Em um diálogo de quase uma hora, o Pontífice mostrou-se feliz por “dar lugar a todos na Igreja”, mas manifestou-se contra a ideologia de gênero; ele também ficou satisfeito com as mudanças na Cúria Romana
Durante a entrevista com LA NACION , na qual disse que o que o fez mais feliz nestes dez anos foi “dar lugar a todos na Igreja”, quando perguntado se estava escrevendo uma nova encíclica, o Papa disse que não e ele também negou ter sido convidado a escrever um documento sobre o tema de gênero. A esse respeito, considerou uma antropologia de gênero como “extremamente perigosa” “porque anula as diferenças e isso anula a humanidade”, que distinguiu de uma pastoral com pessoas de orientação sexual diversa.
Por outro lado, disse desconhecer o escândalo que rebentou esta semana na Polônia, onde um documentário e um livro acusaram São João Paulo II de ter acobertado um padre pedófilo, quando era arcebispo da Cracóvia:
Você está trabalhando em uma nova encíclica ou documento importante?
– Não.
– É verdade que lhe pediram para escrever um documento sobre o tema de gênero?
– Não, ninguém me pediu um documento. Mas sim esclarecimentos. Eu sempre faço uma distinção entre o que é cuidado pastoral para pessoas que têm uma orientação sexual diferente e o que é ideologia de gênero. São duas coisas diferentes. A ideologia de gênero, neste momento, é uma das colonizações ideológicas mais perigosas. Vai além do sexual. Por que é perigoso? Porque dilui as diferenças, e a riqueza dos homens e mulheres e de toda a humanidade é a tensão das diferenças. É crescer através da tensão das diferenças. A questão de gênero está diluindo as diferenças e criando um mundo igualitário, tudo contundente, tudo igual. E isso vai contra a vocação humana.
– Você sabia que na Argentina, da última vez que estive lá, você tem que preencher um formulário que diz sexo masculino, feminino ou não-binário?
– A experiência futurística que tive há muitos anos sobre isso foi quando li um romance que sempre recomendo, O Senhor do Mundo (Lord of the World), do [Monsenhor Robert Hugh] Benson, escrito em 1907. Parece muito moderno, né? Um pouco pesado no meio, alguns capítulos, mas é muito bonito. Suscita um futuro em que as diferenças vão desaparecendo e tudo é igual, tudo é uniforme, um só chefe do mundo inteiro. Um profeta futurista. E lá estava eu encontrando a verdadeira tendência de diminuir as diferenças. A riqueza que a humanidade tem são suas diferenças, culturais…
– Mas no final não ficou claro para mim, eles pediram para você escrever algo sobre a questão de gênero?
– Não, não, não. Eu falo sobre isso. Falo porque há pessoas um tanto ingênuas que acreditam que é o caminho do progresso e não distinguem o que é respeito à diversidade sexual ou às várias opções sexuais do que já é uma antropologia do gênero, o que é extremamente perigoso porque anula as diferenças, e que anula a humanidade, a riqueza da humanidade, tipo pessoal, como cultural e social, as diferenças e as tensões entre as diferenças.
– Na verdade, você sempre fala do poliedro.
– Tal qual.
– Em algumas entrevistas você admitiu ter cometido erros nesses dez anos. Você poderia identificar um ou dois?
– Eu diria qual é o leitmotiv que está sob qualquer erro. Um pouco de impaciência, não é? Às vezes o sangue me sobe à cabeça. Então a pessoa perde a paciência e, quando a paz é perdida, a pessoa desliza e comete erros. É preciso saber esperar, os processos, tem que saber esperá-los…
– E quando você perdeu a paciência?
– Mais de uma vez. Não apareceu nos jornais, mas foi mais de uma vez. Vontade de estrangular (risos)… mas não se preocupe, a gente anda devagar e esses processos se vão aos poucos.
– Existe alguma coisa que você fez nesses dez anos como papa que o deixou especialmente feliz?
– Tudo o que foi linha pastoral de perdão e compreensão do povo. Dar lugar na Igreja a todos.
– Qual é o seu sonho hoje? Você tem algum sonho?
– Sou muito realista, gosto de tocar nas coisas, nas realidades [Risos]… Vontade de nadar para a frente, abrir portas. Abrir portas, isso funciona muito para mim. Abrir portas e percorrer caminhos.
