Imperialismo Interseccional e a Guerra Fria Woke

Os Estados Unidos e seus aliados atlantistas se preparam para uma Cruzada Progressista Global contra todos os povos e estados que não aceitam a teoria interseccional de gêneros, o movimento LGBTQIXYZ+, e outras doutrinas insanas da Nova Fé do Ocidente. Bem-vindo à Guerra Fria Woke.

Por N. S. Lyons

Imperialismo Interseccional e a Guerra Fria Woke[1]

A Nova Fé Prepara-se para uma Cruzada Global

Em 16 de julho, o Secretário de Estado Antony Blinken enviou um telegrama às embaixadas americanas no mundo inteiro com novas instruções. Diante do que ele descreveu como uma ameaça crescente de forças autoritárias e populistas emanando de países em todo o mundo, Blinken exortou os diplomatas estadunidenses a “buscar ativamente formas de efetivamente pressionar esses países a cumprirem com normas democráticas e respeitarem direitos humanos”, e prometeu que “defender a democracia e os direitos humanos em todos os lugares não está em tensão com os interesses nacionais dos EUA e nem com a nossa segurança nacional.” Isso, ele especificou, deve valer até para os aliados e parceiros dos EUA, declarando que “não há nenhuma relação ou situação em que nós pararemos de levantar preocupações relativas aos direitos humanos.”

O Presidente dos EUA, Joe Biden, caracterizou sua política externa explicitamente como travando “uma batalha entre a utilidade das democracias no século 21 e as autocracias”, e descreveu o mundo como estando em um “ponto de inflexão” que determinará, no futuro “quem triunfou, autocracia ou democracia, pois é isso o que está em jogo.” E embora ele tenha nomeado a China e a Rússia como as maiores ameaças à democracia, ele também declarou que, “em muitos lugares, incluindo a Europa e os Estados Unidos, o progresso democrático está sob ataque.”

Esse tipo de retórica tem levado muitos a descrever que Biden está caminhando rumo a uma nova competição ideológica global semelhante à Guerra Fria, e o telegrama de Blinken parece ser um passo operacionalizar esse projeto na política cotidiana ianque.

Muitos americanos, especialmente muitos conservadores americanos, têm na memória uma grande afeição pela primeira Guerra Fria (especialmente por terem ganho). E a ideia de promover democracia e direitos humanos, especialmente diante dos muitos abusos autoritários da China, é hoje uma paixão bipartidária em Washington.

Mas eles precisam entender que, desta vez, “progresso democrático” e “direitos humanos” vão frequentemente ter um significado bem diferente do que essas expressões tinham na última Guerra Fria.

Novos Direitos, Novas Normas, e uma Nova Luta Global

Blinken conseguiu escandalizar brevemente alguns conservadores estadunidenses quando ele publicou uma declaração oficial em 13 de Julho dizendo que a administração Biden estava “profundamente dedicada a abordar as injustiças raciais, dentro e fora do país”, que “os países não devem recear a análise de seu registro de violações aos direitos humanos” e que os EUA “ofereceram uma visita oficial do Relator Especial de formas contemporâneas de racismo da ONU” para perscrutar o “racismo sistêmico” na América.

Ele adicionou que:

Eu também aplaudo o Conselho de Direitos Humanos da ONU por ter adotado hoje, em Genebra, uma resolução para abordar o racismo sistêmico contra africanos e pessoas de origem africana no contexto do cumprimento da lei. Estou ansioso para me engajar com o novo mecanismo de promoção de justiça e equidade raciais.

O convite de Blinken foi de fato uma resposta à declaração feita em 26 de Junho pela Alta-Comissária de Direitos Humanos Michelle Bachelet, que, por sua vez, seguiu a conclusão de um “relatório compreensivo sobre racismo sistêmico”, que de forma nada surpreendente, descobriu que seu assunto titular estava entranhado ao redor do mundo – especialmente no “Policiamento excessivo de órgãos e comunidades negras” nos EUA. Em sua declaração, Bachelet criticou o Ocidente por uma “abordagem fragmentada do desmantelamento de sistemas enraizados em séculos de discriminação e violência,” declarou que “o status quo é insustentável,” e solicitou uma “resposta sistêmica da sociedade inteira” para erradicar o racismo sistêmico no mundo e implementar a “justiça restauradora” exigida urgentemente pela “mobilização mundial de pessoas clamando por justiça racial.”

Dificilmente o governo Biden teria respondido com qualquer outra coisa que não fosse, é claro, apoio total em alto e bom tom, já que combater o espectro onipresente do “racismo sistêmico” nos EUA virou uma característica central do governo Biden.

