A Operação Militar Especial russa na Ucrânia descortinou o conflito aberto contra o espectro da civilização Ocidental. Diante desse movimento, surge a abertura para a reforma total, a emergência do Logos civilizacional. Mas para isso, não basta uma vitória militar, é preciso expurgar o mal pela raiz, com uma filosofia autêntica, uma filosofia vencedora.
A Rússia deve logicamente passar por significativas reformas internas. Isso é causado pela Operação Militar Especial que, no limite, agravou as contradições em relação ao Ocidente — com toda a civilização Ocidental. Hoje, todos podem ver que não é mais seguro simplesmente lançar uso das normas, métodos, conceitos e produtos dela. O Ocidente espalha sua ideologia lado a lado com a tecnologia, permeando todas as esferas da vida. Se nos reconhecermos como parte da civilização Ocidental, devemos voluntariamente aceitar essa colonização e até estimá-la (como nos anos 90), mas no caso do confronto atual — que é fatal! — essa atitude é inaceitável. Muitos ocidentais e liberais estão cientes disto e saíram da Rússia no exato momento de irreversibilidade da quebra com o Ocidente; 24 de fevereiro de 2022, mesmo dois dias antes — quando reconhecemos a independência das Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk — em 22 de fevereiro.
A princípio, todos tem o direito de fazer uma escolha civilizada entre lealdade e traição. O liberalismo está perdendo na Rússia e os liberais consistentemente se vão. É mais complicado para os que ainda estão aqui. Refiro-me aos Ocidentais e liberais que ainda compartilham das normas básicas Ocidentais modernas, mas por alguma razão permanecem na Rússia, apesar do abismo formado entre Rússia e Ocidente; eles são o principal obstáculo para reformas genuínas e significativamente patrióticas.
Reformas são inevitáveis porque a Rússia não apenas rompeu com o Ocidente como também está essencialmente em guerra contra ele. Nas vésperas da Grande Guerra Patriótica, a URSS possuía um número suficiente de importantes e estratégicas empresas criadas pela Alemanha nazista e as relações entre a URSS e o Terceiro Reich não eram particularmente hostis; mas depois de 22 de junho de 1945, a situação mudou radicalmente. Sob essas circunstâncias, a continuidade das cooperações com os alemães — legítimas e encorajadas no pré-guerra — tomaram um novo sentido. O mesmo aconteceu em 22 de fevereiro deste ano: aqueles que seguem sob o paradigma da civilização — liberal-fascista — hostil contra a qual lutamos, se encontraram fora do espaço ideológico que claramente emergira no início da Segunda Guerra Mundial.
Nesse meio tempo, a presença alemã na URSS às vésperas da SGM foi identificada, enquanto a presença do Ocidente Russofóbico liberal-fascista na véspera da operação militar era quase total. Tecnologias metodológicas, normas, conhecimento prático e, até um certo ponto, valores Ocidentais permeiam toda a nossa sociedade. Isso requer uma reforma total. Mas quem a realizará? O povo formado durante a perestroika? Os anos 90 liberais e criminosos? As pessoas dos anos 80 e 90 formados e educados nos anos 2000? Todos esses períodos foram fundamentalmente influenciados pelo liberalismo como ideologia, paradigma, posição fundamental e global da filosofia, ciência, política, educação, cultura, tecnologia, economia, mídia, até a moda e vida cotidiana. A Rússia contemporânea só conhece os vestígios inertes do paradigma soviética e todo o resto é Ocidentalismo liberal puro.
Simplesmente, não há paradigma alternativo, pelo menos no poder ou entre as elites, no nível em que o atual confronto de civilizações deveria ocorrer.
Hoje nós nos opomos ao Ocidente enquanto civilização contra ‘a’ civilização, e precisamos delinear que tipo de civilização nós somos, ou nenhum sucesso militar, político e econômico nos ajudará e tudo será reversível, a tendência mudará e tudo colapsará. Não falo da necessidade de explicar aos ucranianos que de agora em diante estarão dentro da nossa zona de influência ou diretamente na Rússia, quem somos nós, afinal? No momento só há uma inércia da memória soviética (‘a vovó com a bandeira’), propaganda nazista Ocidental (‘vatniki’, ‘ocupação’), nosso sucesso — inicial — militar e… a completa confusão da população local. Aqui deveria ser ouvida a voz da civilização russa. Clara, distinta, convincente, capaz de ser escutada na Ucrânia, Eurásia e no mundo. Isso não é apenas desejável, é vital, assim como a munição, mísseis, helicópteros e coletes são necessários no front.
