por Sebastian J. Lorenz
De Georges Sorel se diz ter sido o primeiro conservador revolucionário, ou pelo menos um dos primeiros pais fundadores da chamada Revolução Conservadora. Assim o expressaram corretamente Julien Freund, Armin Mohler e Karlheinz Weissmann, estes dois últimos co-autores do manual Die Konservative Revolution in Deutschland, 1918-1932. Por isso dedicamos a ele este volume monográfico, que contém não só estudos sobre os aspectos mais conhecidos de seu pensamento, como podem ser o “mito revolucionário”, a violência e o sindicalismo, como também outras abordagens divergentes, por exemplo, em relação com a liberdade e a religião. E para terminar, um fantástico artigo do dr. Weissmann sobre a recepção por Armin Mohler do pensamento soreliano.
Robert Steuckers sempre recorda, como uma referência constante, os conselhos de Armin Mohler convidando-o a reler Georges Sorel e a explorar o contexto de seu tempo. Segundo Steuckers, “Sorel, que às vezes foi chamado de ‘tertuliano da revolução’, era alérgico ao racionalismo estreito, aos pequenos cálculos políticos que realizava a social-democracia. A este espírito de lojista, guiado por uma ética eudemonista da convicção e por uma vontade de excluir da memória todos os grandes impulsos do passado e de apagar seus rastros, Sorel opunha o ‘mito’, a fé no mito da revolução proletária. A ética burguesa, apesar de sua pretensão de ser racional, conduziu à desorganização e inclusive à desagregação das sociedades. Nenhuma continuidade histórica e oficial é possível sem uma dose de fé, sem um impulso vital (Bergson). Basicamente, quando Sorel desafia os socialistas aburguesados de seu tempo, sugere uma antropologia distinta: o racionalismo corta o real, o que é nefasto, enquanto o mito fecha os fluxos. O mito, indiferente a todo ‘final’ tomado como definitivo ou criado como ídolo, é o núcleo da cultura (de toda cultura). Seu desaparecimento, seu rechaço, sua inutilização, conduzem a uma entropia perigosa, à decadência. Uma sociedade obstruída pelo filtro racionalista resulta incapaz de se regenerar, de desenhar e despertar suas próprias forças em seu relato fundador. A definição soreliana do mito proíbe pensar na história como um determinismo; a história está feita por raras personalidades que a impulsionam em certas direções, em períodos axiais (Armin Mohler reutiliza a terminologia de Karl Jaspers, que Raymond Ruyer utilizará por sua vez na França). A visão mítica das personalidades que a impulsionam e dos períodos axiais é a concepção ‘esférica’ da história, própria da Nouvelle Droite”.
Georges Sorel: Uma Biobibliografia
(Cherbourg, 1847 – Boulogne-sur-Seine, 1922)
Filósofo e teórico político francês. Filho de uma família da burguesia provincial normanda, recebeu dela a fixação com o trabalho e os sentimentos morais e religiosos, que manteve sempre vivos e profundos, ainda depois da perda da fé. Realizados os estudos secundários na cidade natal, foi enviado ao Colégio Rollin de Paris; logo ingressou na École Polytechnique. Chegando em 1870 a engenheiro de estradas e pontes, viveu no território provincial durante vinte e cinco anos; finalmente, nomeado engenheir-chefe, abandonou o cargo sem nem mesmo pedir a licença correspondente e se entregou com plena liberdade à atividade meramente intelectual.
A partir de 1892 não conservou mais funções que as de adminsitrador da École des Hautes Études Sociales. Em 1895, junto com Bonnet e Deville, fundou Le Devenir Social, revista que persistiu até 1897; colaborou em Mouvement Socialiste, de Lagardelle; Ére Nouvelle, Revue de Metaphisique et de Morale, e várias publicações italianas e alemães. Em 1897 se retirou, com seu sobrinho e a esposa dele, à pequena casa de Boulogne-sur-Seine, onde permaneceu até o fim de seus dias.
Ainda conservador em 1889, passou ao socialismo democrático em 1893; logo aceitou o marxismo, com todas as suas perspectivas revolucionárias, e mais tarde, desenganado do proletariado, se aproximou, em 1911, aos nacionalistas da Action Française; finalmente, a Primeira Guerra Mundial reanimou sua oposição às democracias, o que o induziu a considerar a revolução russa como a aurora de uma nova era em Matériaux d’Une Théorie du Proletariat (1919) e Plaidoyer pour Lénine (1921).
O “caso” Dreyfus exerceu notável influência na orientação de seu pensamento. Partidário do célebre militar francês durante a discussão do caso, ou seja quando parecia que o processo de revisão haveria de tornar possível na França condições que permitiriam a instauração de uma nova forma de vida e um movimento de renovação, sofreu um grande desengano ao comprovar a degeneração de todos os chefes do socialismo chegados ao poder e de quantos políticos de suas mesmas ideias tendiam unicamente à exploração das massas trabalhadoras e à defesa de seus interesses pessoais; desiludido por tal experiência, condenou para sempre qualquer sistema político de caráter “reformador” e se inclinou para uma concepção revolucionária da política do proletariado.
