Faleceu hoje, aos 96 anos, Antônio Delfim Netto. Economista, professor, ministro, embaixador, deputado, foi uma das personalidades mais proeminentes de seu tempo, conseguindo transitar com grande influência por várias áreas. Defendeu o livre-comércio na questão cafeeira, tabelou juros baixos, arrochou salários, ajudou a fundar a Embrapa, controlou o câmbio, assinou o AI-5, chancelou a Constituição de 88, foi interlocutor dos governos Lula I e II – Delfim Netto foi um dos poucos brasileiros mais contraditórios que o próprio Brasil.
Paulista, estudou na USP, onde publica sua tese de livre-docência, “O Problema do Café no Brasil”, em 1959. Trabalho pioneiro na área, ainda hoje é impresso e vendido, com grande influência no debate agrícola e econômico nacional. Atuou no governo múltiplas vezes, primeiro no Consplan (Conselho Consultivo do Planejamento), depois como Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, então como Ministro da Fazenda a partir de 1967 até 1975, sendo peça fundamental do posterior milagre econômico. Depois de atuar como embaixador (1975-1978), volta aos ministérios no governo Figueiredo, primeiro na pasta de Agricultura, depois do Planejamento, saindo apenas na posse de José Sarney. Foi deputado (constituinte e federal) por vinte anos, onde votou pelo impedimento de Fernando Collor, criticou o Plano Real, a emenda da reeleição presidencial e as políticas do governo FHC, apoiando depois o governo Lula e sendo seu interlocutor na Câmara.
Dizer que Delfim Netto foi um grande nome na história brasileira seria subestimar sua real importância. Ele não apenas foi uma peça-chave na decolagem econômica e industrial do país, mas também teve um papel crucial na fundação da Embrapa, que revolucionou a produção agropecuária nacional. A bem-sucedida plantação de soja no Cerrado, fruto do esforço hercúleo da Embrapa e de seu fundador, Affonso Celso Pastore, amigo pessoal e colega acadêmico de Delfim Netto, é um testemunho dessa revolução.
A experiência brasileira, capitaneada de perto por ele, durante sua longa estadia no Ministério da Fazenda, atraiu a atenção de economistas chineses durante as reformas econômicas de Deng Xiaoping. O caso brasileiro foi analisado minunciosamente com admiração e fascínio, utilizando o país como exemplo de crescimento rápido, mas também como lição sobre os problemas e desafios inflacionários que acompanham o crescimento acelerado.
Uma pena que na China as lições e experiências estruturalistas de Delfim tenham sido mais utilizadas que na sua própria terra. Há mais de 3 décadas o Brasil está estagnado, com saldo negativo na geração de empregos acima de 2 salários mínimos (!) nos últimos 20 anos. Nossa indústria está em coma, a economia está se tornando mais vulnerável a choques externos, com restrições fiscais draconianas auto impostas e uma reação histérica a qualquer fantasma da inflação.
O vácuo deixado pela morte destas grandes figuras, incluindo, além de Delfim, Maria da Conceição Tavares, Affonso Celso Pastore (mencionado acima), Mauro Boianovsky (pai da História do Pensamento Econômico no Brasil), e João Paulo dos Reis Veloso (fundador do IPEA e Ministro do Planejamento de 1969 a 1979), é gigantesco, e não vejo, entre os economistas atuais, ninguém com cacife, jogo de cintura, compreensão da realidade e visão de futuro patriótico para ocupar esse espaço.
O que precisamos, hoje, é de novos pensadores, novos gigantes da política nacional, novos jovens ousados que possam terminar a construção do Brasil e da Nova Roma. Que a nova geração, fruto das Jornadas de Junho e suas consequências, consiga superar os nossos antepassados e concretizar o Brasil potência no amanhã.