– Como você imagina a Igreja Católica daqui a 20 anos?
– Se esta pergunta tivesse sido feita a alguém que trabalhou com São Paulo VI, ele estaria errado na resposta. Eu vou me equivocar. Não, [eu a imagino] mais pastoral, mais justa, mais aberta. Outra coisa mais não saberia dizer, não sei por quê. É curioso, a história muda os rostos das situações e os coloca de outra maneira, e a evangelização acontece de outro modo. O meu objetivo é o horizonte sempre aberto e viver o hoje também. Há uma imaginação que alguém poderia dizer que é a linha orientadora, que é o que nos mostram os documentos conciliares, os documentos dos episcopados, que devemos seguir por este caminho. Agora, a concretização disso, é difícil.
-Na verdade, você sempre fala do poliedro.
-Tal qual.
-Em algumas entrevistas você admitiu ter cometido erros nesses dez anos. Você poderia identificar um ou dois?
-Eu diria qual é o leitmotiv que está sob qualquer erro. Um pouco de impaciência, não é? Às vezes o sangue me sobe à cabeça. Então a pessoa perde a paciência e, quando a paz é perdida, a pessoa desliza e comete erros. É preciso saber esperar, os processos, tem que saber esperá-los…
-E quando você perdeu a paciência?
-Mais de uma vez. Não apareceu nos jornais, mas foi mais de uma vez. Vontade de estrangular (risos)… mas não se preocupe, a gente anda devagar e esses processos se vão aos poucos.
-Existe alguma coisa que você fez nesses dez anos como papa que o deixou especialmente feliz?
-Tudo o que foi linha pastoral de perdão e compreensão do povo. Dar lugar na Igreja a todos.
-Qual é o seu sonho hoje? Você tem algum sonho?
-Sou muito realista, gosto de tocar nas coisas, nas realidades [Risos]… Vontade de nadar para a frente, abrir portas. Abrir portas, isso funciona muito para mim. Abrir portas e percorrer caminhos.
-Como você imagina a Igreja Católica daqui a 20 anos?
-Se esta pergunta tivesse sido feita a alguém que trabalhou com São Paulo VI, eles estariam errados na resposta. Eu vou me equivocar. Não, [eu a imagino] mais pastoral, mais justa, mais aberta. Outra coisa mais não saberia dizer, não sei por quê. É curioso, a história muda os rostos das situações e os coloca de outra maneira, e a evangelização acontece de outro modo. O meu objetivo é o horizonte sempre aberto e viver o hoje também. Há uma imaginação que alguém poderia dizer que é a linha orientadora, que é o que nos mostram os documentos conciliares, os documentos dos episcopados, que devemos seguir por este caminho. Agora, a concretização disso, é difícil.
– Já se passaram dez anos, te parece que a eleição foi ontem? Os anos passaram rápido? Devagar? Como você se sente?
– Eles passaram rapidamente, como toda a vida. Eu penso coisas minhas. Hoje eu estava falando do meu colégio, parece que foi ontem. Curioso como ontem fica mais curto e parece que foi ontem. E estes se passaram rápido
– Eu sei que você não gosta de balanços, mas olhando para trás, você sente que atingiu seus objetivos? Como você disse muitas vezes que muitos dos mandatos das reuniões pré-conclave eram para o novo Papa limpar as finanças do Vaticano, para colocar ordem na cúria depois de alguns escândalos… você cumpriu esses objetivos?
– Eu os comecei. Por exemplo, na parte econômica quero homenagear o homem que me ajudou, o cardeal Pell, um grande homem. Infelizmente ele teve aquele problema do qual foi inocentado depois. Mas ele teve que sofrer um ano e dois meses de prisão sendo inocente e não pôde continuar. Mas foi o cardeal Pell quem iniciou a reforma econômica e eu sou muito grato a ele.
-E a reforma da cúria?
– Os dicastérios foram reordenados e o mesmo colégio cardinalício é agora mais livre.
– Em seu documento programático, Evangelii Gaudium, você falou da conversão do papado… Você sente que fez essa conversão? Você não encarna o Rei Papa, você é um Papa sem frescuras, você é um Papa mais próximo, mais aberto e humilde. Ou, que outra mudança você faria no papado?
