Entrevista – “Proudhon nunca tolerou a violência, o caos e a permissividade moral”

No livro “Pierre-Joseph Proudhon: l’anarchie sans le désordre”, Thibault Isabel busca restabelecer a verdade sobre o pensamento proudhoniano. Segundo o escritor, o “pai do anarquismo” era um liberal anticapitalista, entusiasta da moralidade e do dever.

Por Ronan Planchon

Temos a tendência de reduzir o anarquismo ao pensamento libertário, no sentido de um individualismo desobediente à moralidade. Neste livro, você busca reabilitar o pensamento e a obra de Proudhon. Qual é sua definição de anarquia? Como, segundo ele, a anarquia deve ser construída?

Thibault Isabel Desde maio de 68, estamos acostumados a conceber o anarquismo sob o ângulo do individualismo libertário, que domina a paisagem ideológica. Mas o anarquismo das origens era de natureza completamente diferente.

Proudhon censurava o estado moderno por “organizar a desordem”. Ele tencionava, pois, lutar contra o poder burocrático, a fim de restaurar uma ordem mais rigorosa e justa. Proudhon não era antidemocrático, como por vezes ainda imaginamos. Ele era antijacobino, que queria instituir uma democracia verdadeiramente popular, que não se assentasse na tirania tecnocrática ou na tirania da maioria, mas na liberdade local e na multiplicação de contrapoderes. Isso é o que ele chamou de “anarquismo”. Na minha opinião, prefiro falar em “democracia local e federativa”, a fim de evitar quaisquer mal-entendidos.

Em grandes estados jacobinos, tais como a França, a grande maioria das decisões é tomada por uma elite dirigista. Os próprios cidadãos não são, por assim dizer, jamais solicitados, senão de forma episódica e hipócrita. Quando lhes pedem que se posicionem, como durante o referendo de 2005 sobre o Tratado Constitucional Europeu, não hesitaram em desprezar sua opinião com um simples gesto de mão, como Nicolas Sarkozy imediatamente após sua eleição, que ratificou o Tratado de Lisboa em dezembro de 2007.

Em outras palavras, quando o povo “vota mal”, é esquecido. A suposta “democracia participativa, plebiscitária, referendária” é pó para os olhos e esconde o caráter hipercentralizado do sistema. Se os cidadãos esperam ser salvos por um homem ou mulher providencial, eles sempre serão os bobos da corte.

Proudhon queria que a maioria das decisões fossem tomadas de baixo, não por uma cúpula. Isso requer a descentralização do Estado, ou, melhor dizendo, pelo estabelecimento de um verdadeiro regime federal. O coração de uma democracia reside nos municípios, obviamente não no Palácio do Eliseu ou em Bruxelas. Devolvendo todo o seu sentido à política de proximidade e à democracia direta, não haverá desordem, vamos criar uma ordem mais próxima das pessoas.

Para alcançar esse ideal, Proudhon se opõe ao uso da força. Estamos longe dos movimentos que se dizem anarquistas hoje…

Sejamos claros: Proudhon nunca tolerou a violência, o caos e a permissividade moral. Ao contrário! Ele defendeu posições éticas extremamente rígidas, condenou motins por serem belicistas e até acusou grevistas ou sabotadores de serem muito intransigentes. Além disso, raramente valorizava reivindicações categoriais: para ele, a luta política tinha que servir ao bem comum e transformar a sociedade, a fim de torná-la mais equilibrada, mas certamente não trazer aumento salarial para esta ou aquela profissão.

Não esqueçamos, a propósito, que o adjetivo “libertário” foi inicialmente cunhado no quadro de uma polêmica contra Proudhon, considerado excessivamente conservador.

Afinal, é engraçado que o grande pioneiro do antiautoritarismo francês, que também cunhou a palavra “anarquismo”, tenha defendido posições tão hostis à cultura sindical tal como a conhecemos agora. Isso não significa, no entanto, que ele não era um revolucionário à sua maneira. Mas ele era um revolucionário muito culto, muito bem comportado.

Ele reprova o comunismo por seu autoritarismo. Em seu livro, você também explica que Marx e Proudhon discordam em sua concepção de Estado. Em quê?

