O Estado Novo e o Homem Novo

O Estado Novo como realização histórica do sentido cósmico da Civilização Brasileira. Por Paulo Augusto de Figueiredo.

O Estado Novo como realização histórica do sentido cósmico da Civilização Brasileira. Por Paulo Augusto de Figueiredo.

Nota introdutória:

O ensaio que agora trazemos do teórico getulista Paulo Augusto de Figueiredo consiste numa série de reflexões filosóficas sobre o Homem Moderno e seus elementos de desintegração: o domínio da máquina sobre a vida; a perda da experiência da unidade e da totalidade (o que conduz a uma existência fragmentada); o niilismo negativo; etc.

Figueiredo expõe o problema e aponta o Estado Novo como o alicerce para a formação de um Novo Homem a partir da realidade brasileira. Em um viés spengleriano e, poderíamos dizer, quasi-heideggeriano, o autor faz eco com a noção de Raça Cósmica de José Vasconcelos e chega à conclusões extremamente ricas e oportunas para os tempos caótico de hoje.

Boa leitura! IS

. . .

A civilização moderna é um paradoxo. A máquina parece ter dado tudo ao homem. Mas este é ainda infeliz. Todos sentem a grande tragédia; porém poucos, muito poucos a compreendem. São raros os que tentam resolvê-la. Alguns há que chegam a distinguir résteas de luz dentro da noite enorme e, por isso, ante vêem o fim dos caminhos. Eles vêem além e mais alto. Com eles,queremos crêr que o mal de origem da grande crise da civilização moderna está no esquecimento, ou antes, na desintegração do homem do todo universal.

O homem moderno e a máquina:

O século XX destacou bem os planos: o homem creou a máquina e a máquina tomou o lugar dele. O homem desprendeu-se do cosmos, renunciou à sua condição, fugiu de si próprio, da natureza. Nos alicerces da civilização moderna há quase que só abstrações. Falta sangue ao mundo contemporâneo — ao mundo liberal e capitalista, formalista e oco, materialista, sem rumos e sem fins.

Falta-lhe o sangue forte da verdadeira realidade humana, que não pode ser expressa nos termos políticos em que se reflete uma filosofia dissociada da vida, uma filosofia que já morreu…

O homem moderno, fruto da demagogia liberal-democrata de1779 e do utilitarismo que o advento da máquina espalhou pela terra, é uma criação fictícia. Atende apenas às manifestações do “cidadão”, do “camarada”; é um “homem-classe”, um “homem-partido”. Não traduz as necessidades reais e totais do homem.

Daí o desequilíbrio. O homem, muitas vezes, não tem coragem para começar de novo o que sente que fez errado. As coisas parecem ir além de suas previsões. O efeito é êsse mal-estar contemporâneo. Antes de se estudar a si, o homem estudou o mundo. Preocupou-se com as formas da vida, antes de se preocupar com a própria vida. Todo o seu esforço se resumiu em conseguir um lugar ao sol; em se situar, de qualquer modo, nos quadros da vida criados arbitrariamente; em se incorporar no curso de uma corrente qualquer, fosse qual fosse; em se deixar levar de olhos fechados pela grandeza das coisas que tudo sufocavam…

Objetivou-se o destino de uma classe, de um partido, de uma política; nunca, porém, o destino do homem. Apenas fragmentos deste — os mais ponderáveis e efêmeros — integraram-se no curso de suas realizações. O seu subs tratum básico e profundo ficou esquecido. Esquecido e incompreendido.

A crise atual do mundo:

Por causa de tudo isso, vivemos hoje num mundo caótico e sofredor. Tudo avança com a tecnologia — menos o homem. Este continua a vêr as coisas correrem, não sabe para onde…

As atuais formas de existência ainda não correspondem a todas as aspirações da natureza humana.

“Para mim — escreve o saudoso Ronald de Carvalho — o homem de após-guerra, seja ele Morand ou Cocteau, distingue-se pelo horror da unidade ou construção. O filho da trincheira é um ser em desagregação permanente. O espetáculo da hecatombe desmoraliza o sentimento da morte, como fator individual, como aspiração à eternidade. O espectador da hecatombe perde o respeito ao homem, como alma livre e, ao mesmo tempo, elo invisível que nos prende ao Criador. Apossase dele uma angústia irremediável: a angústia do efêmero. O ritmo da matéria domina-lhe a inteligência. O contacto com o primado da força transforma-o num puro instintivo.

A ideia de continuidade, geradora do aperfeiçoamento moral, a noção de profundez, que é dom singular da criatura, em suma, os fermentos mais ativos da comunhão humana desaparecem do campo de sua conciência. Em lugar do homem, do semelhante que se prolonga em nós por um sem número de raízes e afinidades, reponta o autômato cruel, que a disciplinaconverte num resíduo, num corpo dominado pelas reações nervosas e musculares. Todos os sentidos desse corpo se reduzem, afinal, a uma contração atenta dos ouvidos e dos olhos. É um instrumento sujeito às vibrações de um diapasão de sinos sonoros e luminosos. Sua vida ajusta-se à cadência intermitente de apitos e clarões. A técnica do maquinismo acaba por deformar a sua volição. Seus membros aderem ao volume mecânico. O fuzil completa-lhe o braço. A mão articula-se à bomba. O rosto aplica-se à máscara. O filho da trincheira é um enxerto de carnes e metais. Sua finalidade, em síntese, é a da própria máquina: o movimento”.
Vimos da guerra. Da guerra vieram nossos avós. Na guerra estamos. A máquina impulsionou o materialismo, o estatismo. Daí a falência do espiritual, da unidade, do fim superior.

