Nos últimos dias temos visto um aumento das tensões nas relações sino-americanas que, em certo momento, chegou perto de virar um conflito armado de fato. No texto a seguir vamos ver como as relações entre esses países estão se desenrolando e o que pode ser feito para mudar isso.
Por Melvin A. Goodman
O diretor da CIA, William Burns, criou um novo centro para se concentrar exclusivamente na coleta de informações sobre a China e no combate à sua espionagem contra os Estados Unidos. Minha primeira reação foi “Realmente… por que demorou tanto?” Você deve se perguntar por que diabos os antecessores de Burns (John Brennan e Mike Pompeo) estavam pensando em criar esses centros para missões em relação ao Irã e à Coreia do Norte, que representavam pouca ameaça para os Estados Unidos. Mas minha segunda reação é menos jocosa e mais séria: por que os Estados Unidos – seu presidente, seus políticos, seus especialistas – estão determinados a criar um ambiente de Guerra Fria e uma corrida armamentista com a China? Burns disse à sua força de trabalho na semana passada que a China é “nosso teste geopolítico mais difícil em uma nova era de rivalidade entre grandes potências”.
O presidente Joe Biden tem demorado a sair dos bloqueios em várias questões de política externa e segurança nacional, especialmente quando se trata da China. Ele continuou as políticas bombásticas de Donald Trump, deixando as tarifas em vigor sob a oposição dos líderes empresariais americanos e concluindo um tratado com a Austrália para fornecer tecnologia de submarinos nucleares. Os Estados Unidos não fornecem essa tecnologia a nenhuma nação desde o final dos anos 1950, e o tratado australiano viola o espírito do Tratado de Não Proliferação do final dos anos 1960. Enquanto isso, há congressistas de ambos os partidos que apoiam o aumento dos gastos com defesa e a modernização das armas nucleares, a fim de se opor à descrição de Brennan da ameaça chinesa à “ordem internacional”.
A resposta da China ao surpreendente tratado do submarino foi rápida e enérgica. Na semana passada, quase 150 aviões de guerra chineses foram lançados na zona de defesa aérea de Taiwan, colocando as tensões militares entre a China e Taiwan em seu pior nível em quatro décadas. O presidente da China, Xi Jinping, não mencionou os voos em seu discurso em comemoração à revolução de 1911 que derrubou a última dinastia imperial da China. Mas ele prometeu alcançar uma “unificação” pacífica com Taiwan.
Biden montou uma equipe de segurança nacional de linha-dura na China, especialmente no National Security Council. O conselheiro de Segurança Nacional Jake Sullivan, seu vice, Kurt Campbell, e o diretor da equipe chinesa, Rush Doshi, são da linha-dura em relação a Pequim. O novo assistente adjunto de defesa para a segurança do Indo-Pacífico, Ely Ratner, é um prospecto de Sullivan e está muito a par nos tratos com a China. O Departamento de Defesa e a comunidade de inteligência, especialmente a CIA, estão exagerando a ameaça da China da mesma forma que exageraram a ameaça soviética durante a Guerra Fria. A CIA continuou a alardear a ameaça soviética na década de 1980 mesmo enquando seu império do Leste Europeu, o Pacto de Varsóvia, e até mesmo a própria União Soviética estavam caindo como um castelo de cartas. A grande mídia, particularmente as páginas editoriais do Washington Post, auxiliam e estimulam as notícias inflamadas.
Enquanto isso, o Departamento de Defesa se prepara para o confronto com a China. O recente susto da quase-guerra na China (1) exigiu vários telefonemas do ex-secretário de defesa Mark Esper e do presidente do Joint Chiefs, Mark Milley, bem como o adiamento de um exercício naval no Mar da China Meridional para acalmar as águas sino-americanas. Uma colisão subaquática envolvendo um submarino de ataque nuclear dos EUA no Mar da China Meridional na semana passada deve servir como um alerta para a política e para as comunidades políticas atoladas que estão viciadas em opinar em relação à China. De acordo com um dos principais sinologistas do país, Lyle Goldstein, professor pesquisador do Naval War College, os principais especialistas em política externa da China compararam a disputa no Mar do Sul da China à crise dos mísseis de Cuba.
