Biopolítica do Coronavírus (Parte IV) – A Imunodeficiência das Elites

Em todos os momentos da pandemia, da percepção do risco e da gestão do risco ao combate ao vírus, os governos ocidentais acumularam erros e atrasos incontáveis. Governos que mal conseguem lidar com as necessidades quotidianas de suas sociedades, evidentemente não conseguiram reagir a um momento de exceção. O escritor francês François Bousquet atribui a responsabilidade por isso às elites decadentes e tecnocráticas do Ocidente, focando na envelhecida, tediosa e incestuosa elite francesa.

Um dia, Maurice Barrès, o campeão do nacionalismo, comparou a França a um quadro com a “colina inspirada” no centro, aquela de Domrémy, nos Vosges, onde Joana D’Arc cresceu. Aristide Briand, onze vezes presidente do Conselho, vinte e seis vezes ministro sob a Terceira República, instalado vitaliciamente no socialismo radical (uma vez passados os impulsos febris da juventude), respondeu-lhe: “Muito bem! Mas nós temos a moldura!” É uma resposta que nem Macron nem seus pares poderiam dar, primeiro porque lhes faltava o espírito, nem que fosse apenas o espírito de escada; segundo, porque eles fizeram desaparecer a moldura e gostariam de apagar o quadro, a França, para substituí-la por uma “smart nation” tropical. Miséria das elites!

Como explicar este declínio, de uma República para a outra, de uma geração de mestres para outra? Os insights de duas sociologias que estão em desacordo entre si podem nos ajudar a ver mais claramente: a de Vilfredo Pareto, o grande teórico da produção das elites, e a de Pierre Bourdieu, o grande teórico de sua reprodução. Pareto disse em uma famosa passagem em seu espesso Tratado de Sociologia Geral que a história é um cemitério de aristocracias. Deve-se notar que na França, seria mais como um necrotério, no duplo sentido da palavra, altiva e cadavérica. As elites nascem natimorta ali, por falta de circulação sanguínea. Não há sangue novo suficiente – a eritropoetina das elites – para regenerá-las e aumentar sua vitalidade. Nesse estado de decrepitude, as elites não são nada mais que vampíricas, elas estão apenas procurando sangue fresco na esperança de encontrar um barato.

A consanguinidade é a rainha da França. Entre boomers desbotados, sessenta-e-oitistas gastos e “filhos e filhas de”, a reprodução dos mais monótonos substituiu definitivamente a seleção dos melhores. Dentro das instituições, a endogamia reina sem contestação. É por isso que temos uma sociedade petrificada, estratificada e calcificada – “bloqueada”, como disse Michel Crozier – governada por um exército de clones: especialistas, conselheiros, diretores, técnicos, administradores, que formam a borda superior dos acumuladores de cargos à frente do Estado. Uma neoburguesia arco-íris, americanomorfa, livre de sabe lá o que porque livre de quase tudo, liberal com todo o mundo, exceto com seus compatriotas, aberta a tudo, exceto quando seus interesses estão em jogo, livre principalmente da lei, apaixonadamente substituidora de tudo, exceto das posições que ocupa. Mais uma casta do que uma classe social.

Me passe o ruibarbo, eu te passarei o Covid!

Um exemplo, apenas um, digno do mais alto comediante (republicano, é claro). Lembramos que sob Hollande, a Ministra da Saúde era Marisol Touraine, outra “filha de”, esta do soporífico Alain Touraine, o mais poderoso sonífero da Faculdade de Sociologia. Agora é certo que ela ficará na história do coronavírus como a senhora reciclagem que enviou centenas de milhões de máscaras FFP2 para o depósito de lixo. Agora, quem estava espumando em seu primeiro círculo? Um quatro ases da embromação: Benjamin Griveaux, Gabriel Attal, Jérôme Salomon, Olivier Véran. Griveaux é a primeira baixa do coronavírus, Piotr Pavlenski desconectou seu respirador. O frívolo Gabriel Attal está nas mãos de Jean-Michel Blanquer como Secretário de Estado. Mas Olivier Véran e Jérôme Salomon? Um chefia o Ministério da Saúde, o outro é seu diretor geral. É necessário se beliscar para crer nisso. Passe-me o ruibarbo, eu te passarei o Covid! Dê-me as máscaras, eu as farei desaparecer!