Proudhon tinha horror a tudo o que fosse grande e adorava tudo o que fosse pequeno. Ele estava convencido de que os homens recuperariam sua autonomia apenas em um regime na medida do homem. Ele, suspeitava, portanto, das megaestruturas burocráticas, que alienam indivíduos e grupos. Nessa perspectiva, ele prefigurou a crítica orwelliana ao stalinismo ditatorial, mas também a crítica das sociedades liberais hiperadministradas, em que a máquina estatal incha a ponto de absorver tudo. Essa constatação evidentemente se aplica às nações ocidentais modernas, que se tornaram jacobinas, particularmente a França, assim como se aplica a estruturas de governança supranacionais como a União Europeia e o FMI. O federalismo constitui uma arma contra esse processo de centralização. Seu objetivo é realojar a política para que os cidadãos recuperem o controle de suas vidas. Essa abordagem deve vir acompanhada de uma descentralização econômica, pois o processo de burocratização se expressa tanto na esfera privada quanto na pública, com o desenvolvimento de empresas multinacionais que alienam o trabalhador exatamente da mesma forma que o Estado burocrático aliena o cidadão.

Proudhon promove a liberdade de empreender, o direito à propriedade, critica o intervencionismo do Estado e defende a responsabilidade individual. Ele acredita que quanto menos pessoas controlam a economia, mais aumentam a miséria e a injustiça social. Em suma, ele era um liberal econômico?

Penso que, stricto sensu, Proudhon foi um liberal anticapitalista. Hoje em dia, temos dificuldade em compreender essa noção. Isso porque não operamos mais a distinção entre o mercado livre local e a acumulação de capital por uma proporção mais e mais reduzida de grandes monopolistas internacionais. Proudhon gostava do liberalismo primitivo, o dos pequenos povoados e pequenos bairros, ele leu sobejamente escritores liberais, mesmo que os criticasse por não serem sensíveis o suficiente aos malefícios do capitalismo. O liberalismo econômico, em tese, significa liberdade de mercado em uma sociedade regida pelo direito de propriedade, enquanto o capitalismo significa um processo para garantir a possibilidade de acumular propriedade indefinidamente por conta própria, alienando, por conseguinte, a propriedade de outrem, quer dizer, adquirindo-a, “resgatando-a”. Proudhon era liberal, uma vez que acreditava na propriedade e no mercado livre, mas era anticapitalista, pois recusava a acumulação monopolista de capital. Trocando em miúdos, ele estava convencido de que o capitalismo em via de mundialização havia arruinado os ideais do antigo liberalismo.

Você explica que Proudhon promove “a ideologia dos produtores contra a ideologia dos consumidores veiculada pelos capitalistas”. Ademais, ele advogava uma renda proporcional ao trabalho realizado. Ele detestaria nossa época…

Na realidade, Jeff Bezos matou todos os vendedores independentes que poderiam ter estabelecido seu negócio se a Amazon não existisse. No mundo de hoje, praticamente não há mais empresários. O trabalho assalariado está generalizado, inclusive a uberização da economia está a caminho de nos engolir, nos reduzindo à categoria de trabalhadores terceirizados por multinacionais onipotentes. O proudhonismo visava libertar os homens do grande capital industrial e financeiro. Um liberalismo autêntico implicaria, de fato, que o maior número possível de indivíduos trabalhasse por conta própria. Nunca estivemos tão longe disso.

Proudhon era um amante apaixonado da moralidade e do dever. Foi, portanto, por uma questão de maturidade que ele pediu a cada homem para ser seu próprio patrão. Se você trabalhar seriamente, ganhará uma boa vida. Se você for preguiçoso, morrerá de fome. Isso força você a assumir a responsabilidade por si mesmo, ao invés de depender de seu empregador ou da assistência social do Estado, como uma criança que depende do seu pai.

Proudhon valorizava o trabalho de produção, na medida em que é uma atividade que nos responsabiliza, enquanto o consumo nos remete ao status de crianças. O consumo é passivo, é voltado somente para o prazer, conforto, capricho. Lá onde o trabalho nos ancora na realidade, o consumo exalta a ilusão. Ele nos desresponsabiliza do nosso trabalho, tornando-nos simples funcionários sujeitos ao estreito quadro da “gestão”, que é, outrossim, uma gestão das almas e, de resto, valoriza o lazer, o gasto, o desperdício. Ficamos deprimidos dez horas por dia fazendo um “trabalho” sob coação e “deixamos solto” o resto do tempo, desperdiçando tudo o que ganhamos.

Se Proudhon tinha desprezo pela alienação do assalariado, o trabalho ocupa, para ele, um lugar central na sociedade. O que ele teria pensado da renda universal, da qual falamos muito durante a eleição presidencial?

