As crianças deixam o ensino básico sem saber ler e escrever corretamente e com uma compreensão de textos deficiente. Ana Borzone, especialista do CONICET (Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas), acusa o método global de alfabetização ou psicogênese da língua escrita por esse fracasso escolar já evidente.
Por Claudia Peiró
Quando se fala em crise escolar, quase sempre são trazidos à tona motivos econômicos – verbas insuficientes, piora da situação econômica, pobreza etc. – mas Ana Borzone, principal investigadora do CONICET, que há décadas coordena equipes que estudam os métodos de leitura e escrita, aponta para um motivo ideológico: a psicogênese da língua escrita, o método global, a crença de que a criança aprende sozinha, por intuição, por tentativa e erro, e que o professor é apenas um mediador. Essas teorias são tão amplamente aplicadas quanto fracassadas.
O problema, explica Borzone, é que a reação das burocracias ministeriais é a de dissimular o fracasso com medidas como reunir os três primeiros anos de aprendizado em um só ciclo e proibir a repetência. O ensino intensivo da leitura e escrita nos primeiros meses de escolaridade foi abandonado. As consequências são dramáticas e são sentidas durante todo o ensino fundamental. “Trata-se de uma grandiosa fraude”, sustenta Borzone. “Se as crianças não aprendem é porque se instaurou nos ministérios uma linha ideológica que proíbe o ensino sistemático da leitura e da escrita”.
Nessa conversa com a Infobae, a especialista também afirma que, com o método tradicional, que engrandeceu nossas escolas, todas as crianças podem aprender a ler, escrever e compreender textos no primeiro ano[1], inclusive em contextos vulneráveis, como em meios rurais, bairros de baixa renda ou escolas bilíngues dos qom (grupo indígena da Argentina); todos os ambientes em que trabalhou e confirmou sua teoria.
IB: Nos últimos anos, tem-se observado frequentemente que as crianças terminam o ensino básico sem saber ler e escrever corretamente? Qual é o motivo?
AB: Em geral, temos boas informações sobre as consequências da crise da educação, mas não se fala das causas. A consequência é que as crianças terminam o ensino básico sem ler nem escrever e sem compreender textos. Isso acontece há vários anos. Então, o que precisamos analisar são as causas, e é isso o que temos feito enquanto equipe de investigação do CONICET e de distintas universidades nacionais. A causa da grande tragédia educacional e do fracasso escolar que temos em nosso sistema educativo tem nome e sobrenome: “psicogênese da língua escrita”. Esta é uma proposta de ensino da leitura e da escrita que se estabeleceu através de um discurso ideológico no sistema educativo no final da década de 80 e se consolidou na década de 90. Qual é a proposta da psicogênese? Que as crianças, assim como aprendem a falar por imersão, pelo contato com outros falantes, vão aprender a ler e a escrever por imersão na escrita.
IB: Por que essa proposta é errada?
AB: Ambas as hipóteses estão erradas. Primeiro, é verdade que a fala, a linguagem, tem uma base biológica e que todas as crianças vão aprender a falar, salvo certas exceções. No entanto, a oralidade também precisa ser ensinada. Em outras palavras, já partimos de uma premissa falsa. É preciso ensinar vocabulário, ensinar os diferentes gêneros discursivos. As crianças precisam aprender a descrever, a explicar e a argumentar, porque se não lhes ensinarmos, não aprendem. Além disso, é preciso ensinar a compreender textos oralmente e a produzir textos orais. Por outro lado, a escrita é uma invenção cultural, não se pode reinventá-la porque já está inventada. O que defende a psicogênese é que as crianças devem descobrir – é a aprendizagem por descobrimento que já há anos tem sido questionada como metodologia de ensino. O grave problema é que desse método surge uma metodologia de ensino do sistema de escrita.
IB: Como a escrita deve ser ensinada?
AB: O sistema de escrita consiste em dominar as correspondências som-letra e poder ler e escrever palavras. A psicogênese propõe um método global para esse tipo de ensino e proíbe o ensino sistemático de correspondências e o desenvolvimento da consciência fonológica.
IB: Seria o antigo método silábico ou letra por letra como se aprendia antes?
AB: Não, não é o silábico. É o método fônico tradicional, mas com uma mudança, uma mudança que, veja que interessante, e quero aqui ressaltar isso porque os promotores da psicogênese se consideram progressistas porque não ensinam a ler a escrever e esperam que a criança aprenda sozinha. A grande mudança foi apresentada por um investigador soviético, (Daniel Borisovich) El Konin, quando propôs, na década de 60, uma mudança que melhorou o método fônico, que é a linha que nós seguimos, a linha que foi adotada em Cuba por exemplo, e por isso as crianças cubanas aprendem a ler e a escrever e as argentinas não. Então, primeiro é desenvolvida a consciência fonológica, ou seja, as crianças tomam consciência de que as palavras são compostas de sons, depois se introduzem as letras e são estabelecidas as correspondências. Dessa maneira, por esse caminho, aprendem a ler e a escrever.