Eles chamam em bom franglês de sistema dos “revolving doors”. Funciona de forma muito eficiente na França. É até mesmo a última coisa que funciona. Mas lá onde as elites anglossaxãs se contentam em passar do público para o privado, os franceses acrescentam o public to public, como diriam os esnobes. Emmanuel Todd identificou muito bem esta exceção francesa em seu último livro, quando fala de uma tecnocracia estato-financeira cujo arquétipo é Emmanuel Caméléon. Ele jura tão somente pelo mercado, mas conhece apenas o Estado do qual é a classe parasitária nomeada, acumulando as fraquezas do público e os defeitos do privado. Inércia e ganância. Ela nunca foi ensinada a tomar iniciativas, mas sim a não tomar nenhuma.

Já existiu alguma elite na França?

Eu não sei mais quem disse da Inglaterra que ela sempre foi salva por sua elite e a França por seu povo. Um sábio, certamente. A frase é menos retrógrada quando as palavras são invertidas, pelo menos deste lado do Canal: a elite nunca salvou a França (caso contrário, algum historiador caridoso nos teria ensinado isso). Foi certamente esta fatalidade que deu à nossa história seu curso ondulante, instável, errático, com altos e baixos. O temperamento nacional, sempre em busca de uma figura providencial, mais populista que conservador, mais insurrecional que reformista, reativa por falta de ser ativa, não favorece o surgimento de uma elite. Deve-se dizer que aquela que faz as vezes por nós tem procurado seus modelos no exterior desde o século XVIII. Voltaire mostrou o caminho. Desde então, ela vem pensando em inglês, embora seu francês seja irrepreensível, e o do autor das Cartas Filosóficas (publicado pela primeira vez sob o título de Cartas Inglesas) mais do que qualquer outro. Ah, o chicote verbal de Arouet! Se o insípido Nicolas Baverez pudesse aprender a usá-lo, seria pelo menos legível, se não inteligível…

Neste panorama, houve uma notável exceção, a Terceira República em seus primeiros anos de existência. Podemos não gostar, mas nada nos predispõe a isso. Era monótona, tão cinzenta quanto as costeletas de seus presidentes de Conselho e seus “irmãos” maçons parecendo prelados desbatinados. Eles nunca perderam uma oportunidade de fazer um bom negócio e dispararam contra os trabalhadores com uma compostura que Christophe Castaner e Laurent Nuñez nunca poderiam sonhar em igualar, mesmo em seus sonhos. Sim, sim, temos todo o direito de não gostar desta jovem Terceira, no entanto ela criou uma elite – algo que nunca foi dado a Macron ou à La République en marche. Seus oponentes antidreyfusardos – o sabre, o aspersor e especialmente a pluma, as plumas mais belas da época que o bom Marcel Proust imaginava poder reconciliar – falavam da República Judaica, mais ainda da República Protestante, mas ela foi antes de tudo, entre os advogados, a República dos Professores, o título de uma pequena e nítida obra de Albert Thibaudet, que era melhor que um grande crítico, um dos analistas mais confiáveis de sua época. Uma incubadora de talentos. Como? Através de um notável sistema de detecção e de bolsas de estudo. Se durou tanto tempo, foi porque era antes de tudo um regime de hussardos negros, de normalistas desordenados, de professores magricelas e famintos de conhecimento, de provinciais que vinham a Paris com lama nos pés.