Aos quarenta anos começou a escrever sobre os problemas sociais. Antes de sua notoriedade como aficionado ao estudo da Filosofia, devido a sua colaboração na Revue de Metaphisique et de Morale e na Revue Philosophique, e de sua fama como teórico do sindicalismo, era já, desde 1889, célebre como historiador, graças ao Procès de Socrate, complexo exame da sociedade ateniense e crítica do racionalismo socrático. Filósofo da técnica e da moral, afrontou questões e temas da civilização em Ruine du Monde Antique (1898) e Ilusions du Progrès (1908), e estudou o cristianismo em Système Historique de Renan (1906), que, sob a influência de Vico, julgou como um princípio.
Estabeleceu as bases da nova economia concreta em Introduction à l’Économie Moderne (1903), e estudou, meritoriamente, o aspecto jurídico do sindicato como nova forma de instituição em Reflexões sobre a Violência (1906), sua obra mais célebre, na qual propunha a formação de um sindicalismo operário forte, consciente e preparado para enfrentar-se com a sociedade burguesa, destruí-la e criar sobre suas ruínas uma nova sociedade baseada na produção livre das hierarquias e instituições do passado.
Grande importância apresenta sua aplicação da filosofia de Bergson aos problemas sociais; em 1889 havia sido já um dos primeiros que chamaram a atenção para o Ensaio sobre os dados imediatos da consciência, desse famoso pensador, a quem julgou “árvore vigorosa elevada em meio às desoladas estepes da filosofia contemporânea”. Ao filósofo do sindicalismo correspondeu o mérito da transposição ao terreno social e econômico, em oposição ao critério meramente evolutivo do socialismo, da teoria bergsoniana do movimento único ao longo de uma linha ideológica de tendência antirracionalista.
Foi Sorel quem assinalou com eficácia, antes do desenvolvimento de novas orientações fenomenológicas e existencialistas, o caminho seguido por Bergson: a revalidação da ideia de instinto e mistério às quais este filósofo chegara através de reflexões sobre os fenômenos biológicos e as inclinações naturalistas. Em sua opinião, é possível deduzir variações e transformações da sociedade a partir de sinais ínfimos e pouco visíveis, contrariamente à afirmação de Darwin segundo a qual as modificações muito pequenas não podem assegurar o triunfo de espécies novas sobre as antigas.
Notável é também a atitude de Sorel na valoração das atividades espirituais mais elevadas e livres, como a ciência e a religião, das quais exclui, em franca oposição a Marx, todo caráter pragmático. Considera o hegelianismo transição entre a era do dogmatismo filosófico e a da filosofia que se propõe a oferecer ao espírito uma orientação suscetível de facilitar as descobertas, e atribui a Bergson a função de fevelador das forças jovens.
Confirma, ademais, uma das intuições mais originais de Hegel ao estabelecer uma correspondência entre mistério-misticismo-ciência e arte-religião-filosofia, ponto culminante do espírito; segundo ele, tais formas se renovam e decaem conjuntamente.
Sorel introduziu algumas dúvidas sobre vários pontos dos ensinamentos oficiais do marxismo: negligência dos fatores morais, confiança excessiva na ciência (que define como “pequena ciência”), e interpretação insuficiente ou errônea da evolução social e do movimento operário. Sob a influência de Vico aplicou seus cânones históricos ao cristianismo. Com elevada consciência reivindicou os valores do mesmo, e chegou, por isso, a ser julgado autor da revolução extrema do espírito cristão.
Considera o cristianismo como não destinado a perecer, tendo difundido no mundo três grandes princípios: a dignidade da pureza, os valores infinitos do homem e o sacrifício estabelecido sobre o amor. Condenou todas as formas de religião social, já enquanto falta de um verdadeiro mérito religioso ou por sua tendência à mediocridade, ao cálculo e ao utilitarismo.
As polêmicas e os estudos de Sorel acerca do marxismo foram reunidos por V. Racca nos Ensaios de Crítica do Marxismo (1903), que limitam o determinismo econômico das correntes ortodoxas marxistas e revelam alguns elementos éticos da filosofia do movimento operário. Nosso autor considera as reformas sociais como uma corrupção da classe trabalhadora em Décomposition du Marxisme (1908), e da evolução do sindicalismo operário em L’Avenir Socialiste des Syndicats (1898), Ensinamentos Sociais da Economia Contemporânea (texto publicado também por V. Racca, 1907), e nos artigos aparecidos no mesmo ano em Mouvement Socialiste.
Entre as numerosas obras restantes cabe mencionar Contribution a l’Étude de la Bible (1889), Essai sur l’Église et l’État (1902), La Révolution Dreyfusienne (1909), La Rivoluzione d’Oggi (Lanciano, 1909), Le Confessioni (come divenni sindicalista) (Roma, 1911) e De l’Utilité du Pragmatisme (1921).