Aproveitando o debate suscitado pelo filme Curupira – O Demônio da Floresta, o professor Luiz Campos propõe que tópicos como o folclore brasileiro sejam, de fato, encarados como parte da espiritualidade de nosso povo e não apenas como elementos da indústria de entretenimento ou dados acadêmicos, também se contrapondo à idealização e infantilização dos espíritos da floresta.
Uma curiosa polêmica ocorreu recentemente. O filme de terror chamado Curupira – O Demônio da Floresta, causou indignação em estudiosos de cultura indígena e de uma liderança pataxó. No trailer do filme, o mítico protetor das florestas é retratado como um ser diabólico e violento. Os críticos apontam a suposta demonização das entidades espirituais nativas.
Independente da questão da qualidade do filme, que tem sua estreia hoje, 28 de outubro, essa é uma polêmica muito mais profunda e antiga do que a maioria das pessoas imagina. Na primeira menção ao Curupira, numa carta de José de Anchieta, escrita em 30 de maio de 1560, há o trecho: “É coisa sabida e pela boca de todos corre, que há certos demônios e que os brasis chamam corupira, que acometem aos índios muitas vezes no mato, dão-lhe açoites, machucam-nos e matam-nos. São testemunhas disto os nossos irmãos, que viram algumas vezes os mortos por eles”.
Além de todo o justo debate sobre o uso do termo demônio, é interessante notar que o Curupira, ao contrário do que muitos querem acreditar, não é uma criatura simpática para páginas de livros infantis. Apesar de muitas versões inofensivas retratadas na moderna cultura pop, o Curupira é sim um ser perigoso, um nume da floresta que pode sim punir (de modo justo) com extrema crueldade. Uma personagem apropriada para um filme de terror.
O debate, entretanto, deve ser mais abrangente do que isso. O que a militância progressista parece ignorar é que, para muitos brasileiros que povoam os rincões do Brasil Profundo, criaturas como o Curupira e todo um universo de Encantados, que vagam pelos ermos, são seres reais. O mundo é povoado por espíritos da natureza, benignos ou malignos, que interagem com os humanos.
A arrogância do homem moderno, seja o esquerdista que quer curar com progresso o homem simples, seja o direitista pseudoconservador e racista, se manifesta com um sorrisinho de escárnio ao saber que, nas entranhas do sertão, o brasileiro ainda crê em espíritos, assombrações, almas, caboclos, pretos-velhos, exus, lobisomens e todo um panteão de encantados, do saci-pererê, passando pelo boitatá, até o caboclo d’água ou a mula sem cabeça.
Sim, para muita gente simples esses seres são totalmente reais, para o horror supremo do evolucionista urbanoide, seja ele a menina de cabelo azul que faz piada com o homem do interior, seja o garoto de condomínio que cria, em sua mente, uma religiosidade brasileira sem nenhum sincretismo. Ambos estão infectados por incapacidade metafísica, limitações espirituais, vícios materialistas e preconceitos de raça e classe. Em suma, são duas faces do enfermo brasileiro moderno, que virou as costas para seu próprio país.
Nós, da Nova Resistência, propomos que os debates envolvendo esse tema sejam realmente encarados como parte da espiritualidade de nosso povo e não apenas como elementos da indústria de entretenimento ou dados acadêmicos. Um de nossos principais motes é o da ressacralização do mundo e essa busca pelo sagrado passa pela interpretação do nosso folclore como parte importante de nossa identidade.