Não ouvimos nada dos departamentos e agências do governo que pudesse abordar a questão da China de forma mais modesta e realista, fornecendo medidas políticas e econômicas para melhorar as relações bilaterais e moderar o clima entre atmosfera pública. O Departamento de Comércio deve se concentrar na segurança econômica e na tecnologia civil, a fim de tentar conter a ênfase do Pentágono na segurança militar e na tecnologia. De acordo com um artigo recente do Político (2), o Commerce Department’s Bureau of Industry and Security- central para o comércio de tecnologia com a China – sofre de falta de direção estratégica e recursos insuficientes. Não há discussão sobre o retorno à Parceria Transpacífica inspirada e incentivada por Washington, uma associação comercial regional mais adequada para conter o poder econômico da China no Leste Asiático.
O Departamento de Estado continua com falta de mão de obra e não há sugestão dos tipos de medidas como o “gun control” (3), que poderiam resolver as tensões nas relações EUA-China. O Secretário de Estado Antony Blinken entregou seu papel tradicional na diplomacia bilateral ao Conselheiro de Segurança Nacional Sullivan, que tem sido a voz pública do governo nas relações com Pequim. Há uma ampla base para um diálogo estratégico significativo entre os Estados Unidos e a China; eles compartilham muitas preocupações no Leste Asiático, particularmente sobre o programa de mísseis da Coréia do Norte.
A agência governamental de que tanto precisamos é aquela que o presidente Bill Clinton eliminou há 25 anos – a Arms Control and Disarmament Agency (4). A chave para estabelecer um diálogo eficaz com a China seria o gun control, mas o Departamento de Defesa recentemente removeu seu secretário adjunto de Defesa para controle de armas e desarmamento. As duas potências precisam de regras de trânsito para navegar no Mar do Sul da China. Os Estados Unidos poderiam limitar a implantação de porta-aviões; A China poderia limitar suas forças anti-navio. E ambos os lados precisam parar com as síndromes de opressão à China/América que se agravaram durante o curso da pandemia.
Em vez de nomear um pragmatista sério como embaixador na China, o governo Biden nomeou Nicholas Burns, um veterano oficial do serviço exterior com um histórico modesto em assuntos asiáticos. Burns era um linha-dura na questão da União Soviética, um forte apoiador da guerra do Iraque em 2003 e – após se aposentar – ingressou no Grupo Cohen, uma organização de lobby para fabricantes de armas. Ele sempre se referiu a Edward Snowden, um denunciante, como um “traidor”, principalmente por causa de seu voo que o levou para a China.
Até mesmo a representante comercial dos EUA, Katherine Tai, emitiu uma declaração oficial que enfatizou a importância das tarifas e dos controles de exportação como centrais para a abordagem do governo Biden em relação à China. A desastrosa guerra tarifária de Donald Trump com a China equivale a um imposto oculto anual de US $ 620 para cada família americana. O presidente Biden não indicou que está disposto a ingressar no TPP (5) ou encerrar a guerra tarifária.
Os Estados Unidos poderiam facilmente diminuir o tom rude de sua propaganda. A posição estratégica dos EUA ainda é inatacável, mesmo no Leste Asiático, com superioridade militar em vários domínios. A China não tem aliados estratégicos. Os Estados Unidos têm relações importantes com a Austrália, Japão, Índia, Coréia do Sul e vários estados do Sudeste Asiático, um agrupamento que está começando a se assemelhar a uma parceria anti-China. A China não está fazendo nenhum esforço para se projetar em regiões fora de sua vizinhança; os Estados Unidos têm centenas de instalações e bases em todo o mundo. O presidente Biden precisa acabar com a abordagem militarizada da Ásia e institucionalizar um diálogo bilateral sério.
1 – Conflito entre Taiwan e a China
2 – Revista política dos EUA
3 – Método que consiste em limitar as próprias operações e missões militares
4- A Arms Control and Disarmament Agency (ACDA)) foi uma agência independente do governo dos Estados Unidos que existiu de 1961 a 1999. Sua missão era fortalecer a segurança nacional dos Estados Unidos, “formulando, defendendo, negociando, implementando e verificando o controle de armas eficaz, políticas, estratégias e acordos de não proliferação e desarmamento. ”
5 – Acordo Transpacífico
Fonte: CounterPunch