O local mais lógico para iniciar reformas é na filosofia. É necessária formar a base do Logos russo, seja sobre a base de uma instituição existente (afinal, hoje nenhuma instituição humanitária faz, pode ou fará isso — liberalismo e ocidentalismo englobam tudo), ou na forma de algo fundamentalmente novo. Hegel disse que a grandeza da nação começa na criação de uma grande filosofia. Ele disse e o fez. Isso é exatamente o que os filósofos russos precisam hoje, não uma concordância vaga e distante com a OMP. Precisamos de uma filosofia russa. Rússia em conteúdo, em essência.
Assim, a reforma de todas as outras cepas de conhecimento humanitário e ciências naturais começará sob este paradigma. Sociologia, psicologia, antropologia, culturologia, assim como economia e até física, química, biologia, etc., se baseiam na filosofia, derivam dela. Cientistas seguidamente esquecem disto, mas atentem para o sinônimo Ocidental PhD: toda e qualquer ciência humana e natural! — Ph. D — Doutor filósofo. Se você não é um filósofo, será no máximo um aprendiz, não um cientista (doutor é a referência latina para ‘estudioso’, ‘erudito’).
É aqui que ocorrerá a batalha infernal mais importante pela iniciação de reformas civilizatórias da própria Rússia (assim como em todo o espaço de expansão, de influência): a batalha pela filosofia Russa.
Aqui temos um polo claramente modelado do inimigo interno. Esses são os representantes do paradigma liberal, da filosofia analítica ao pós-modernismo e até cognitivistas e transumanistas, que de modo maníaco insistem em reduzir o homem à máquina. Não falo sequer de liberais e progressistas, advogados do totalitarismo da ‘sociedade aberta’, feminismo, teoria queer e cultura queer, criados sob as bolsas de fraternidades. Isso é a ‘quinta coluna’, algo semelhante ao batalhão Azov banido na Rússia.
O retrato do inimigo filosófico da Ideia Russa, nossa civilização, é facilmente rastreável. Não é simplesmente uma rede com os centros Ocidentais científicos e de inteligência (que seguidamente são conceitos próximos), mas também a aderência a certas atitudes formalizáveis:
- crença na universalidade da civilização moderna Ocidental (eurocentrismo, racismo civilizacional),
- híper-materialismo, através de ecologia profunda e ontologia orientada ao objeto,
- individualismo metodológico e ético — vide ideologia de gênero (como opção social) e, no limite, transumanismo,
- tecno-progressismo, desenvolvimento de inteligência artificial e redes neurais ‘conscientes’,
- ódio pela teologia clássica, tradição espiritual e filosofia da eternidade,
- negação ou paródia identitária,
- anti-essencialismo, etc.
É um tipo de ‘Ucrânia filosófica’, espalhada por quase todas as instituições científicas e acadêmicas que possuam qualquer relação com filosofia ou epistemes científicas básicas. Estes são sinais da russofobia filosófica, já que a Ideia Russa é construída sobre a base de princípios diretamente opostos:
- a identidade da civilização russa (eslavófilos, danilovistas, eurasianos),
- Espírito antes da matéria,
- comunalidade, colegialidade — uma antropologia coletivista,
- humanismo profundo,
- devoção à tradição,
- preservação cuidadosa da identidade e nacionalidade,
- crença na natureza espiritual da essência de todas as coisas, etc.
Aqueles que ditam o tom da filosofia russa contemporânea veementemente defendem atitudes liberais enquanto veementemente rejeitam as russas. Esse é o poderoso bastião do nazismo liberal na Rússia.
