As Relações Bilaterais entre Rússia e Coreia do Norte

Vindo de longa data, as relações entre Rússia e Coreia do Norte passaram por momentos de resfriamento no pós-Guerra Fria. Tudo mudou agora com os recentes diálogos estratégicos entre ambos países.

A Rússia e a Coreia do Norte são unidas por um vínculo especial, pois as origens do regime dos Kim remontam aos anos da ocupação soviética da Coreia do Norte. Ao longo das décadas, as relações bilaterais passaram por diferentes fases: da aliança da Guerra Fria ao pragmatismo de Vladimir Putin, passando pelo período frio dos primeiros anos noventa. A chamada “operação militar especial” na Ucrânia marcou o início de uma nova primavera. O apoio norte-coreano ao esforço bélico russo abriu, de fato, novas e inesperadas áreas de cooperação, no contexto do contínuo fortalecimento do multipolarismo.

As origens das relações bilaterais e a Guerra Fria

Moscou e Pyongyang sempre tiveram um vínculo especial, ou melhor, existencial. De fato, os fundamentos da República Popular Democrática da Coreia (nome oficial da Coreia do Norte) foram lançados durante a ocupação soviética da Coreia do Norte, iniciada em agosto de 1945 e encerrada em dezembro de 1948. Para entender as origens desse vínculo existencial, é necessário voltar às fases finais da Segunda Guerra Mundial.

Como é sabido, após a guerra russo-japonesa de 1904-05, toda a Coreia tornou-se primeiro um protetorado (1905) e depois uma colônia japonesa (1910). A derrota na guerra com o Japão causou, entre outras coisas, a exclusão da Rússia dos assuntos coreanos.

Após quarenta anos de dominação nipônica, as águas em torno da Coreia voltaram a se agitar com intensidade no final da Segunda Guerra Mundial. Enquanto os Estados Unidos se preparavam para testar a bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, a União Soviética declarou guerra ao Japão e lançou uma imponente ofensiva terrestre com o objetivo de conquistar os territórios japoneses no nordeste da Ásia, ou seja, a Manchúria e a Coreia.

Vendo a rapidez do avanço do Exército Vermelho e temendo que os soviéticos libertassem toda a península, o governo norte-americano elaborou uma proposta de divisão da Coreia: o norte sob ocupação soviética, o sul sob ocupação norte-americana, com o paralelo 38º como fronteira entre as duas zonas de ocupação. Os soviéticos entraram em Pyongyang em 24 de agosto e, conforme o acordo com os norte-americanos, não avançaram além do paralelo 38º, embora naquele momento nenhuma força militar pudesse impedi-los de completar a libertação da península.

Após uma primeira colaboração infrutífera com o nacionalista Cho Man-sik, os soviéticos decidiram apoiar a ascensão de Kim Il-sung, um jovem guerrilheiro comunista. Durante os anos 30, Kim já havia participado da guerrilha antijaponesa na Manchúria, mas em 1941, por ser procurado pelos japoneses, foi obrigado a fugir para o exterior. Refugiou-se na região de Vladivostok, onde permaneceu até o fim da guerra e onde criou contatos com os soviéticos. Estes últimos o recompensaram favorecendo sua ascensão política durante o período da ocupação, culminando em 9 de setembro de 1948 com a proclamação da República Popular Democrática da Coreia.

Embora durante a guerra de 1950-53 não tenha intervindo diretamente em auxílio da jovem república norte-coreana, durante toda a Guerra Fria a União Soviética, juntamente com a China, foi o principal aliado da Coreia do Norte. Em 1961, Moscou e Pyongyang assinaram um tratado de amizade, cooperação e assistência mútua que, no artigo 1, previa uma cláusula de ajuda recíproca caso um dos dois signatários fosse atacado militarmente.

Os laços ideológicos, militares e econômicos (a União Soviética era o principal parceiro econômico da Coreia do Norte) não conseguiram, no entanto, eliminar as divergências entre os dois países. Essas divergências eram principalmente produto do papel diferente que os dois Estados desempenhavam no sistema internacional. A União Soviética era a grande potência do bloco socialista em competição com os Estados Unidos. A competição geopolítica entre Moscou e Washington ocorria em escala global e a Coreia era apenas uma das muitas frentes. Além disso, embora não se tenha chegado a um tratado de paz, o armistício de fato estabilizou a península, consolidando a divisão ocorrida em 1948: o norte ficava na esfera de influência soviética, o sul na dos Estados Unidos. Na perspectiva da mencionada competição geopolítica, essa estabilização fez da Coreia uma frente secundária aos olhos da União Soviética.