– Eu diria que a conversão do papado não começou comigo. Se quisermos afirmar corretamente, esta última etapa começou com Paulo VI, que foi o primeiro a viajar, por exemplo. É uma conversão do Ministério de Pedro, um homem que recebeu a herança de todos os anteriores e recebeu o fim do Concílio e o pôs em movimento. Um grande, um santo. Se falamos do papado mais moderno da atualidade com novas formas de ser, São Paulo VI é o primeiro. E aí que começou, com suas nuances, para um lado e para o outro, foi para frente. São João Paulo II, o grande evangelizador; João Paulo I, o pouco que pudemos aproveitar, o pároco próximo que queria acabar com certas coisas que não iam bem, e o Bento tem uma amplitude no ensinamento, um homem corajoso. Ele foi o primeiro papa a abordar oficialmente a questão do abuso. Um grande teólogo, mas que explicava de maneira exemplar. Sinto falta do Bento porque ele era um companheiro.
– Você estava falando de João Paulo II e dos abusos… Não sei se você sabe que esta semana estourou um tremendo escândalo na Polônia porque foi exposto um documentário onde aparece um documento, uma carta que ele escreveu, Wojtyła, quando era cardeal de Cracóvia, ao cardeal de Viena, König, se este podia receber um padre, que era um abusador e há todo um escândalo na Polônia sobre isso. Saiu também um livro… A minha pergunta é, foi canonizado muito depressa?
– Você tem que colocar as coisas de volta em seu tempo. O anacronismo sempre faz o mal. Naquela época, tudo estava encoberto. Até o escândalo de Boston, tudo foi encoberto. Quando aconteceu a coisa de Boston, a Igreja começou a olhar para esse problema. A Igreja sempre foi muito fiel a partir daquele momento em esclarecer as coisas. A solução foi mudar o pároco de local, ou no máximo, reduzir o caso se não houvesse solução, mas sem escândalo. O que infelizmente ainda está sendo feito hoje quando isso acontece nas famílias e no bairro. E pensar que 42%, mais ou menos, são cifras internacionais, ocorrem na família e na vizinhança. Depois vem a escola. E aí se encobre até hoje para não gerar conflito, é uma forma de proceder. A Igreja também fez isso, encobriu, realocou… às vezes não tinha outra escolha e o retirava definitivamente, o mandava para outro lugar. Ou seja, uma época tem que ser lida na sua própria hermenêutica.
– Na verdade, há quem diga que nesta carta que Wojtyla escreveu a König, na qual lhe dizia que o padre ia estudar psicologia, era uma forma codificada de dizer que ele era um abusador… porque saiu dos arquivos.
– Não sei o caso, mas era o normal. Encobrir diretamente quando se via que não tinha remédio, removê-lo. Encobrir. Como hoje ainda é feito nas famílias, infelizmente. Quando é o tio, o avô, o vizinho, são problemas sérios na família. Graças a Deus que Bento foi o primeiro a descobrir o caso dos Legionários. Ele foi corajoso. Hoje a Igreja adotou isso. Depois do escândalo de Boston, aí a Igreja começou a tomar essa nova atitude… Pegar o touro pelos chifres.
– Mudando de assunto… Há 10 anos você dizia: “Quero uma Igreja pobre para os pobres”. Algo mudou nesse sentido no Vaticano e na Igreja ou ainda há muitos ‘príncipes bispos’?
– A atitude principesca é algo interiorizado e por aí se dá um pouquinho ainda, mas é uma coisa normalmente a se julgar, mas evidentemente o ar é de reforma – que nasceu sozinha, que nasceu do mesmo conclave, não nasceu do Papa, o papa obedece ao conclave – perceba-se. Nota-se, por exemplo, na economia, que não há regalias ou que as regalias estão sendo retiradas. Uma situação de progresso econômico realmente se estabilizou para melhor, mas nasceu de uma limpeza, não de investimentos sujos e tudo mais. E nisso a secretaria de economia me ajuda muito. Primeiro foi o padre Guerrero, que sistematizou as coisas em três anos e meio e agora tem um laico, Maximino Caballero.
– Mas então podemos dizer que o senhor está satisfeito porque se sente o ar da reforma.
– Sinto sim. Mas ainda temos que seguir em frente.