Quando os bolsistas formavam a elite

“Entre nós, Paris!” lançavam-se eles como Rastignac, mas a geografia de sua ambição, mais sábia, mais acadêmica, mais ascética também, não era a de Rastignac, estampando seus pés no promontório de Montmartre: ela estava no cume da montanha Sainte-Geneviève, nas salas da rue d’Ulm, nos internatos de Louis-le-Grand e Henri-IV. Assim, meio século depois de Balzac, a montanha de Sainte-Geneviève, que abrigava a pensão da Madame Vauquer, onde os apetites ferozes dos jovens leões balzaquianos se preparavam, acolheria outras ambições, aquelas que animariam os futuros mestres da Terceira República, que eram, acima de tudo, mestres-escola – e a escola, sua maior realização.

Naquela época, a esmagadora maioria dos normalistas eram estudantes bolsistas. Quantos são hoje? A mesma coisa com os especialistas, a mesma coisa com os alunos das faculdades de formação de professores. Barrès, o grande Barrès, também um professor, mas com muita energia, vomitou aquele mundo. Ele o esmagou ferozmente em sua prodigiosa trilogia, “O romance da Energia Nacional”. Mas, quer ele gostasse ou não, os verdadeiros herdeiros eram os bolsistas. Pensemos em Péguy. E nos dias de hoje? Os perfis muito raros que saíram do povo e se juntaram às fileiras da elite, os Didier Eribon, os Édouard Louis, as Annie Ernaux, são em sua maioria “desertores de classe”. Em outras palavras, traidores. Eles não pertencem mais ao mundo do qual vieram, mas às minorias cuja causa eles abraçaram.

Tal Mestre, Tal Discípulo

Adeus à República dos Professores! A dos Rastignacs voltou, mas seu nome é Cahuzac; e Marsay, o outro jovem leão balzaquiano, esplêndido, como tudo concebido pelo Super-Homem que escreveu “A Comédia Humana”, caiu na categoria de um Emmanuel Macron. O nosso, da República, é um regime de crianças mimadas, imaturas e inconsistentes, afetadas assim que deixam a escola pelo princípio de Peter – e mesmo Peter Pan no caso de Macron – que afirma que toda pessoa, aqui toda a casta, tende a subir até seu nível de incompetência. Apenas amadores, Macron, falando de seu governo, admitiu isso ele mesmo. É preciso dizer que seus ministros foram todos para uma boa escola. Tal mestre, tal discípulo. Afinal de contas, um país que se afunda de maneira lenta, mas segura, pode tolerar uma elite assim tão ruim. A gestão das coisas quotidianas se acostumou à mediocridade geral. Ela requer um remédio paliativo que os governantes com habilidades limitadas podem administrar como os metrônomos do declínio. Mas se surge uma situação excepcional, uma crise ou uma pandemia, é impossível esconder esta nulidade sob a mesa do Palácio do Eliseu: ela é demasiado gritante – insultuosa para um povo ansioso por comparações. Ó Alemanha, que mais uma vez nos ensina uma lição, nós que tantas vezes a ensinamos a ela.

De uma guerra para a outra, nosso bom Frankreich está condenado a chegar sempre atrasado? Em relação a uma estratégia, uma vacina, uma tecnologia, uma atualização. Desde o início da crise do coronavírus, Macron e Philippe têm estado três a quatro semanas atrasados (Sibeth Ndiaye três ou quatro séculos), um atraso incompressível, em todos os campos, preditivo, preventivo, curativo. Como já dissemos, somos apenas bons nos paliativos. Em nenhum outro lugar. Na antecipação de riscos, na tomada de decisões, na gestão, na programação. Não apenas em relação às máscaras, consideradas supérfluas, nem em relação às vacinas, que foram declaradas inúteis, mas em relação à requisição tardia e escassa de nossas últimas máquinas-ferramentas, em relação ao uso sacrílego de laboratórios veterinários para testes serológicos, em relação à composição do Conselho Científico, que é tão prudente, tão acadêmico, tão ligado ao setor privado, em relação à manutenção das autoridades municipais, em relação à mobilização de clínicas privadas, e assim por diante.