A Coreia do Norte, por outro lado, era um país dividido que, após se recuperar das devastações da guerra, teve que competir arduamente com seu vizinho do sul para obter legitimidade internacional. Essa competição ocorria em um contexto regional hostil, já que a Coreia do Norte fazia fronteira com a esfera de influência norte-americana. Além disso, especialmente durante os anos imediatamente posteriores ao fim da guerra, Kim Il-sung teve que se esforçar para consolidar sua legitimidade em relação aos adversários internos.

É importante observar que, apesar da dependência de Pyongyang em relação a Moscou, a Coreia do Norte, sendo um regime nacionalista e dado o caráter autárquico da ideologia juche, não foi um mero fantoche soviético, nem se alinhou acriticamente ao marxismo-leninismo promovido pelo Partido Comunista Soviético. Além disso, ao contrário de Seul, Pyongyang recusou-se a hospedar tropas estrangeiras em seu território.

A Coreia do Norte reivindicou e seguiu uma linha autônoma tanto do ponto de vista diplomático quanto ideológico. Por exemplo, apesar da oposição soviética, Kim Il-sung criou um culto de personalidade próprio e adotou a prática da sucessão dinástica, que era o mais distante possível do centralismo democrático marxista-leninista.

Do ponto de vista diplomático, durante os anos setenta, Pyongyang expandiu suas relações diplomáticas além do bloco socialista. Em 1975, Kim Il-sung realizou uma longa viagem que o levou a visitar a China, Argélia, Mauritânia, Romênia, Bulgária e, por fim, a Iugoslávia. Em agosto daquele ano, Pyongyang foi admitida no Movimento dos Não-Alinhados, o qual, no entanto, estava dividido quanto à posição a adotar em relação à questão coreana.

Na primeira metade dos anos setenta, o regime de Kim tentou estabelecer relações comerciais também com alguns países capitalistas, em particular França e Japão, e dessa época datam as primeiras tentativas de estabelecer um canal de comunicação direto com os Estados Unidos.

Esse ativismo diplomático, por um lado, respondia à lógica da competição pela legitimidade internacional com a Coreia do Sul, e por outro era uma consequência da dissidência sino-soviética. A ruptura das relações entre a União Soviética e a República Popular da China não só forçou Pyongyang a se engajar em um difícil exercício de equilíbrio diplomático, mas também a buscar novos parceiros com quem aprofundar as relações para favorecer o desenvolvimento do país.

As relações bilaterais entre a Federação Russa e a República Popular Democrática da Coreia (1991-2022)

O fim da Guerra Fria e o colapso da União Soviética abriram uma nova era nas relações bilaterais. Em 1990, o Kremlin reconheceu a Coreia do Sul, uma decisão que os norte-coreanos definiram como “repugnante, nauseante, inoportuna”. Kim se sentiu traído pelo seu histórico aliado.

Nos primeiros anos da década de 1990, a política coreana da Federação Russa estava voltada principalmente para o sul do paralelo 38. O Kremlin estava interessado em estabelecer sólidas relações econômicas e comerciais com a Coreia do Sul, cuja prosperidade econômica a tornava um parceiro atraente para uma Rússia em dificuldades. A virada se materializou em novembro de 1992, durante a visita do presidente russo Boris Iéltsin a Seul. Na ocasião, Iéltsin confidenciou ao ministro das Relações Exteriores sul-coreano que o tratado de 1961 com a Coreia do Norte estava em vigor apenas no papel.

De fato, o Ministério das Relações Exteriores russo, já em janeiro de 1992, comunicou à contraparte norte-coreana sua intenção de remover a cláusula de assistência mútua do tratado. A diplomacia russa solicitou uma troca de notas diplomáticas para revisar o documento, mas a Coreia do Norte inicialmente se recusou. Moscou não queria cortar os laços com Pyongyang, mas ao mesmo tempo não estava mais disposta a ser vinculada por um compromisso formal de assistência militar.

Ao longo da década de 1990, russos e norte-coreanos negociaram um novo texto. O tratado de amizade, boa vizinhança e cooperação foi assinado em 9 de fevereiro de 2000, durante a visita do ministro das Relações Exteriores russo Igor Ivanov a Pyongyang. O novo tratado eliminava a cláusula de assistência mútua e a substituía por uma de consulta mútua, conforme previsto pelo artigo 2.

Enquanto isso, a postura russa em relação à península coreana mudou. A abordagem de Moscou tornou-se mais equilibrada e pragmática. O governo russo entendeu que, para ser influente na península, deveria perseguir uma política baseada na equidistância. Romper os laços com Pyongyang aumentaria a influência de Pequim e diminuiria o prestígio de Moscou. Manter boas relações com o Norte era também uma alavanca útil para negociações com o Sul.