IB: Como funciona o método global na prática? Entrega-se às crianças, por exemplo, uma palavra, um texto e eles precisam deduzir?
AB: Claro, eles precisam inventar. Devem adivinhar o que diz. Precisam adivinhar a palavra por seu comprimento ou pela ilustração que possa ter o texto. E o modelo tomado pela psicogênese é chamado precisamente de “leitura, um jogo psicolinguístico de adivinhações”. Ao invés de ler, a criança deve adivinhar. Deixou-se de ensinar a ler e a escrever e então as crianças não aprenderam em tempo hábil como aprendiam na escola pública de excelência que tínhamos. Como as crianças não aprendiam, a grande manobra que fizeram – a primeira grande manobra -, foi agrupar os três primeiros anos e aprová-las automaticamente.
IB: Quando foi estabelecido que não se poderia repetir o primeiro ano, o argumento foi que a criança demora dois anos para aprender a ler e escrever.
AB: Aprender a ler e escrever em espanhol demora quatro meses. Dominar o sistema de escrita, com a metodologia adequada, leva de quatro a seis meses. Não mais do que isso. Em razão de sua ortografia e fonética, o espanhol é uma língua muito fácil de aprender a ler e escrever. Então, a unidade pedagógica, promovendo-as automaticamente, foi a primeira enganação que o sistema educacional impôs às crianças e aos professores. Porque os professores, que de fato conseguiam fazer com que as crianças lessem e escrevessem, foram proibidos de ensinar. Os professores também foram enganados. Eles não foram ensinados a ensinar corretamente. A Argentina mantém um sistema de ensino do sistema de escrita e da compreensão que já foi abandonado pelo resto do mundo. Não é utilizado em nenhum país da América Latina.
IB: Da América Latina…
AB: Em nenhum país do mundo. Quando esse método começou a falhar na França, por exemplo, saíam artigos nos jornais que diziam que as escolas haviam se transformado em uma fábrica de disléxicos. As escolas argentinas são hoje fábricas de disléxicos. Por quê? Os disléxicos têm um problema real: não podem desenvolver consciência fonológica e têm dificuldade de aprender as correspondências. Nesse caso, como as correspondências não são ensinadas, as crianças tem o desempenho de disléxicos.
IB: E o que isso significa na prática?
AB: Que não conseguem ler as palavras, que tentam adivinhá-las e que se confundem. Fui chamada por hospitais como o Gutiérrez ou o Fernández da cidade de Buenos Aires porque recebem muitas crianças com diagnóstico de dislexia. Agora, a não ser que haja alguma maldição sobre a Argentina, não podem existir tantas crianças disléxicas. O que ocorre é que, de fato, nossas escolas são fábricas de disléxicos.
IB: Isso é reversível?
AB: É reversível. O problema é que isso já deixa uma marca, afinal o trabalho não foi realizado no tempo devido. Precisamos pensar na plasticidade cerebral e no que é ensinado a fim de reverter um ensino ruim que já desenvolveu estratégias errôneas de leitura e escrita – essas estratégias errôneas tornaram-se conexões neurais, elas já são padrões neurais. Então, para que essa criança que teve um ensino ruim da escrita e da leitura possa aprender é preciso fazer um esforço muito grande, pois o sistema educacional não ensina mais em tempo hábil, da forma que fez com que a escola argentina alcançasse a excelência. Com o professor Luis Iglesiais, na década de 50, numa escola rural perdida em La Pampa,crianças de 11 anos liam Julio Verne. E hoje, as crianças conseguem ler Julio Verne? Hoje as crianças não conseguem ler nem compreender nada. Precisamos analisar as causas, e todos nós que trabalhamos leitura nas universidades nacionais, no CONICET e em outros centros de investigação do país, estamos de acordo que a causa do fracasso de nossas crianças, que tem consequências sociais gravíssimas, é que elas não são ensinadas a ler e a escrever…
IB: Você enfatiza a importância desse aprendizado, porque ler e escrever não são banalidades, mas sim ferramentas definitivas. Quem não sabe ler ou não entende o que lê não pode estudar.
