Um dos maiores testemunhos a favor do cada vez mais questionado e insuficiente governo lulopetista é a sua suposta capacidade de retirar milhões da miséria e garantir melhores condições de vida aos pobres. No entanto, será verdade que suas medidas realmente deixaram condições ideais para o pós-assistencialismo?
Vislumbrando de modo panorâmico o cenário do direito econômico, é possível manter a afirmação apresentada por muitos de que o governo petista foi vanguarda na priorização dos trabalhadores e excluídos socialmente? Ao analisar as mudanças fiscais que mais oneraram o pobre, é possível dizer que priorização foi na realidade quanto aos rentistas e investidores estrangeiros, aqueles que obtiveram recorde de lucros a partir destas alterações legislativas.
A criação de programas sociais com o início da implantação do Plano Real tinha como objetivo prioritário a efetivação de direitos básicos como alimentação, moradia, educação, etc. Porém, o objetivo secundário foi a manutenção de capital portador de juros, conforme estabelecido no Consenso de Washington, logo que, paradoxalmente, a máquina do neoliberalismo econômico apenas funciona a partir dos fundos estatais.
O fundo público brasileiro é a arrecadação fiscal oriunda dos tributos com o intuito de financiamento da seguridade social. Nesse caso, abrange prioritariamente a assistência social e a saúde. Porém, também está presente na reprodução do capital, sendo fonte de investimento a partir de subsídios, de desonerações tributárias, incentivos fiscais e por meio da transferência de recursos destes para o capital financeiro, especialmente aos rentistas.
Iniciados no período FHC e empreendidos de maneira voraz no governo Lula, dois mecanismos foram implantados: O esvaziamento dos princípios tributários de progressividade e isonomia; a criação da desvinculação de receitas da União.
No primeiro caso, os princípios de pessoalidade e progressividade visam a obrigatoriedade de uma referência pessoal do indivíduo que pagará o tributo, de modo que, a alíquota de consumo e de renda seja menor no que diz respeito aos itens adquiridos e a renda de um trabalhador fabril, por exemplo, do que para um industrial dono da referida fábrica e os mesmos itens adquiridos como insumos, ou a própria renda deste.
Porém, com a necessidade de adequar a economia brasileira às diretrizes do FMI, visando a adequação dos países sul-americanos ao neoliberalismo para a abertura comercial e financeira, as alterações legislativas tributárias que incentivavam o investimento exterior por meio de isenções tornaram a classe trabalhadora a mesma que se beneficia do financiamento da seguridade social, aquele que a financia. E, na contramão disso, os detentores do capital – bancos e investidores – foram praticamente isentos do peso de arcar com este financiamento.
Também seguindo diretrizes, criou-se o Fundo de Estabilização Fiscal, que posteriormente fora chamado de Desvinculação de Receitas da União. Como o próprio nome diz, é uma desvinculação de receitas do fundo público com o intuito de pagamento de juros de dívida externa. Assim, o fundo público que inicialmente teria a função de financiamento dos direitos sociais, visa o socorro de dívida pública e setores privados da economia.
Salienta-se que nos períodos de crise econômica os primeiros atingidos sempre foram os bancos. Prioritariamente neste período de especulação financeira, de títulos de crédito, do capital fictício à famigerada defesa da “eficiência do mercado privado”, da “desregulamentação” caem por terra no primeiro apelo ao Estado, neste caso ao fundo público, com o intuito de socializar os prejuízos. Ou seja: A disputa política do fundo público em seu cabo de guerra tem em uma das pontas os bancos, sendo estes a maior influência sobre a manutenção do fundo público como capital portador de juros.
O interessante é notar que essa disputa iniciada por FHC, e de fato empreendida por meio de reformas fiscais e econômicas no governo Lula abriu rastros para a atuação desleal de Michel Temer quanto a política do Teto de Gastos e reformas no âmbito da seguridade. O financiamento dilapidado do fundo público destinado a saúde, previdência e assistência social deu óbice às reformas e ao congelamento de gastos.
Nesse sentido, ao estabelecer a criação de “bolsas”, de cunho social exime-se a efetivação de direitos básicos, com a ideia paternalista de benevolência, ligados à caridade. Porém, se verificados os valores desvinculados da União para o pagamento de capital portador de juros, vê-se que os valores administrados aos mais pobres são ínfimos, se vislumbrados a partir aos índices nacionais de consumo.
A criação de programas assistenciais pode ser considerado um bom método de captação de recursos – programas são criados com o intuito de inflar o financiamento do fundo público por meio dos tributos de consumo. Ao tempo que, cria-se uma maior burocratização para o acesso desses ínfimos valores àqueles que necessitam, incluindo cortes de pessoas que já o recebem. Assim, a máquina Estatal continua a servir ao liberalismo financeiro.
Dessa forma, afinal, ao mesmo tempo que o Bolsa Família agiu com benevolência e “compaixão” aos pobres, também onerou os mesmos. Migalhas ao povo pobre, com a roupagem de justiça social, enquanto serve de incentivo ao investimento de capital estrangeiro em âmbito nacional. Esse é o cerne da política neoliberal – Nada é o que aparenta ser de fato –, incentiva-se o detentor do capital estrangeiro a se inserir em âmbito nacional, usurpando dos valores que seriam em totalidade destinados ao povo, enquanto este último é onerado pesadamente para a manutenção de políticas neoliberais.