Durante a segunda metade da década de 1990, a Rússia gradualmente abandonou sua política pró-ocidental na tentativa de recuperar um papel autônomo na política internacional. A mudança de abordagem em relação à Coreia ocorreu nesse contexto. A figura que personificou essas mudanças foi Vladimir Putin, que em 31 de dezembro de 1999 sucedeu a Iéltsin como presidente.

Putin mostrou um considerável ativismo em relação à Coreia do Norte. Nos primeiros três anos de sua presidência, encontrou-se três vezes com Kim Jong-il: a primeira vez em Pyongyang (julho de 2000), a segunda em Moscou (abril de 2001), a terceira em Vladivostok (agosto de 2002). Esses encontros bilaterais serviram a Putin para restabelecer os laços após as turbulências do período ieltsiniano e para demonstrar que a Rússia ainda era um ator a ser considerado na península coreana.

Apesar do novo curso da política externa russa, a abordagem da Federação em relação à península continuava a ser gravada por dois limites. Em primeiro lugar, a Rússia não podia mais ser o principal fornecedor de armas da Coreia do Norte, pois isso prejudicaria as relações com o Sul. Em segundo lugar, a Rússia não estava mais disposta a subsidiar a economia norte-coreana como nos tempos da Guerra Fria.

Durante a era bipolar, Moscou fornecia ajuda econômica a Pyongyang oferecendo preços favoráveis. Além disso, o comércio entre os dois países era fortemente desequilibrado em favor da União Soviética. Como resultado, a Rússia herdou um crédito considerável em relação à Coreia do Norte. Os norte-coreanos pediram o cancelamento da dívida, mas inicialmente os russos se recusaram. Então, a Coreia do Norte, para pagar pelo menos parte da dívida, enviou trabalhadores para o Extremo Oriente russo. O envio de trabalhadores para a Rússia, principalmente empregados nos setores de construção e madeira, era uma prática consolidada já nos tempos da União Soviética.

O início da segunda crise nuclear norte-coreana (2002) forçou a Rússia a adotar uma abordagem mais cautelosa em relação à Coreia do Norte. O Kremlin era contrário à proliferação nuclear, mas ao mesmo tempo se opunha a uma eventual ação militar dos EUA destinada a destruir os locais nucleares norte-coreanos. Tal cenário desestabilizaria o status quo, aumentando gravemente o risco de uma guerra em escala regional.

Pyongyang pediu a participação de Moscou nas conversações a seis, das quais participaram também China, Coreia do Sul, Japão e Estados Unidos. Russos e chineses coordenaram suas posições no âmbito das negociações. A coordenação russo-chinesa tornou-se clara em maio de 2003, quando o presidente chinês Hu Jintao foi a Moscou para se encontrar com Putin. Os dois presidentes concordaram que a resolução bélica da crise nuclear era inaceitável. A Coreia do Norte precisava de garantias em relação à sua segurança nacional e de incentivo ao desenvolvimento econômico. Ao mesmo tempo, Hu e Putin destacaram a importância de respeitar o regime de não proliferação. Segundo os dois chefes de Estado, a redução da ameaça dos EUA, juntamente com o envio de ajuda econômica, promoveria o retorno de Pyongyang ao tratado de não proliferação.

Do ponto de vista econômico, para a Coreia do Norte, a importância da Rússia diminuiu consideravelmente após a dissolução da União Soviética. Como resultado, Moscou perdeu uma importante alavanca de negociação. Em 1990, o comércio com a União Soviética representava 53,3% do comércio exterior da Coreia do Norte, totalizando 2,2 bilhões de dólares. Cinco anos depois, esse valor havia caído para apenas 83 milhões de dólares. Em 2010, o valor do comércio entre os dois países não ultrapassava os 100 milhões de dólares.

No entanto, os russos demonstraram querer aprofundar as relações comerciais. Em setembro de 2012, foi finalmente alcançado um acordo sobre a dívida norte-coreana, que totalizava 11 bilhões de dólares, incluindo os juros. A Rússia concordou em cancelar 90% da dívida. Os 10% restantes, equivalentes a 1,09 bilhões, seriam pagos ao longo dos 20 anos seguintes. A resolução dessa disputa não apenas facilitou as trocas comerciais, mas permitiu uma melhoria geral nas relações bilaterais.

Em geral, desde a posse de Putin até 24 de fevereiro de 2022, a política da Rússia em relação à Coreia do Norte foi pragmática. O Kremlin quis corrigir os erros do período ieltsiniano, mas sem assumir nenhum compromisso formal para garantir a segurança norte-coreana. Essencialmente, a reaproximação entre a Rússia e a Coreia do Norte não resultou em um retorno aos tempos áureos da Guerra Fria. Além disso, no Conselho de Segurança, a Rússia não deixou de apoiar as sanções internacionais. Do ponto de vista russo, aproximar-se…

As relações bilaterais após 24 de fevereiro de 2022

O início da chamada “operação militar especial” na Ucrânia marca um ponto de virada. Se a dissolução da União Soviética causou um acentuado esfriamento das relações bilaterais, especialmente na primeira metade dos anos noventa, a partir de 24 de fevereiro de 2022, a relação entre Moscou e Pyongyang experimentou uma melhoria significativa.