E poucos oficiais administrativos abraçaram essa batalha com tanto zelo pessoal quanto Blinken, que imediatamente após sua posse não só instalou um Diretor de Diversidade e Inclusão no Departamento de Estado (em uma nova posição particularmente poderosa, reportando apenas a si mesmo), como designou que cada gabinete no departamento também nomeie um Vice-Secretário Geral Adjunto de Diversidade e Inclusão – com a meta anunciada de “incorporar diversidade e inclusão nas atividades do Departamento de Estado em todos os níveis”.

Presumivelmente, essa incorporação foi o que já levou a tais inovações como encorajar embaixadas dos EUA a hastear bandeiras do Black Lives Matter ao redor do mundo como um pilar dentre outros de uma política geral de “propagar a equidade racial como parte da defesa de nossos interesses de segurança nacional.”

O Departamento de Estado não esteve sozinho em começar a incorporar “diversidade e inclusão” a “todos os níveis de serviço”, é claro. O Secretário de Defesa dos EUA, por exemplo, ordenou que o Departamento de Defesa “amplie o número de países dispostos a apoiar e defender os direitos humanos de pessoas LGBTQI+”, fazendo considerações de impacto sobre direitos LGBT um componente mandatório de todas as suas (muitas e muitas) decisões de contratos e financiamento ao redor do mundo. Enquanto isso, a organização irmã do Departamento de Estado, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), tem se ocupado de salvar a Ucrânia dos Russos, tornando Donbass mais queer.

E já que estamos falando desse tipo de coisa, a maioria das pessoas chateadas com o convite feito por Blinken aos inquisidores anti-racismo da CDHNU parecem, curiosamente, não terem compreendido um outro desenvolvimento em uma frente semelhante da guerra cultural global.

E isso apesar do fato de que o Departamento de Estado avidamente quer que você saiba que, “Em 23 de junho, os Estados Unidos conduziram, e 20 países co-patrocinaram, o seu primeiro evento paralelo sobre os direitos humanos de mulheres transgênero, salientando a violência e as barreiras estruturais, legais, e interseccionais que são enfrentadas por mulheres transgênero de cor.”

Então tem isso. Mas evento paralelo ao quê? No caso, à última seção da CDHNU, em que os EUA se esforçaram para abordar diversas “situações graves de direitos humanos”, ajudando a inaugurar o lançamento do “Grupo de Amigos do Mandato do Especialista Independente das Nações Unidas sobre a Proteção Contra a Violência e Discriminação Baseada em Orientação Sexual e Identidade de Gênero” (GoF IE SOGI).

Além dos EUA, o grupo inaugural do SOGI inclui: Argentina, Chile, Uruguai, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Costa Rica, Dinamarca, Grécia, Finlândia, Alemanha, Islândia, Israel, Irlanda, Itália, Liechtenstein, Luxemburgo, Malta, México, Noruega, Países Baixos, Portugal, o Reino Unido, Suécia, e Suíça.

Quem é esse Especialista Independente com tantos amigos? Trata-se de Victor Madrigal-Borloz, Pesquisador Visitante Sênior no Programa de Direitos Humanos da Escola de Direito de Harvard.

Após sua formação, o primeiro ato do Grupo foi considerar um relatório produzido para a CDHNU pelo Sr. Madrigal-Borloz, intitulado “A Lei da Inclusão”.

“A Lei da Inclusão” afirma que toda a evidência necessariamente “leva à conclusão de que todos os seres humanos vivem em sociedades de gênero atravessadas por hierarquias de poder,” e declara que, como todos nós queremos “reconstruir melhor que antes” (adotando inexplicavelmente o slogan da campanha de Biden), a “adoção de análises interseccionais e baseadas em gênero” é um “componente fundamental para o cumprimento diligente da responsabilidade [de todos os países para com os direitos humanos].

Crucialmente, uma abordagem interseccional leva a um “reconhecimento de como a raça é sexual, e como o gênero é racial, assim como os muitos outros fatores que afetam como alguém tem seus direitos alocados.” Adicionalmente, como um bônus, “a teoria de gênero também é relevante como uma ferramenta para abordar, analisar e transformar sistemas de masculinidade violenta.”

Felizmente, tal análise já “permeou a política pública” e muitos estados agora “reconhecem a sua importância.” De fato, das mais de 500 submissões de comentários inspecionadas pelo Especialista como fundamento para as descobertas do relatório, todas as submissões de entidades estatais e não-estatais “uniformemente sublinharam a importância de frameworks, análises, e difusão por meio da mídia do conceito de gênero como uma ferramenta para se alcançar justiça social através da política pública.