– Pode-se dizer que nestes 10 anos você recuperou ovelhas perdidas, já que muitos tinham se distanciado da Igreja, mas que voltaram com você, um papa diferente… mas ao mesmo tempo você colocou os “católicos perfeitos” em uma crise, eles ficaram deslocados, tal como o irmão mais velho na parábola do filho pródigo…
– Isso sempre acontece. Sempre acontece. Uma palavra-chave de Jesus é “todos”. Para mim, esta é a chave da abertura pastoral. Todos dentro de casa. Pode ser uma confusão, mas todos dentro de casa.
– Antes de ser eleito Papa, sabia-se que você não gostava de vir a Roma ou viajava o mínimo possível por considerar um lugar complexo, com intrigas internas. Dez anos depois, pelo que vimos depois da morte de Bento XVI e nos livros, as intrigas ainda existem. Ou algo mudou?
– Sempre sobra alguns, mas não é o ambiente… Eu não mudei, foi a própria história que mudou. Nas reuniões preparatórias dos cardeais está tudo o que foi feito depois. Foram os mesmos cardeais que disseram “por aqui, por aqui, por aqui”. Isso é o bonito, o mesmo Colégio de Cardeais foi que definiu o curso. Eu apenas dei o início. Interessante.
– Você sente que tem muita resistência e inimigos? E por que você acha que há oposição a essa visão da Igreja que você acabou de mencionar, aberta a todos, inclusiva, uma Igreja que você definiu no início com uma imagem tão boa, como um hospital de campanha para tratar os feridos de hoje?
– A oposição sempre vai existir, em todos os lugares. Diante de qualquer progresso, qualquer mudança… Jesus teve bastante oposição. Não estou comparando, hein? Mas sempre haverá oposição. Jesus não quis dialogar com os quatro partidos do seu tempo. Ele dialogava, mas não seguia o projeto deles, fazia o seu próprio. Ele não era fariseu, nem saduceu, nem essênio, nem zelote. Foi Ele. Porque Ele trouxe esta mensagem: aqui não é preciso filiar-se a nenhum partido político ou eclesiástico. A liberdade do Espírito Santo, ouvindo as consultas, as pessoas, consultando e buscando a vontade de Deus.
– Você sempre fala de processos, postos em movimento, que você colocou muitos. Você acha que há algum assunto pendente ou algo que você gostaria de ver concluído?
– Não me ocorreu pensar assim. Gosto de processos e não de avaliações. Curioso, não gosto de avaliar, também não sei fazer. Os processos sim, porque gosto de seguir em frente. Mas nunca o que fica para trás, e muitas coisas devem ficar, não é verdade? Caso típico, por exemplo, o dos seminários. É necessária uma revisão dos seminários, de fato estão sendo feitas visitas, para encontrar uma forma de regular a formação dos futuros sacerdotes. Algo está sendo feito e que está em andamento. E há outros.
– O sínodo sobre sinodalidade em andamento é a grande aposta deste momento, certo?
– Bem, falando em termos de futebol, quem chutou pela primeira vez foi Paulo VI. No final do Concílio, Paulo VI percebeu que a Igreja no Ocidente havia perdido a dimensão sinodal. A Igreja do Oriente a mantém. Em seguida, criou a secretaria do sínodo dos bispos, que se reunia a cada quatro anos. Eu tive que participar de dois. Ali estava amadurecendo um processo de decisão que não era o que existia antes, muito mais complementar. Há uns dez anos foi feita uma reflexão séria e foi feito um documento, eu assinei, os teólogos e eu, foi uma coisa comunitária. Que marcava “chegamos até aqui, agora falta algo mais”. E não deixamos explícito o que faltava, mas foi se delimitando por si mesmo, que era para explicitar a sinodalidade. Por exemplo, já era aceito por todos que as mulheres não podiam votar. Então, no sínodo para a Amazônia, foi perguntado, por que as mulheres não podem votar? Elas são cristãs de segunda categoria? Em outras palavras, eles estavam colocando problemas cada vez mais sérios a serem melhorados.
– E agora votarão apenas uma ou todas?
-Todos os que participarem do sínodo votarão. Quem for convidado ou observador não votará. Quem participa de um sínodo tem direito a voto. Seja masculino ou feminino. Todos, todos. Essa palavra todos para mim é fundamental.
– Você não respondeu à pergunta sobre se é a grande aposta deste momento.
– Não sei, é um passo que temos que dar. Isso é claro.
Fonte: La Nacion