O resultado foi o crescimento das coisas e a diminuição do homem. Submersos os valores eternos, na onda de um utilitarismo vitorioso, surgiram, com a desorganização oriunda da quebra de uma hierarquia natural e indispensável, os grandes males.
E aquele que deveria estar à frente dos acontecimentos, buscando-lhes rumos certos, metas definidas — o homem — lá ficou para trás, afogado em sua sombra…

Waldo Frank compreendeu bem, ao nosso ver, a razão profunda da dolorosa realidade contemporânea, quando escreveu:

“Sentimo-nos desesperados, porquê perdemos o domínio que vem da experiência da unidade e da totalidade. Sentimo-nos desesperados porquê estamos num caos.

Vivemos de atos, desejos e pensamentos fragmentários. Literalmente, a forma da nossa vida está se decompondo. E isso significa a morte”.

Tristão de Ataíde, comentando o trecho de Frank, com quem não concorda, admite, contudo, que no século XX, “se domina a diversidade, é que ela é que possue a superioridade em forças sociais, e, portanto, faz calar, por mil meios, as vozes da unidade”.

É preciso, pois, voltar ao homem, reconduzí-lo à unidade e à totalidade de si mesmo. Pareceque aí está a nossa magna tarefa.

Os fins humanos do Estado Novo no Brasil

E é possível que essa tarefa se complete no Brasil.
Temos hoje um Estado Novo — novo, realmente, em suas formas, em sua estrutura, em seus fins. Um Estado que, fora do liberalismo caduco, visa a objetivos certos, através de métodos de governo definidos; mas que, também, longe de certos tipos de Estado modernos, não quer de modo algum a estatização do homem, a subordinação da pessoa humana a fins meramente políticos.
Muito pelo contrário.

Os fins do Estado Novo são fins de humanização. O atual regime político do Brasil busca a humanização do Estado. O Estado Brasileiro existe para o homem — objeto último de suas cegitações. Ele é um meio de organização nacional, é a expressão jurídica e política de um povo que, finalmente, se encontrou a si próprio.
O Estado Novo Brasileiro existe como expressão objetiva de uma filosofia. Não de uma filosofia bizantina, acadêmica, formalística; porém de uma filosofia sadia e construtora, que é vida; de uma filosofia de caminhos certos, de rumos definidos.
Filosofia integral, compreen dendo a multiplicidade das manifestações vitais de uma nação, a filosofia de que nasceu o Estado Novo — e que o integra e dirige — é toda uma concepção ousada, mas firme, substanciosa e profun da, de um povo que se descobriu, que afinal se compreendeu a si mesmo e que caminha agora, metódica e seguramente, para um fim pré-estabelecido.
As raízes dessa filosofia estão na nossa história. A compreensão do Brasil, a explicação de sua vida, a procura de sua alma, a determinação do seu destino— eis os fundamentos da filosofia que orienta o Estado Novo.

A obra criadora de Getúlio Vargas:

O milagre de Getúlio Vargas foi ter levantado, no Brasil, esse mundo novo, que adquire conciência de si mesmo.
Já possuímos hoje uma política, que tem os seus planos, os seus métodos, os seus objetivos próprios.

Forças latentes e poderosas da nacionalidade foram reveladas. Forças antigas, que se dispersavam sem direção, perdendo-se —encontraram agora o seu curso natural. Nossa história adquiriu sentido mais nítido.
O Estado integrou-se na vida popular, humanizou-se, fortale ceu-se no seu verdadeiro papel de organização diretora dos destinos dos povos.

A administração pública deixou de ser simples motivo de compensações partidárias, para transformar-se em órgão impessoal de renovação nacional.

A economia brasileira passou a assentar num plano geral de aperfeiçoamento de todos os valores, dirigindo-se para garantir a prosperidade real e definitiva da nação.

E as Forças Armadas, já convenientemente equipadas, disciplinadas e moralizadas, com o senso das responsabilidades bem delineado, são penhores seguros da efetivação desse Ideal-em-marcha, que é o Brasil Novo.

O pensamento moderno procura ser mais realista:

“Os princípios da Revolução Francesa — escreve Alexis Carrel — as visões de Marx e Lenine, só se aplicam a homens abstratos. É preciso reconhecer com clareza que as leis das relações humanas permanecem desconhecidas. A sociologia e a economia não são mais do que ciências conjecturais”.