AB: Não consegue aprender. Nossas crianças não aprendem nada, porque não sabem ler. A língua é o instrumento para a aprendizagem, para toda a aprendizagem. As crianças não podem aprender tudo através da experiência direta, “bom, agora vamos levá-los ao Polo Norte para que vejam como é o Polo Norte”. Não. Elas aprendem através da língua. Então, se possuem um vocabulário paupérrimo, porque a psicogênese não ensina vocabulário nem estratégias de compreensão, não podem compreender os textos, e o primeiro passo para aprender qualquer conteúdo de qualquer matéria é poder compreender. Se não lhes for ensinado o processo de compreensão, não serão capazes de compreender o texto e não poderão aprender com os textos. Em outras palavras, está se formando uma bola de neve, que vai ficando maior, e as crianças estão sofrendo cada vez mais com o retrocesso linguístico e cognitivo.
IB: Você disse que o método global não é mais utilizado. Por quê?
AB: Em 1967 foi publicado um livro, de Jeanne Chall, uma investigadora, que passou seis ou sete anos estudando, comparando e avaliando crianças que aprendiam com um método global como a psicogênese e crianças que aprendiam com o método fônico. O resultado foi que o método global produzia graves atrasos na aprendizagem e por isso foi abandonado. Essa metodologia chega à Argentina através de um pseudoprogressismo que sustenta que as crianças precisam aprender sozinhas, que devem aprender descobrindo por si próprias o significado das palavras de um texto. Não, as crianças não podem inferir o significado de uma palavra que não conhecem. O professor deve ensiná-las o significado da palavra.
IB: Daí vem o costume de não lhes corrigir os erros de ortografia, para não tolher sua liberdade…
AB: Claro. É tudo um discurso político, e não científico e acadêmico. É grave que o sistema educacional não se sustente na ciência, que não seja um terreno científico. Porque, além disso, é uma área que está desenvolvendo cérebros, está trabalhando com crianças cujo futuro depende da educação. O ex-presidente do Uruguai, José Mujica, dizia que essas crianças não serão exploradas; essas crianças que não compreendem textos serão dispensáveis. A escola está gerando milhares de crianças dispensáveis para a sociedade. Isso é grave.
IB: Em 2012, quando Alberto Sileoni anunciou que o primeiro ano não reprovaria mais porque, segundo ele, as crianças levavam dois anos para aprender a ler e escrever, disse que os principais beneficiados por essa política seriam as crianças mais carentes. Essas crianças foram subestimadas: acreditam que por serem pobres, as crianças não podem aprender a ler e escrever em tempo hábil, então acabam sendo condenadas à marginalidade perpétua…
AB: Exatamente. O que acontece é que eles fazem “manobras”. Escondem os erros, não os reconhecem e os encobrem com engodos. Com esse engodo de não reprovar, agora vieram com essa nova fraude do segundo ano. São manobras do sistema. Eu comecei a trabalhar nos anos 80 com um grupo de crianças de cinco anos de um bairro de baixa renda. Aprenderam a ler e escrever com cinco anos. Eram crianças do setor mais vulnerável, mais vulnerável ainda que as de setores rurais. Então fomos trabalhar nos territórios rurais e todas as crianças aprendiam a ler e a escrever no primeiro ano. Trabalhamos em escolhas bilíngues espanhol-qom, escolas tobas. Existe mais marginalização do que no Chaco e nas escolas toba? E as crianças, no final do primeiro ano, liam a escreviam em sua língua qom e em espanhol. Temos todos os dados para demonstrar que isso é uma grande fraude e que se as crianças não aprendem é porque se estabeleceu nos Ministérios uma espécie de linha ideológica que proíbe o ensino sistemático da leitura e escrita. Vai contra a ciência e tudo que se investigou nos últimos 50 anos.
IB: Você encontrou receptividade em algum político, em alguma autoridade, para mudar isso?
AB: Felizmente, antes de assumir como governador (de Mendoza), Alfredo Cornejo disse que o objetivo de sua gestão era que as crianças aprendessem a ler e escrever. E convocou cientistas, e não os amigos e conhecidos. Ele me convocou porque faz mais de 50 anos que estudo esse tema e minha pesquisa demonstra que todas as crianças aprendem a ler e escrever no primeiro ano. Adotaram essa proposta em 2016: desde o jardim de infância as crianças são introduzidas no processo de alfabetização, a aprender a ler e a escrever, e continuam no primeiro ano. Milhares de professores estão se capacitando em Mendoza. Também temos dados a respeito dos resultados de nossa proposta no ensino virtual. Com os materiais adequados e com capacitação docente, as crianças aprenderam a ler e a escrever apesar da virtualidade. Ao final do primeiro ano podem: escrever pequenos textos por conta própria, de maneira independente, sem erros ortográficos, porque desde o início a ortografia é ensinada; ler sozinhas e contestar por escrito perguntas de compreensão de um texto. Isso está pesquisado, avaliado e os dados estão disponíveis – inclusive, nós os apresentamos no ano passado em um congresso de ciências cognitivas no Uruguai e mostramos como as crianças podem alcançar esse nível. Um nível que todas as crianças em nosso país podem e devem alcançar.
