não podemos perder de vista a perspectiva mais ampla e longínqua nas pretensões de Israel em relação ao Líbano.
É que se engana gravemente quem crê que Israel se contenta com com a sua “pequena” faixa territorial e apenas “quer ser deixado em paz, mas não consegue”. Nas concepções religiosas que animam o sionismo, a restauração de Israel não estará completa até que os judeus ocupem cada centímetro das terras que lhes teriam sido designadas por Deus através de Abraão, como a “Terra Prometida”.
É assim que passou a chamar-se “revisionista” todo sionista que quer a revisão da concessão original de terras palestinas para Israel, até que elas correspondam à “Terra Prometida”. E os revisionistas não só foram ponta-de-lança da fundação de Israel como estão entre as tendências mais fortes do sionismo até hoje.
A única diferença significativa é o “quão revisionista” o sionista é. Ou seja, quão grande deve ser a Grande Israel, o que varia conforme a passagem bíblica usada de referência pelos rabinos sionistas das várias frações revisionistas.
Mesmo os revisionistas mais moderados, porém, além de querer a anexação total dos territórios palestinos, querem o Líbano até o Rio Litani (logo abaixo de Sidon), o sudoeste da Síria, o oeste da Jordânia e a região do Sinai. Veja-se, é nesses termos que pensava até mesmo David Ben-Gurion, o primeiro primeiro-ministro israelense e considerado um “moderado”, um “trabalhista sionista”.
Ben-Gurion, por exemplo, comentou em 1947, numa assembleia eleita da Agência Judaica, pouco antes da criação de Israel: “Há alguém entre nós que não concorde com o fato de que a intenção original da Declaração Balfour e do Mandato sobre a Palestina, e a intenção original das esperanças nutridas por gerações de judeus, era criar um Estado judeu em toda a Terra de Israel?”
No mesmo sentido ele comentou uma década antes, em uma de suas obras. Já nessa época ele dizia que os judeus sionistas deveriam aceitar qualquer acordo que lhes fosse oferecido e, depois, violá-lo para ocupar toda a região.
Os sionistas, portanto, traçam uma distinção entre o Estado de Israel e a Terra de Israel. A Terra de Israel seria a Terra Prometida, nos termos da Torá. E o Estado de Israel deve ser feito corresponder à Terra de Israel por meio do expansionismo.
Necessário apontar, aliás, que segundo muitos dos sábios que inspiraram o sionismo, como o próprio Maimônides, nenhum estrangeiro poderia ser tolerado na Terra Prometida, e que o mandamento de “Não deixai nenhum cananeu sobreviver” era válido ad perpetuum, de modo que no momento da “restauração”, todo estrangeiro dentro dos limites da Terra de Israel teria que ser exterminado, por dever religioso.
Agora pensemos no que isso significa, ademais, se a Terra de Israel for entendida no sentido ampliado, abarcando toda a “herança de Abraão” disposta no Gênese. Por estes termos, a Terra de Israel abarca todo o Líbano até chegar ao sul da Turquia, toda a Síria até o Eufrates, metade do Iraque, toda a Jordânia, o norte da Arábia Saudita e o nordeste do Egito até o Nilo.
Não se pense que essa discussão é puramente teórica e acadêmica.
Essa semana o Jerusalem Post publicou um artigo que explica em detalhes o dever religioso, segundo os sábios religiosos que inspiraram o sionismo, de conquistar o Líbano como parte da Terra Prometida. O artigo, de autoria de Mark Fish, foi apagado, mas ele está salvo em um arquivo virtual.
O artigo apela, por exemplo, ao rabino medieval Ramban para dizer que o Líbano se situa integralmente dentro da Terra de Israel, tornando a sua conquista um imperativo religioso.
O mesmo Mark Fish tem um arquivo também publicado no Jerusalem Post em que ele alega que, nos termos da Torá, Israel não deve obedecer a qualquer regra de conduta militar em relação aos árabes porque eles seriam “imorais” e “piores que os amalequitas” (os quais, aliás, foram genocidados).
O tema esporadicamente reaparece na política israelense também. O Movimento pela Grande Israel foi um partido político fundado nos anos 60 para militar contra a devolução dos territórios conquistados por Israel na Guerra dos Seis Dias. O partido se fundiu nos anos 70 ao Likud, o qual reúne a maior parte dos revisionistas contemporâneos.
Mas não todos. Benzalel Smotrich, que é do Mafdal-RZ e Ministro das Finanças, propaga a ideia de Grande Israel. O mesmo fazem os kahanistas e vários acadêmicos israelenses, para não falar em autoridades religiosas.
Assim, se conciliarmos objetivos de curto prazo com objetivos de longo prazo, perceberemos que o objetivo de Israel seria, inicialmente, 1) o enfraquecimento do Hezbollah e a desestabilização do Líbano; 2) a ocupação parcial do país para criar uma “zona de amortecimento”; 3) a golanização gradual do Líbano, com a expansão da zona-tampão e a colonização das zonas fronteiriças.
Se Israel tiver sucesso em outras frentes, isso eventualmente culminará na anexação total no Líbano. O que pode muito bem acompanhar o assassinato de todos os homens, mulheres, crianças e animais do país, sejam eles muçulmanos ou cristãos, a depender da facção sionista que esteja no controle (os mais “moderados” quererão apenas a expulsão dos cidadãos).