Em cada ocasião, algumas pessoas de boa vontade alertaram o governo com bastante antecedência, mas mais vale conversar com um surdo. Todas as vezes ele procrastinou, adiou a tomada de decisão, pretextando um dia que a medicina animal não deveria ser confundida com a Grande Medicina, retiram-se os vetos; outro dia, recuando diante da recusa do terrível Gérard Larcher e dos barões do Senado, retorna o veto senatorial. Nada, zero pontos, chapéu de burro, já para o canto da sala!

O Conformismo é seu Nome

Quando Alain de Benoist formulou pela primeira vez a noção de pensamento único, ele colocou um nome à praga das elites em geral e dos franceses em particular: o conformismo endêmico. Para eles, nunca há uma alternativa, nunca um plano B, nem mesmo opções – nada além de uma rodovia uniforme que nos conduz aos limites do tédio. Em todos os lugares o mesmo conformismo, politicamente correto, medicamente correto, tecnocraticamente correto, pouco importa. Esta religião do único e de sua propriedade é “o” critério de seleção. Fora disso, fora do pensamento único, não há salvação.

No Instituto de Estudos Políticos, na Escola Nacional de Administração, não fabricamos mais servidores do Estado, mas servidores da dívida, controladores de gestão. Estas escolas são moldes. Como eles poderiam produzir qualquer outra coisa além de séries? Calibrados como produtos industriais, programados como softwares – e isso é exatamente o que eles são: eles estão lá para cumprir programas. Eles fabricam pilotos automáticos, marginalmente tecnocratas, no máximo técnicos, tão medíocres que nos fariam sentir saudades da era dos engenheiros, que pelo menos pilotavam programas industriais. Como esta espécie, que gerencia tão mal situações corriqueiras, poderia ter sido capaz de lidar com uma situação extraordinária? Impossível. Para ela, de uma vez por todas, a intendência e as dependências, e nada mais. Para o Eliseu talvez, mas depois para a manutenção dos estábulos!

Estamos tão acostumados a esta pilotagem automática que não entendemos mais situações de emergência e regimes de exceção, onde a essência schmittiana da política se revela. Somos treinados para seguir procedimentos de controle, a respeitar protocolos de gestão, a decifrar regulamentos, a aplicar processos, o que em todos os níveis significa seguir escrupulosamente os critérios de convergência maastrichtianos. O roteiro elaborado antecipadamente, com base na regra dos 3%, faz o “job”, como costumam dizer. O único trabalho que resta é encontrar espaço de manobra e colocar em regime de austeridade todas as administrações, inclusive as dos hospitais.

A Pedra Angular

Argumentarão que não possuímos senão as elites que merecemos. Certo. Entretanto, não devemos esquecer que eles sequestraram a representação nacional. Um país inteiro vendado na escuridão não é nada, mas aspira a reconquistar a luz. Se os Coletes Amarelos mostraram uma coisa, é que o povo não consente com sua morte programada, que ele abriga, por mais decrépito que esteja, por mais abandonado que seja, reservas de raiva e vitalidade. Você não vê nada parecido entre a elite. A França de cima tem estado deitada há tanto tempo que não se pode imaginar que alguma vez poderá se levantar de novo. Não há nada a se esperar dela, ela não pode ser reformada ou infiltrada, nem pode ser mudada, apenas derrubada. A pedra que os construtores rejeitaram, como ensinam os Evangelhos seguindo Salmos, essa se tornou a pedra angular. Frase fabulosa. Sempre foi assim. Sempre. A salvação nunca vem do Sistema, mas de suas margens, de sua dissidência, lá onde a pedra angular é moldada. Se continuarmos a moldá-la, ele acabará dominando o edifício.

Artigos Precedentes

Biopolítica do Coronavírus (I) – A Lição de Michel Foucault
Biopolítica do Coronavírus (II) – O Paciente Zero é a Globalização
Biopolítica do Coronavírus (III) – Tempo Ruim para os “Sem Fronteiras”

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Biopolítica do Coronavírus (V) – O Caso Griveaux: Paris vale uma Epidemia

Fonte: Éléments

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