É difícil fazer os mortos falarem… Francamente, não sei. Acho que, como eu, ele ficaria muito dividido. A renda universal poderia constituir uma saudável porta de saída em uma sociedade que, de fato, funciona com base no trabalho assalariado generalizado, sobretudo em tempos como o nosso, em que o trabalho se torna particularmente precário. Isso nos daria maior autonomia, por exemplo, nos daria a oportunidade de lançar um negócio mesmo que só trouxesse lucro limitado ou variável segundo o mês etc. Mas isso não impede que a renda universal permaneça, quer queiramos quer não, como um subsídio centralizado pelo Estado. Não estamos trabalhando para consegui-lo. Nós o recebemos.

Em última análise, se fosse necessário realmente caminhar nessa direção, eu seria mais favorável de uma renda de cidadão, alocada em compensação pelo trabalho: algumas horas semanais dedicadas ao serviço público ou a associações, até mesmo a atividades políticas. Isso permitiria destinar uma renda básica a todos os que o desejassem, em particular aos desempregados, ao mesmo tempo responsabilizando os cidadãos e os tornaria concretamente solidários à comunidade. Isso também pressionaria os salários para cima. Não é normal que a participação acionária seja tão lucrativa – o que equivale a privilegiar a renda -, ao passo que as condições de vida dos trabalhadores estão em declínio, em todo o mundo ocidental.

Quais personalidades, movimentos melhor encarnariam o pensamento proudhoniano hoje?

Ninguém, na minha opinião! Na França, há muito tempo, todos os nossos políticos são jacobinos, em diferentes graus. E aqueles que afirmam condenar o jacobinismo criticam, de fato, a França em nome de um modelo tecnocrático europeu que nada mais é do que um jacobinismo mais projetado na escala do continente do que na escala da nação. Nossos europeus contemporâneos descobrem que o Estado francês ainda não nos dá padrões, diretrizes e decretos suficientes; descobrem que nossos funcionários eleitos ainda não estão suficientemente isolados de sua base de cidadãos; e, portanto, querem afastar ainda mais a soberania do povo, para que os tecnocratas em Bruxelas possam decidir tudo em nosso lugar, no seio de instituições que, por assim dizer, não têm legitimidade democrática alguma.

O outro problema é que não podemos mais sair da alternativa entre o capitalismo globalizado e o dirigismo econômico. Por um lado, estão os partidários do sistema, tanto da esquerda como da direita: todos querem libertar a empresa e estabelecer a expansão dos mercados, seja Emmanuel Macron, Manuel Valls, François Fillon ou mesmo a ala liberal-católica do Front National. Por outro lado, você tem aqueles que se propõem a arrecadar mais impostos, em um modo coletivista, para em seguida redistribuir os recursos: essa é a lógica que predomina em Jean-Luc Mélenchon e Benoît Hamon, tanto quanto em Florian, Philippot ou Marine Le Pen. Estamos, assim, esquartejados entre o capital privado e a burocracia pública, que incha sem mudar os males da sociedade de consumo.

Proudhon, por sua vez, propôs reenraizar a política e a economia. Em vez de pedir ao estado que redistribua a riqueza produzida pelo capital, devemos favorecer os pequenos comerciantes contra as grandes corporações internacionais, os pequenos artesãos contra as grandes fábricas deslocalizadas e os pequenos camponeses contra as grandes fazendas intensivas. Os políticos de esquerda, portanto, encaram o problema ao inverso, buscando resolver a jusante (por meio da redistribuição), enquanto seria melhor tratá-lo a montante (por meio do combate à concentração do capital e da defesa da economia local).

A única maneira de alcançar esse objetivo é proteger economicamente as fronteiras da França e da Europa, a fim de se proteger das grandes potências estrangeiras. Mas também precisamos do protecionismo regional para promover o trabalho autônomo. Proudhon foi o teórico do que se pode chamar de “protecionismo federal”, estendido a todas as fronteiras internas do corpo político. Não se trata de estabelecer o poder de uma nação contra as outras, em nome de um egoísmo predatório, mas de realocar radicalmente a economia para limitar o peso das empresas nacionais e internacionais, em benefício dos pequenos empresários. Dessa forma, sairemos do reino dos monopólios financeiros-industriais e a propriedade dos meios de produção será espalhada, distribuída de maneira um pouco mais justa.

Não lhe digo que esse ideal ainda seja acessível. O próprio Proudhon não acreditava realmente nisso, conquanto tivesse nascido há dois séculos. Por outro lado, é sem dúvida hora de começar a entender que a pretendida liberalização da economia está a moer nossas últimas liberdades econômicas, e que o mundo do Gafam não é o do self-made man que nos vendem.

Fonte: FigaroVox

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Nova Resistência
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