Escrito por Antoine Pizaine
Em 25 de Novembro os japoneses recordam o auto-sacrifício de Yukio Mishima, maior escritor japonês do século XX, e um dos maiores patriotas que aquele país já produziu. 50 anos depois de ter cometido seppuku em um prédio do governo, em protesto contra a mecanização e modernização do Japão e contra a submissão política, militar e espiritual de seu país aos EUA, mas também como culminação de sua obra estética e literária, Mishima, o último samurai, deve ser recordado como exemplo de homem que está disposto a tudo, até a morrer, por seu ideal.
Em 25 de novembro de 1970, após entregar o manuscrito de sua tetralogia a seu editor, O Mar da Fertilidade, e sua quarta parte, O Anjo em Decomposição (uma tradução um tanto estranha de Marguerite Yourcenar, que sugere “o anjo podre”), Mishima foi ao Ministério das Forças Armadas acompanhado por três de seus discípulos. Ele toma o comandante-general das forças de autodefesa como refém e convoca as tropas. Lá ele faz um discurso em favor do Japão tradicional e do Imperador Hirohito. Muito em breve, ele é forçado a desistir em face da reação hostil dos soldados. Ele então prosseguiu com seu ritual de suicídio por seppuku, seguindo a tradição do bushidô (“o caminho do guerreiro”), decapitado em seguida por um de seus acólitos. Mais do que um suicídio ritual, é um verdadeiro assassinato ritualizado e teatralizado, porque filmado e fotografado. Até a morte, Kimitake Hiraoka permanecerá Yukio Mishima, ou seja, um artista, o “Jean Cocteau japonês”, como às vezes foi apelidado. Marguerite Yourcenar dirá mesmo que “a morte de Mishima é uma de suas obras e até mesmo a mais preparada de suas obras”.
Nascido em 1925 em Tóquio, Mishima aparece tanto como um anacronismo quanto como uma síntese do gênio clássico europeu e japonês. É talvez até no gênio clássico europeu que ele encontrará uma esperança de ressurgimento para um Japão que está se modernizando (ele escreve principalmente nos anos 50 e 60) e está rapidamente se americanizando (o país tem sido um protetorado quase americano desde a derrota japonesa após os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki). Mishima é, portanto, sem dúvida, o último samurai do Japão. É assim que ele pensa de si mesmo, prestando homenagem com seu livro sobre O Japão e a Estética Samurai, um ensaio crítico do Hagakure de Yamamoto Tsunetomo. Ele é o último a ter cultivado esta síntese da mente letrada e do culto do corpo.
A Obsessão de Mishima pela Morte
Mishima foi assombrado pela idéia da morte enquanto memória. Podemos ver isso através de três fatos principais: o primeiro é a memória de Tóquio sendo queimada, que só começou a assombrá-lo muitos anos após o fim da guerra. Esta visão, assim como os dois bombardeios nucleares americanos de Hiroshima e Nagasaki, influenciaram toda a geração de Mishima, e influenciam até hoje, no cinema e na literatura. Eles forjaram o relacionamento japonês com a guerra, com o exterior e com esta novíssima energia nuclear, em filmes kaijû, começando com o primeiro deles, dirigido por Ishiro Honda em 1954, Godzilla (Gojira/ ゴジラ em japonês).
Então, esta cultura de morte o irriga e também o influencia através de seu fascínio por figuras do classicismo europeu: como esquecer a foto marcante de Mishima como São Sebastião, com as mãos atadas, trespassado por flechas, seu corpo esticado e musculoso?
No final, foi no culto à via do samurai que ele conseguiu encontrar uma saída de um Japão em declínio. Mishima, uma criança temerosa e solitária, recusando o Japão moderno que lhe foi imposto, decidiu no entanto ser um samurai de seu tempo, a única maneira autêntica de conduzir seu caminho e seu fim; ao recusar a modernização e a mecanização, ele escolheu o momento e a maneira de sua morte. Entre código de cavalaria, filosofia e religião, o Hagakure não diz “eu entendi que o caminho do guerreiro é a morte”? Todos os dias, ele “seguiu o caminho” e treinou com a espada, apesar do porte de espada estar proibido desde o fim da era Edo.
A partir daí, como não entender sua angústia e sua cólera, particularmente através de seu romance Depois do Banquete, que denuncia a vaidade do comportamento da nova burguesia japonesa e especialmente o parlamentarismo que Mishima abominava. Da mesma forma, em sua curta história O Pavilhão Dourado, ele evoca temas do Japão tradicional: beleza, feiúra e comunidade.
Em 25 anos, Mishima escreveu cerca de cem obras: peças de teatro, contos, romances e ensaios. Este é o trabalho não de um homem perdido em uma época que não seria sua, vagando sem rumo, mas de um homem que percebe que o Japão feudal e o Japão samurai já não existem mais.
O Samurai e o Mártir: Senso de Dever e Superação de Si Mesmo
Mas Mishima é também a síntese paradoxal entre a educação dos samurais japoneses e a literatura clássica européia. Ele amava Racine, Balzac, Shakespeare, Oscar Wilde e tantos outros. Em sua busca pela excelência e, mais uma vez, um ideal perdido desde que a Europa havia colocado os pés em plena modernidade industrial e mecânica, Mishima encontrou uma ponte na figura de São Sebastião. De fato, o mártir cristão, como o samurai, morre quando chega a sua hora, sem se esquivar de seu dever. Agora, Yamamoto Jôchô, em seu Hagakure, escreve: “a verdadeira coragem consiste em viver quando é certo viver, e em morrer quando é certo morrer”, insistindo precisamente na necessidade de cumprir o próprio dever e não fugir da morte. Se a razão profunda do mórbido e quase erótico fascínio de Mishima por São Sebastião ainda está por ser determinada, o vínculo entre a abnegação e a superação de si mesmo, tão caro ao mártir e ao samurai, sem dúvida lhe permitiu criar esse personagem agora quase mítico.
Fonte: Philitt