É um grande erro achar que existe conciliação entre o antiliberalismo e as pautas do progressismo pós-moderno. Na prática, a história e a filosofia demonstram que essas ditas “lutas de libertação” são típicas do liberalismo, na medida em que visam “libertar” o indivíduo de supostas opressões.
O paradigma das “lutas arco-íris” favorecidas pela ordem capitalista global permite a ativação, nem um pouco neutra, do conhecido “paradoxo de Popper”, ou seja, o teorema que codifica, para os habitantes da sociedade aberta da democracia de mercado, o direito à intolerância apenas em relação aos intolerantes. Tal teorema revela sua estrutura inerentemente enganosa, assim que nos perguntamos quem são realmente os intolerantes: ou, mais precisamente, sobre como a fácil identificação do intolerante com aqueles que pensam de maneira diferente dos cânones do pensamento único politicamente correto torna possível as conhecidas figuras – nas quais são expressas algumas das principais batalhas das brigadas fúcsia e dos guerrilheiros arco-íris – de ódio em nome da luta contra o ódio, bullying em nome da luta contra o bullying, discriminação em nome da luta contra a discriminação e, dulcis in fundo, a obtenção de condições de privilégio em nome da justiça.
Não se deve ignorar como as lutas pelos direitos civis e o progressismo da “diversidade” conduzem de uma perspectiva igualitária e comunitária para uma perspectiva de vingança e competição. As antigas lutas socialistas dentro do capitalismo dialético orbitavam em torno do ideal de uma sociedade redimida, de uma nação renovada, de uma comunidade aperfeiçoada, em cujos espaços todos eram igualmente livres: bem, com a virada neoliberal, as lutas pelos direitos civis nunca questionam o horizonte histórico dentro do qual elas acontecem e, de fato, quase sempre pressupõem isso. Tampouco são capazes de estabelecer identidades coletivas e anticapitalistas, já que, afinal de contas, limitam-se a propor o que tem sido chamado de enclaves de estilo de vida.
O paradoxo reside, portanto, no fato – bem destacado por Zhok em “Crítica da Razão Liberal” – de que a chamada “política de identidade” ligada aos direitos civis resulta, em última instância, em políticas de pulverização de qualquer identidade, além daquela – intrinsecamente anti-identitária – dos novos enclaves de lifestyles, todos diferentes e, ao mesmo tempo, todos igualmente habitados por instâncias mercadológicas. Políticas de identidade referem-se pontualmente a uma identidade gadgetizada, criada pela fragmentação de toda identidade histórica e social que não pode ser assimilada na sociedade do livre comércio: por esta razão, políticas de identidade invariavelmente resultam em reivindicações competitivas por parte de identidades parciais, assimiladas no sistema do fanatismo econômico e, como enfatizado, inimigas das identidades históricas e culturais dos povos, das nações e, mais geralmente, das comunidades que não coincidem com as multidões anônimas de consumidores desenraizados.
O quadro geral do significado da política de identidade – que invoca o conceito de identidade com o único objetivo de desarmá-la – é uma fragmentação social sem limites, com efeitos às vezes paradoxais: o neofeminismo liberal divide a sociedade ao colocar os homens contra as mulheres; dentro do neofeminismo, então, a reivindicação das feministas negras contra as feministas brancas privilegiadas tem origem, e assim por diante, da fragmentação à fragmentação (até chegar potencialmente ao indivíduo concorrente e ao bellum omnium contra omnes).
Acontece que enquanto a figura abstrata e distorcida do “homem heterossexual branco” se torna o alvo privilegiado das lutas arco-íris, os patrões sem fronteiras, os globocratas sem Estado e os lóbis econômicos exercem seu domínio sem serem perturbados. O único grupo que nunca aparece entre aqueles definidos como oprimidos e necessitados de proteção especial pelos guerrilheiros arco-íris é o proletariado de marxiana memória, mesmo em uma de suas muitas encarnações contemporâneas, diferentes mas todas orbitando – de assalariados a sujeitos passivos de IVA, de contratos atípicos aos condenados do arco da economia informal – em torno do tema do trabalho e sua exploração.
Não seria de se admirar, de fato, se os administradores de códigos politicamente corretos rubricassem a própria doutrina marxista da luta de classes como um caso, entre muitos, de discurso de ódio. Em essência, a astúcia da razão liberal está em garantir que, em termos gerais, nos concentremos apenas em “direitos” que não interfiram na reprodução do capital e que, ao contrário, em casos não raros, o promovam e o implementem sob a forma de consumo de mercadorias: os senhores da globalização administram autocraticamente a questão econômica e laboral, deixando para outros, a título de compensação (e distração), a administração de todos os “direitos” ornamentais que são inofensivos à ordem capitalista ou, de preferência, operam para aprimorá-la.
Mesmo deste último aspecto, o caráter abstratamente revolucionário e verdadeiramente adaptativo das lutas arco-íris deve emergir claramente, em suas características essenciais: se, em suma, são toleradas, quando não promovidas, pelos estrategistas do capital, é porque são lutas que não comprometem a manutenção da ordem de classe, mas, pelo contrário, ajudam a fortalecê-la. Por um lado, como já foi apontado, eles fragmentam a frente dos ofendidos em uma poeira de reivindicações particulares, intrinsecamente não universalizáveis e, de fato, muitas vezes em conflito entre si. Por outro lado, e de forma sinergética, eles desarmam qualquer crítica holística da sociedade fragmentada presa em sua contradição íntima. Isto é o que poderíamos chamar do “reivindicacionismo” pós-moderno hodierno: todo grupo e, em última análise, todo átomo social pode ser identificado com uma vítima que sofre discriminação (desde que não seja discriminação econômica e social, é claro) e, desta forma, pode reivindicar e ganhar espaços e direitos à custa de outros grupos ou indivíduos, no triunfo de uma ordem de reivindicações opostas que contribuem para o desaparecimento de qualquer possível solidariedade de classe.
Mais uma vez, como aponta Zhok, a sociedade se desmorona e, com ela, a “cadeia social” dos oprimidos. Em seu lugar, prevalece uma luta de todos contra todos, que, no nível dos direitos, se expressa na multiplicação das lutas arco-íris entre grupos – quando não entre indivíduos – opostos uns aos outros, como acontece com os conflitos entre homens e mulheres, veganos e carnívoros, islâmicos e cristãos, etc. A luta por uma sociedade emancipada é, mais uma vez, substituída pela nova figura – abertamente liberal – das insurreições privadas, que se realizam pontualmente no espaço possibilitado pelo mercado e pelos direitos do consumidor que ele produz e promove. Desta forma, o protesto é reduzido à transgressão privada, quase sempre em forma de mercadoria e, em qualquer caso, invariavelmente em direções compatíveis com o funcionamento mais canônico da ordem mercadológica.
Fonte: 21Avig