Escrito por Matteo Samarani
Grandes corporações devem ter o poder de censurar pessoas cujo discurso não agrade as sensibilidades políticas de seus CEOs e acionistas? Afinal, as redes sociais são espaços privados ou públicos? O poder da Big Tech pode constituir uma ameaça à democracia? Essas são questões que têm sido levantadas nas últimas semanas e que merecem maior atenção.
Independentemente da opinião pessoal que cada um de nós possa ter sobre Donald Trump, as últimas semanas nos fizeram testemunhar alguns fatos potencialmente desconcertantes que merecem uma reflexão séria e lúcida.
As principais redes sociais decidiram, apelando a razões de ordem e segurança social, “bloquear” por tempo indeterminado as contas do Presidente cessante dos Estados Unidos da América. Esta decisão, que à primeira vista pode até parecer inatacável e, em alguma medida, justificável após as incitações de Trump à violência e tomadas de posição contra a legitimidade dos resultados eleitorais, observada em termos mais abstratos, levantou, aos olhos do escritor, uma questão relativa à legitimidade deste ato. Em outras palavras, com que direito as empresas privadas podem limitar a liberdade de expressão de um cidadão livre, mesmo que por razões de ordem pública?
A resposta é nenhum. A ordem pública é, e deve permanecer, uma prerrogativa dos estados e dos parlamentos que, ao contrário das empresas privadas, são órgãos representativos caracterizados pela investidura popular. É precisamente esta última que garante o poder dos órgãos administrativos e legislativos de tomar decisões que, embora indiretamente, devem representar o julgamento e a vontade, traduzida em direção política, da comunidade. Entretanto, com o advento do “Capitalismo de Vigilância” (Zuboff, 2019) alguns cidadãos privados estão se tornando mais poderosos e influentes do que Estados inteiros, colocando em risco os mecanismos democráticos de governo. O sociólogo Zygmunt Bauman argumentava que “neste novo mundo, se pede aos homens que busquem soluções privadas para problemas de origem social, em vez de soluções de origem social para problemas privados” e, de fato, ele não estava errado de forma alguma.
A questão traz consigo, além disso, um paradoxo que não é nada novo para aqueles que se ocupam das ciências sociais ou se interessam por elas. O capitalismo – fonte indiscutível de riqueza e desenvolvimento sem precedentes na história da humanidade – nasceu do que poderia ser chamado de “democratização da economia”. Ou seja, um mecanismo capaz – através da maximização da descentralização das escolhas econômicas – de dar ao indivíduo plena liberdade econômica e social com respeito à interferência do poder da autoridade pública.
Entretanto – como mostrado, entre muitos outros, por J. M. Keynes e K. Polanyi – existe um trade off entre liberdade de mercado, entendida como a ausência de restrições legislativas para o operador privado, e a existência e funcionamento de instituições democráticas. O capitalismo desenfreado e descontrolado não é capaz de regular a si mesmo e, em particular, não é capaz de se administrar de forma a garantir a sobrevivência das instituições democráticas.
O mercado deixado a si mesmo produz fenômenos – tais como desemprego, desigualdade ou, em nosso exemplo, assimetrias de poder econômico e decisional – que desestabilizam a ordem social pré-estabelecida, levando a uma potencial involução dos sistemas democráticos. Polanyi falou de um “duplo movimento” que significava a dinâmica da afirmação do livre-mercado e a reação defensiva posterior da sociedade que levou, segundo o autor, tanto à Primeira Guerra Mundial quanto à afirmação dos fascismos na Europa. Também segundo Keynes, a intervenção do Estado na economia é indispensável para compensar as ineficiências do mercado, como o desemprego em massa, que pode levar os Estados a viradas autoritárias. Portanto, o paradoxo está bem aqui: a tentativa de subtrair tudo, em nome da liberdade econômica individual, ao controle do Estado, corre o risco, a longo prazo, de se tornar uma causa de desestabilização do próprio sistema democrático.
Agora, voltando à discussão da “questão Trump”, vale a pena notar que, ao contrário das situações descritas por Polanyi e Keynes, o risco que corremos em nossos dias é o de uma “ditadura do Vale do Silício”. Como Stefano Feltri escreve corretamente em um editorial no Domani, “deve nos preocupar que Mark Zuckerberg seja tão poderoso e autônomo que possa silenciar um presidente dos Estados Unidos porque, em resumo, ele não gosta do que o presidente publica. Hoje acontece com Trump, amanhã pode ser qualquer outra pessoa”. Se é verdade que se poderia atribuir a ação de Zuckerberg a motivações benevolentes destinadas a preservar a democracia americana, também é verdade que desta questão emerge uma enorme margem de discrição que também pode ser usada para fins menos nobres do que os acima mencionados. Tudo isso, em minha opinião, torna essencial um debate público sobre a possibilidade de colocar limites, através de instrumentos legislativos, à discrição e ao poder exercido por essas empresas privadas sobre nossas vidas e, de modo mais geral, sobre a vida de nossas instituições democráticas.
Fonte: Osservatorio Globalizzazione