É verdade que algumas “outras submissões eram odiosas ou continham discurso de ódio e foram excluídas ad portas”, e “elas não serão parte de nenhuma publicação patrocinada pelo titular do mandato”, então algum dissenso pode ter sido excluído metodologicamente, mas o que mais um Especialista Independente poderia fazer? Tolerância é um negócio complicado.

Finalmente, baseado em sua análise interseccional, o Especialista Independente declara um novo “dever fundamental do Estado” baseado em sua investigação minuciosa:

Reconhecer que cada ser humano tenha a liberdade de determinar os confins de sua existência, incluindo sua identidade e expressão de gênero.

(Não acho que você encontrará uma descrição mais impecável do Liberalismo Tardio que eu já delineei anteriormente, caracterizado por sua jornada incessante em busca de nos liberar de todo e qualquer limite, aliás.)

Com base nessa conclusão, e apelando a todos os estados para que “defendam os direitos humanos relacionados a gênero e sexualidade como universais e inalienáveis, indivisíveis, interdependentes, e inter-relacionados com todos os outros direitos”, o relatório recomenda que “os estados forneçam acesso ao reconhecimento legal da identidade de gênero” e “adotem todas as medidas necessárias para que tal reconhecimento” seja:

  1. Baseado na autodeterminação do solicitante;
  2. Seja um processo administrativo simples;
  3. Não esteja conectado com requisitos abusivos, como certificados médicos, cirurgia, tratamento, esterilização, ou divórcio;
  4. Inclua o reconhecimento e a aceitação de identidades não-binárias em sua completa diversidade e especificidade;
  5. Garanta que menores de idade tenham acesso ao reconhecimento de sua identidade de gênero.

(O que quer dizer, para deixar claro, que crianças de qualquer idade devem ter o direito humano a alterar seu gênero inteiramente por autoidentificação.)

Os Estados Unidos e o resto do Grupo SOGI imediatamente emitiram uma declaração endossando e aprovando completamente o relatório, notando que eles “gostariam de reafirmar” que: “Como foi demonstrado claramente pela análise minuciosa fornecida pelo relatório, gênero é um construto social”; que a análise interseccional “provou ser fundamental para a concepção e implementação de políticas públicas inclusivas”; que eles apoiam “a importância de se promover reconhecimento legal de gênero baseado na autoidentificação”; e que eles “se opões a qualquer tentativa de remover o gênero dos instrumentos e processos legislativos internacionais de direitos humanos.

Eu espero que você consiga reter pelo menos uma lição de toda essa salada de jargões interseccionais sobre raça e gênero: que a linguagem e os conceitos doutrinais ideológicos distintos da Nova Fé já se estenderam muito além da Quadra de Harvard, cruzaram os oceanos, e agora, como colocado pelo relatório, “permearam” profundamente o mundo por meio de instituições globais geridas pela elite financeira, como o Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Conservadores, em particular, são tipicamente desdenhosos para com a ONU, de modo geral, e a CDHNU em particular (o Presidente Trump oficialmente tirou os EUA do conselho em 2018, e depois disso Biden reingressou como um observador), já que eles a veem como um palco inútil de conversações que gasta a maior parte do tempo criticando os EUA e seus aliados, embora com poucos efeitos práticos. Isso é um erro.

O que está acontecendo aqui é a criação e consolidação contínuas de novas normas que buscam redefinir o que é considerado como o limite normal e aceitável da prática legal, política, e cultural de países, do mundo inteiro. A CDHNU pode não ter nenhum poder político direto, mas é precisamente a ignorância ou descaso petulante para com o poder transformativo a longo prazo das normas que tem levado os conservadores a perder toda batalha da guerra cultural que eles enfrentaram até agora. Por algum motivo, conservadores – e agora liberais – têm sido consistentemente pegos de surpresa por normas aparecendo bem embaixo deles (gradualmente, e então repentinamente), mesmo que estejam ocupando posições altas de poder político.

Entrementes, sob a administração Biden, Washington agora abraçou esse tipo de mecanismo de estabelecimento de normas para reconstruir o mundo em sua nova imagem ideologicamente aperfeiçoada.

Imperialismo Interseccional

Não obstante, não são todos os países que atingiram um nível completo de “woke” em relação ao suposto direito absoluto de todos poderem se autoidentificarem como sendo de qualquer gênero ou ainda em relação à suposta necessidade de uma “transformação da sociedade inteira” com vista a superar hierarquias de opressão.