É esse ponto da faixa marginal inimiga que deve ser conquistado na próxima fase, e os nazistas liberais se defendem contra a filosofia com a mesma ferocidade de Azov ou os terroristas ucranianos desesperados em Popasna. Eles travam batalhas informacionais, escrevem denúncias antipatrióticas e usam todo tipo de mecanismo corrupto e influência.
Agora é apropriado contar uma pequena história — pessoal, mas reveladora — sobre minha dispensa da Universidade Estatal de Moscou no verão de 2014 (notem a data) [em 2014, Alexander Dugin foi removido de seu cargo na UEM no momento em que fracassava a “primavera russa” no Donbass]. De 2008 a 2014, dentro do departamento de Sociologia da UEM, ao lado do reitor e fundador do departamento, Vladimir Ivanovich Dobrenkov, organizamos um Centro de Estudos Conservadores bastante ativo, onde lidamos precisamente com isso: o desenvolvimento de um paradigma epistemológico para a civilização russa. Não hesitamos em apoiar a Primavera Russa. A resposta, no entanto, foi uma mordaz petição de filósofos ucranianos (promovidos pelo nazista de Kiev, Sergey Datsyuk) clamando pela “minha expulsão e de Dobrenkov da UEM”, a coisa mais estranha — mas naquele momento nem tão estranha — é que a direção da universidade fez exatamente isso. Dobrenkov foi removido da reitoria e eu, francamente, sai por conta própria, embora soasse como uma demissão. Foi-me oferecido um acordo para ficar, mas sob condições humilhantes. É claro que não foi Sadovnichy, que antes tinha sido bastante cortês e aberto, aprovando minha nomeação como chefe do departamento, passando por todos os procedimentos de votação do Conselho Acadêmico da UEM. Mas então algo aconteceu: a Primavera Russa sofreu um atraso e a questão do mundo russo, da civilização russa e do Logos russo, foi completamente removida da agenda: no entanto, isso é simbólico: os promotores da abolição de nosso Centro de Estudos Conservadores na UEM eram nacionalistas ucranianos, teoristas e praticantes do genocídio russo no Donbass e todo o leste ucraniano, exatamente contra quem lutamos agora.
É assim que nacionalismo liberal penetrou na Rússia. Melhor, ele penetrou há muito tempo, mas é assim que o mecanismo funciona. Uma reclamação vem de Kiev, alguém dentro da administração a apoia e outra iniciativa pelo desenvolvimento da Ideia Russa colapsa. É claro, você não pode me parar: ao longo dos anos, escrevi 24 volumes da ‘Noomaquia’, os últimos três dedicados ao Logos russo, mas a institucionalização da Ideia Russa foi atrasada outra vez. Meu exemplo é claro, não é isolado. Algo similar é experimentado por todos ou a maioria dos pensadores e teoristas dedicados a justificar a identidade da civilização russa. É uma guerra filosófica, uma feroz e bem organiza oposição à Ideia Russa, supervisionada de longe, mas executada por liberais locais ou meros funcionários que passivamente seguem modas, tendências e uma estratégica bem organizada de agentes diretos de influência.
Agora chegamos no momento em que a institucionalização do discurso russo é necessário. Todos percebem em nossa guerra informacional como controláveis e manipuláveis são as disposições e processos da sociedade. Os embates mais sérios ocorrem no nível de paradigmas e epistemes. Aquele que controla o conhecimento, escreveu Michel Foucault, detém o pode real. Poder real é o poder sobre a mente e a alma das pessoas.
A filosofia é a linha de frente mais importante, cujas consequências são muito maiores que as notícias que nos chegam desde a Ucrânia, que cada russo busca ansiosamente ao se perguntar sobre o estado dos soldados, quais linhas foram tomadas ou se o inimigo vacilou. Eis o principal obstáculo para nossa vitória.
Precisamos de uma filosofia da vitória. Sem ela tudo será em vão e nosso sucesso tornar-se-á em uma derrota.
Toda verdadeira reforma deve iniciar no reino do Espírito. E já que as notícias do front devem ser procuradas nas notícias — bem, e quanto ao Instituto de Filosofia? Ainda de pé? Será que já se rendeu?
Fonte: Geopolitika.ru
Tradução: Augusto Fleck