IB: Há algumas práticas que, por causa da psicogênese, foram também banidas, como a leitura em voz alta e a memorização. O que você pensa sobre isso?
AB: A leitura em voz alta é fundamental no início da escolarização. As crianças precisam ler em voz alta no começo porque quando o fazem estão articulando as palavras, e essa articulação as ajuda a lembrar as palavras e a estabelecer relações, porque compreender é estabelecer relações entre as palavras, fazer inferências. Além disso, porque a criança tem que ler com prosódia, ou seja, fazer a leitura com a entonação correta.
IB: As pausas…
AB: As pausas. Bem, porque foi proibida a leitura em voz alta? Porque a criança sentia vergonhha. É claro, porque ninguém a tinha ensinado a ler e lhe pediam algo que não sabia. Consideremos a situação didática para que a criança não se sinta mal lendo em voz alta. Façamos como se fosse um jogo: vamos brincar de rádio, por exemplo. Em nosso programa Queremos Aprender temos uma proposta de alfabetização de desenvolvimento integral para a alfabetização precoce. O avanço que os programas de alfabetização têm feito no mundo é que eles não apenas ensinam a ler e a escrever, mas também as habilidades de linguagem oral e as habilidades socioemocionais e cognitivas que sustentam e são fundamentais para toda a aprendizagem. Temos que reeducar os professores em algo mais do que “é proibido ensinar ortografia”, “é proibido ensinar vocabulário”, “as crianças têm que adivinhar”… Temos que começar a ensinar sistemática e intensivamente.
IB: E a memorização?
AB: É outra coisa fundamental. Isso não significa que vamos ensinar de cor, mas sim que vamos trabalhar com a memória porque a criança precisa reter informações. A questão é como isso deve ser feito. Vamos ensiná-las a reter informações explicando, fazendo perguntas, trabalhando os textos, ensinando-lhes as palavras que não conhecem e vamos fazer uma leitura interativa de maneira que a informação seja incorporada em sua memória. A memória é fundamental.
IB: Há coisas que é preciso saber de cor: a tabuada, o alfabeto…
AB: O alfabeto é preciso saber de memória.
IB: A tabuada se aprende de uma vez, e para sempre. Para quem não sabe a tabuada é impossível calcular. E isso é aprendido quando a memória é uma esponja, antes dos 8, 10 anos. Depois é mais difícil.
AB: É isso mesmo. Infelizmente os professores foram enganados, continuam sendo enganados e foram levados a acreditar que não podem utilizar o alfabeto e não devem ensiná-lo. Tudo é “não podem ensinar”. O resultado é que as crianças não aprendem – elas só aprendem quando são ensinadas.
IB: Há um aspecto ergonômico da escrita que também não se ensina mais. Os jovens seguram a caneta de qualquer maneira, quando a maneira correta não é uma arbitrariedade nem um autoritarismo, mas sim o estudo de qual é a forma mais fácil e confortável de segurá-la e escrever mais rápido.
AB: O que acontece é que a psicogênese, como toda ideologia, cria um inimigo. Para se posicionar e continuar se posicionando, cria um inimigo. Qual é o inimigo? O Behaviorismo. Por isso suprimiram e proibiram a prática. Mas toda aprendizagem ocorre através da prática. O que o pianista faz? Ele pratica oito horas por dia. Todos nós praticamos. Então, ao suprimir a prática, as crianças não aprendem o modo de segurar o lápis, não praticam o traçado…
IB: Os conhecidos “garranchos”…
AB: Pela falta de prática não desenvolvem coordenação motora. E para a escrita precisamos de coordenação motora. Por que é tão difícil para as crianças fazer o traçado das letras? Porque não aprenderam a fazê-lo. Em nossas pesquisas confirmamos que em três ou quatro meses, com a prática do traçado desde o jardim de infância, as crianças escrevem com uma letra cursiva muito legível e impecável. Da maneira que sempre escrevemos quando nossa escola pública era um fator de promoção social. Hoje esse é infelizmente um fator de discriminação social.
IB: De estagnação.