O Especialista Internacional Sr. Madrigal-Borloz também se deu conta desse problema, e por isso ele e o Grupo SOGI estão produzindo um relatório complementar ao “A Lei da Inclusão,” dessa vez sob o título “Práticas de Exclusão.”
Esse documento ainda por vir vai “analisar a resistência ao uso da teoria de gênero e os riscos que isso cria”, incluindo “a interpretação progressiva de critérios de direitos humanos.” Exemplos dessa “resistência” que o relatório vai “desconstruir e enfrentar” incluem mas não se limitam a: “A narrativa de uma ordem ‘natural’ baseada no determinismo biológico” e a ideia relacionada de que “o reconhecimento legal da identidade de gênero de crianças supostamente ameaça seu bem-estar”; “narrativas que contrapõe abordagens baseadas em direitos a supostas normas culturais e religiosas”; e como “a narrativa dos valores tradicionais é usada para justificar a discriminação” ou ainda “que buscam eliminar o framework de gênero dos instrumentos e processos de leis internacionais de direitos humanos, [ou] de documentos políticos e legislativos nacionais.”

Provavelmente, em qualquer outro contexto, quando um ou mais poderes externos tentam “desconstruir” e substituir os “valores tradicionais” e as normas “culturais e religiosas” de um outro povo contra sua vontade, isso seria chamado justamente de “imperialismo” (ou, ocasionalmente, pior, “genocídio”).

Não obstante, o relatório “Práticas de Exclusão” está agendado para ser publicado na futura reunião da Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque em setembro, e sem dúvidas será endossado pelos EUA, Reino Unido, e outros membros progressistas do Grupo SOGI – mesmo que muitos desses mesmos países ainda estejam sentindo forte resistência interna a todas essas ideias.

O que isso tudo significa, afinal? Em resumo, que as batalhas ideológicas da Guerra Fria 2.0 não serão limitadas a categorias similares àquelas que pareciam (ao menos em um sentido geral) ter caracterizado a primeira Guerra Fria. Elas nem mesmo irão necessariamente levar em conta os conceitos clássicos de “democracia liberal” e “autoritarismo” ou “autocracia” com os quais nós estamos familiarizados.

Pelo contrário. Deve-se entender que a administração Biden e seus parceiros de mesma opinião estão agora operando sob um cálculo ideológico bem diferente na hora de determinar o que “democracia” e “direitos humanos” devem significar, apesar desse cálculo interligar diretamente inimigos ideológicos domésticos e internacionais, assim como na Guerra Fria original.

Nessa visão de mundo, para um estado democrático ser uma “Democracia” legítima, não é suficiente que ele tenha um governo eleito popularmente e escolhido através de eleições livres e justas. Ele também tem que defender os valores progressistas “certos”. Isso é, ele tem que ser Woke. Caso contrário, de acordo com os liberais, esse estado não é uma Democracia de verdade, mas alguma outra coisa. Aqui o termo “populismo” é bem útil: mesmo que um estado não seja ainda autoritário ou “autocrático” em um sentido tradicional, ele pode estar nas garras do “Populismo”, um conceito mal definido, e vago o suficiente para englobar o amplo espectro de sentimentos e tendências reacionárias que possam caracterizar “resistência” ao progresso, com base em “valores tradicionais”, etc. E enfim, eles tentam nos convencer de que o “Populismo” é suscetível a levar a Autocracia. Afinal, na ótica pós-liberal, se você não está progredindo adiante junto à Democracia, você está escorregando para trás no espectro binário rumo à Autocracia.

Ademais, assim como na luta entre Capitalismo-Liberalismo e Comunismo-Autoritarismo durante a primeira Guerra Fria, as “forças traiçoeiras” do Populismo-Autocracia estão presentes não só no indeciso “Terceiro Mundo”, como também rastejam até mesmo dentro de verdadeiras Democracias Liberais – constantemente ameaçando derrubá-las, como peças de dominó, em direção ao campo oposto. É daí que se explica os avisos publicados por Biden como aquele afirmando que “em muitos lugares, incluindo a Europa e os EUA, o progresso democrático está sob ataque.” Nessa visão de mundo, a luta contra as assim chamadas “forças do Populismo-Autocracia” dentro dos próprios EUA ou da Europa não está de forma alguma separada da luta contra a China, a Rússia e outras potências internacionais. Pelo contrário – as duas são parte da mesma luta.