Observa, por sua vez, Oswald Spengler que, para compreender o homem e o seu destino “é preciso considerar comparativamente todas as esferas da sua atuação ao mesmo tempo e não cometer o erro de partir exclusivamente da política, da religião ou da arte, para iluminar aspectos parti culares da sua existência, pensando-se que, com isso, se desçobre o homem todo”.

Ao nosso ver, são lapidares e profundas estas palavras do admirável Unamuno:

“Ni lo humano, ni la humanidad, ni el adjetivo simple, ni el adjetivo sustantivado, sino el sustantivo concreto: el hombre. El hombre de car-ne y hueso, el que nace, sufre e muere — sobre todo muere — el que come y bebe y juega y piensa y quiere, el hombre que se vè y a quien se oye, el hermano, el verdadero hermano. Porque hay otra cosa, que llaman tambien hombre, y es el sujeto de no poças divagaciones más o menos cientificas. Y es el bipede implume de la leyenda, el animal politico de Aristóteles, el contratante social de Rousseau, el hoino economicus de los manchesterianos, el homo sapiens de Lineo, o, si se quiere, el mamífero vertical. Un hombre no es de aqui o de ali, ni de esta época o de la otra, que notiene ni sexo ni patria, una idéa, enfin. Es decir, um no hombre”.

Essas palavras do pensador espanhol mostram a atitude falsa do homem, diante da sua imagem deformada e da deformada imagem do mundo que ele próprio criou. E, ao mesmo tempo, sugerem uma direção.

Com efeito, ainda não se tentou, até hoje, objetivar as necessidades totais do homem. Do homem que precisa, para ser homem, desenvolver plenamente todas as suas faculdades; do homem que precisa, ao mesmo tempo, da lei, do pão, da higiene, do trabalho, do esporte, da religião, da arte, do amor, de Deus.

Felizmente, porém, a filosofia moderna já vai procurando see mais realista, integrar-se na vida.
Heinz Heimsoeth, em A Filosofiano Século XX, vê no pensamento dos filósofos contemporâneos tendências capazes de levar as coisas a bom têrmo — posto que eles falam, promissoramente, de uma ntegração do homem em seu verdadeiro destino. “A reflexão transcendental dq conciência procura, assim, o seu aprofundamento e fundamentação, cada vez mais, numa filosofia da vida” — desde Dilthey até Heiddeger. As preocupações humanas em torno do Cogito cartesiano voltam-se radicalmente, de todos os lados, para o vivo.

O esquadrinhamento dos modos possíveis da nossa conduta e da organização fundamental que deve ser dada à vida humana — domina decisivamente a reflexão filosófica, observa Heinz Heimsoeth. Essa observação vale, ao menos, por umagrande esperança…

O Estado Novo e o Homem Novo:

Da crise do mundo, dessa nova filosofia da vida, vai nascer o homem novo. No Brasil, especialmente, há hoje condições propícias ao seu advento.

Temos um Estado Novo, criação natural e profunda — se o encararmos em suas relações com esse homem novo que Keyserling e Jinarajadasa entreviram magestoso, nos horizontes futuros desta parte do planeta.

Voltemo-nos, pois, para nós mesmos, procuremos compreender-nos. Demos à vida um sentido heroico. Encaminhemo-nos em todas as direções e incluamos todos os rumos num só sentido.

Essa a nossa grande tarefa.

Ajudam-nos os traços constituivos do nosso caráter: temos linhas de todos os povos e não nos confundimos com nenhum. É possível que surja, no Brasil, o homem novo, e, com ele, uma idade nova. Os acontecimentos, entre nós, têm acompanhado a marcha do sol; e êste, agora, já começa a iluminar-nos… O Estado Novo Brasileiro vale mais pelo que significa do que pelo que é na engenhosidade de suas fórmulas jurídicas.

Procuremos ir além da superfície; a eternidade está naquilo que é, e nãona temporariedade de suas mani festações políticas e sociais.

O atual regime político brasileiro tem um conteúdo vasto e profundo, que só alguns raros espíritos têm percebido. Através das fórmulas políticas o que se quer é atingir a própria alma nacional. Há algo de formidável a se formar nas entranhas do organismo político nacional vigente. Tentemos descer até o abismo, integrar-nos nesse mundo soberbo, dirigir a riqueza imensa de que está nele impregnado. É o homem novo, que vai surgir como Estado Novo.

Obras consultadas para a elaboração dêste artigo:

HEINZ HEMSOETH, A Filosofia no Século XX;

M. UNAMUNO, Del sentimiento trágico de
la vida;

ALEXIS CARREL, O Homem, êsse Desconhecido;

OSWALD SPENGLER, El hombre y la técnica;

TRISTAO DE ATAÍDE, Estudos,

NICOLAU BERDIAEFF, Uma nova Idade Média;

RONALD DE CARVALHO, Caderno de imagens da Europa;

J. ORTEGA Y GASSET, La rebelión de Ias masas;

J. MARITAIN, Réflexions sur 1’intelligence;

TRISTAO DE ATAÍDE, Problemas da Burguezia;

VIANA MOOG, Heróis da decadência; e outras

Imagem padrão
Guilherme Teixeira
Artigos: 26

Deixar uma resposta