Desde o início, o governo norte-coreano manifestou abertamente seu apoio à Rússia. De fato, a Coreia do Norte foi um dos cinco países que votaram contra a resolução adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2 de março de 2022. Essa resolução condenava a operação da Rússia e pedia a retirada imediata das tropas russas da Ucrânia.

A posição norte-coreana em relação à guerra russo-ucraniana é coerente com o caráter radicalmente antiamericano de sua política externa. Moscou, ao decidir invadir a Ucrânia, demonstrou estar disposta a recorrer à força quando seu interesse nacional entra em conflito com o de Washington. Essa afirmação de soberania em detrimento dos Estados Unidos não poderia deixar de encontrar a aprovação de Pyongyang. Kim Jong-un, de fato, ofereceu seu “apoio pleno e incondicional” à “luta sagrada” empreendida pela Rússia contra o Ocidente.

Agindo de forma coerente com essa posição, a Coreia do Norte não se limitou a apoiar a Rússia nos fóruns internacionais, mas teria contribuído materialmente para o esforço de guerra russo. Segundo os Estados Unidos e alguns de seus aliados, Pyongyang teria fornecido material militar a Moscou, especialmente mísseis e munições para artilharia. Isso representaria uma inversão drástica em relação aos tempos da Guerra Fria: se a União Soviética era o principal fornecedor de material militar da Coreia do Norte, hoje seria a Rússia a importar armamentos norte-coreanos. A guerra russo-ucraniana teria, portanto, criado oportunidades inesperadas para a indústria bélica e para a economia norte-coreana em geral, favorecendo sua recuperação após os difíceis anos da pandemia.

Além das supostas trocas de material militar, a melhoria das relações bilaterais é testemunhada pelos recentes encontros de alto nível. Em 27 de julho de 2023, por ocasião do septuagésimo aniversário do armistício que pôs fim à guerra, o ministro da defesa russo Sergei Shoigu visitou Pyongyang, onde se encontrou com Kim Jong-un. O líder norte-coreano aproveitou a oportunidade para mostrar ao ministro russo o arsenal de mísseis, um recurso fundamental para a segurança nacional norte-coreana.

Ao encontro também compareceu uma delegação chinesa de alto nível, liderada por Li Hongzhong, vice-presidente da Comissão Permanente da Assembleia Nacional Popular e membro do Politburo do Partido Comunista Chinês. Setenta anos após o fim da terrível Guerra da Coreia, China e Rússia confirmam-se, portanto, os parceiros de referência da Coreia do Norte.

Um mês e meio após esse encontro trilateral, Kim Jong-un atravessou a fronteira com a Rússia para se encontrar com o presidente Vladimir Putin. A cúpula entre os dois chefes de Estado (a primeira desde abril de 2019) ocorreu em 13 de setembro de 2023 no cosmódromo Vostochny, no oblast de Amur, no Extremo Oriente russo. Não é por acaso que o encontro ocorreu em um cosmódromo. Kim e Putin discutiram vários temas sobre a atualidade internacional e também sobre maneiras de aprofundar as relações bilaterais, incluindo a cooperação em ciência e tecnologia. A Coreia do Norte está determinada a desenvolver seu programa aeroespacial, com especial referência aos satélites, e neste setor a Rússia é um dos países mais avançados.

O apoio decidido dado pela Coreia do Norte à campanha militar russa na Ucrânia proporcionou, portanto, a Pyongyang uma útil alavanca de negociação, criando novos âmbitos de cooperação, com vistas a um progressivo aprofundamento das relações bilaterais.

Na esteira das reuniões bilaterais de julho e setembro de 2023, em janeiro de 2024, a ministra das relações exteriores norte-coreana, Choe Son-hui, visitou Moscou, onde se encontrou com seu homólogo russo, Sergei Lavrov. Após sua reunião de trabalho, os dois ministros foram ao Kremlin para se encontrar com o presidente Putin. À margem dos trabalhos, a ministra Choe expressou sua apreciação pela melhoria das relações bilaterais: os encontros repetidos entre os ministros das relações exteriores dos dois países constituem “mais uma prova de que a relação amigável entre a Rússia e a Coreia, com sua longa história de amizade e tradição, está progredindo energicamente de acordo com os planos dos respectivos líderes”.

Fonte: Eurasia Rivista

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Massimiliano Palladini

Bacharel em Ciências Políticas, Sociais e Internacionais, Mestre em Relações Internacionais e Europeias.

Artigos: 53

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