Isso se reflete na similaridade com que Biden (só a título de exemplo, ele dificilmente é o único) se refere a seus oponentes políticos domésticos. A título de exemplo, ele recentemente criticou as novas leis eleitorais de certos estados americanos, nas seguintes palavras: “Nós temos que perguntar, vocês estão do lado da verdade ou das mentiras, fato ou ficção, justiça ou injustiça, democracia ou autocracia?” É esse o cerne da questão.”

E, exacerbando mais ainda esse sentimento de medo e divisão, há o fato de que dentro da visão de mundo Liberal 2.0, uma Democracia não pode simplesmente defender alguns dos valores “corretos”. Não, ela tem que defender todos os valores considerados corretos pelo pensamento único, in totó. Afinal de contas, essa é a principal conclusão da “análise interseccional”: todas as injustiças estão interligadas, formando sistemas de opressão entrelaçados uns aos outros. Assim sendo, permitir que a “injustiça” exista em qualquer lugar do mundo significa ameaçar a “justiça” no mundo inteiro. A interseccionalidade, portanto, demanda liberação total do indivíduo: não pode haver qualquer pluralismo. Nenhum povo, estado, cultura, sociedade pode ser deixado livre para decidir o que é melhor para si, pois nenhuma “injustiça” de qualquer nível e em qualquer lugar pode ser permitida existir, pois isso arriscaria poluir e ameaçar o sistema inteiro.

A conclusão é inevitável: a Nova Fé deve ser uma fé missionária, evangélica. Pela sua própria lógica interna, pela sua própria sobrevivência, ela precisa marchar adiante para converter os “infiéis” povos “pouco-civilizados”, e ao mesmo tempo caçar os “hereges” dentro de sua própria casa.

Os Resultados de uma Guerra Fria Woke

Deixe-me fazer uma pequena previsão: isso será um desastre para o Ocidente.

Ainda existem muitos países por aí (de fato, a vasta maioria dos países, aliás) que acreditam que a teoria de gênero interseccional e outros frutos da Nova Fé Progressista são em sua essência insanidade pura. Eles também são bastante apegados às suas próprias culturas e tradições.

Então, mesmo que você seja um forte apoiador de direitos LGBT, do feminismo, ou de outras ideias progressistas, ainda assim vale a pena considerar as consequências práticas desse Imperialismo Interseccional. Se o Ocidente quer fazer da conformidade ideológica um requisito absoluto para se aliar, receber ajuda do, ou até mesmo trabalhar junto ao seu bloco democrático (que é o que Blinken insinuou), então o mais provável a ocorrer é esses países correrem para os braços da China e de outros estados “autoritários”, porém não-missionários.

Pense, por exemplo, na Indonésia. Ela é uma das maiores democracias do mundo (com d minúsculo) e, também, um dos maiores mercados emergentes. Por acaso, ela também está localizada geograficamente em uma posição estratégica crucial para determinar quem terá controle sobre o disputado Mar da China Meridional e o decisivo Estreito de Malaca. Apesar de sua longa tradição de manter uma polícia externa neutra, talvez ela seja atualmente o estado que apresenta o maior potencial para alterar o equilíbrio da competição EUA-China pela influência no Indo-Pacífico, e ambos os países sabem disso. A Indonésia também é uma nação piamente islâmica, e é bem improvável que aceite muita pregação interseccional da Lei da Inclusão. E dificilmente ela está sozinha nisso.

É irônico pensar que há pouco tempo o Ocidente se arrogava de títulos pomposos como “Bastião da Liberdade”, e repetia ad nauseum ideias como liberdade de expressão, liberdade de pensamento, e soberania democrática em seus discursos propagandísticos. Hoje, a União Europeia se prepara para adicionar “discurso de ódio” à lista oficial de crimes da UE, tuitar pensamentos “críticos à teoria de gênero” já é uma ofensa passível de encarceramento no Reino Unido, e os EUA esboçam planos de “iluminar” o mundo sobre os perigos de “microagressões opressoras”.

Os cruzados da Nova Fé Progressista estão prontos para marchar ao combate contra os Autocratas e seus aliados Populistas, e você ou está com eles ou está contra eles. Bem-vindo à Guerra Fria Woke.

[1] Woke é um termo em inglês derivado do verbo “to wake“, que significa “acordar”. Woke seria uma pessoa “acordada” ou “despertada”. É usado hoje pelos movimentos progressistas como BLM, o movimento LGBTQI+, etc, para se referir a pessoas que supostamente têm consciência social ou estão atentas a questões relacionadas a minorias.”

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