AB: De discriminação social, porque em comparação às crianças que vão para a escola pública, algumas em escolas privadas vão aprender melhor, mas mesmo nas privadas o ensino não é bom. Estamos gerando uma brecha educacional com graves consequências sociais. Muito graves. Dizer que essas crianças são dispensáveis, significa que não poderão ser incorporadas na sociedade, no mundo do trabalho, porque não dominaram os instrumentos básicos que são a leitura e a escrita, e o que implica de desenvolvimento neurológico dessa aprendizagem. Os analfabetos ou semianalfabetos, de acordo com a neurociência, têm outra organização cerebral e outros problemas cognitivos.
IB: E em relação à reprovação? Por que todas essas “manobras”, a que você faz referência, são justificadas com o argumento de que repetir não serve para nada, que é muito traumático etc.
AB: Primeiro, vamos começar a ensinar de forma adequada, sistemática e intensiva. Segundo, na metade do primeiro ano as crianças são avaliadas. As crianças que estejam atrasadas vão ter um professor de recuperação que intensifica a aprendizagem de maneira que, a não ser que haja dislexia, todos chegam ao fim do primeiro ano lendo e escrevendo. Primeiro o sistema tem que mudar a maneira de ensinar a ler e a escrever. Se esta não for alterada, nada vai mudar, e os resultados vão ser cada vez piores. A Argentina, há 20 anos, só conseque regredir e ter resultados piores nas avaliações, o que implica que muitas crianças abandonam a educação básica. Eu estive com crianças que ingressaram na quarta série este ano e elas mesmas dizem que não sabem ler nem escrever.
IB: Isso é terrível.
AB: É terrivel o que está acontecendo. Estão matando gerações, porque não lhes estão dando a possibilidade de uma vida diferente. E tudo por quê? Porque se apoderaram dos Ministérios. Eles se agarraram aos Ministérios e não aceitam a mudança mesmo quando mostramos a eles os dados. A área da educação na Argentina está atuando como uma área não científica e os resultados das pesquisas não são levados em conta. Mas disfarçam dizendo que as crianças têm tempo para aprender a ler e a escrever. Elas não têm tempo. Temos um problema sério. Precisamos analisar as causas. Deixemos as consequências de lado, e sobre elas já sabemos: as crianças chegam às universidades, aos institutos e não sabem ler nem escrever. E faz anos que, quando eu faço um seminário sobre compreensão, por exemplo, os professores da educação básica ou do instituto de professorado e até da Universidade me dizem: da maneira como ensinamos as crianças a ler e a escrever, elas terminam o segundo ano sem ler nem escrever. Então é necessário ensinar-lhes a ler e a escrever depois do segundo ano. Estão com quantos anos e ainda não aprenderam a ler e escrever? Estiveram na escola por quantos anos? Foram lá para quê? Vamos deixar de lado os dados desse fracasso, vamos falar das causas. Continuamos falando do fracasso e continuamos chorando porque nossas crianças não aprendem. Por que não nos perguntamos o porquê e tratamos de solucioná-lo?
IB: O que está sendo feito é varrer para vaixo do tapete: não querem fazer provas, não querem avaliar e não querem dar notas. Dar notas é estigmatizar. Com o argumento da estigmatização, estamos tapando o sol com a peneira. Não se pode dizer que as crianças saem da escola sem aprender, porque assim estaremos ofendendo.
AB: Volto a repetir: grupos urbanos marginalizados, escolas rurais… trabalhamos durante um tempo com todas as escolas rurais de La Rioja e todas as crianças aprendiam a ler e escrever no primeiro ano. Então o programa foi encerrado – é claro! -, para ver se os meninos conseguiam começar a “pensar”. Trabalhamos também com comunidades indígenas e eles aprendiam em duas línguas a ler e a escrever. Os dados estão aí, mas eles não querem ver. Não os aceitam.
IB: É preciso continuar difundindo esses dados…
AB: Faz mais de 30 anos que luto contra isso. Não vou morrer tão frustrada graças a Mendoza. Mas é muito doloroso ver com quão pouco se pode ensinar a ler e a escrever e que, no entanto, isso não está sendo posto em prática. O que sinto, e quero encerrar com isso, é como se eu tivesse o pão em minhas mãos enquanto vejo as crianças morrerem de fome e sou proibida de dar pão a eles.
Nota do tradutor:
[1]A educação na Argentina é dividida em três fases. A primeira, a educação primária, compreende da primeira a sexta série, e é chamada Educación General Básica, ou EGB, EGB é dividida em dois estágios, chamados ciclos: EGB I: 1ª, 2ª e 3ª séries; e EGB II: 4ª, 5ª e 6ª séries. A autora se refere, portanto, ao 1º ano da EGB I.
Fonte: infobae