Escrito por Olivia Del Bravo
A China é o “demônio” a ser combatido em um conflito de civilizações por trás do qual as ambições hegemônicas dos Estados Unidos estão ocultas.
É oficial: a China é inimiga da humanidade. O triste anúncio foi feito pela revista “La Repubblica”, com a publicação do artigo intitulado “China, O império sem alma”, de Bernard-Henry Lévy, que aponta para o gigante asiático, definido como uma “potência zumbi”, um infector do mundo, acusando-o de ter reinventado o confinamento e, acima de tudo, de esconder informações valiosas da OMS. A tragédia/farsa do “vírus chinês” (copyright de Trump), apenas sugerida em nosso país, agora, graças também à mudança de regime ocorrida em La Repubblica, está arrogantemente em jogo. Nesse ponto, questiona-se se algum dia descobriremos a verdade sobre as origens do coronavírus. Entre as hipóteses que acusam os Estados Unidos, a China ou os morcegos, a questão foi além da ciência para se tornar um elemento de confronto geopolítico, e sabe-se que a política e os fatos no Ocidente têm há muito tempo estado em hiato. E, se você ainda tiver dúvidas, lembre-se do financiamento americano e francês do famoso laboratório de Wuhan, bem ilustrado por Alberto Negri no jornal “Il Manifesto”, o que faria destes culpados de uma possível origem não-natural do vírus, e também do estudo, publicado pela Universidade de Cambridge, segundo o qual o vírus existe desde setembro, lançando dúvidas sobre a própria origem da pandemia. Estas duas informações, reconhecidamente, não estão obtendo o destaque que merecem. Talvez porque eles vão além da nova guerra de civilizações.
Se há uma coisa que a máquina de propaganda ocidental aprendeu com a Segunda Guerra Mundial é, de fato, o poder da demonização do oponente. A partir de então, os conflitos de guerra tornaram-se guerras sagradas, atrás das quais se escondem as ambições imperialistas dos Estados Unidos, com seu exército de aliados a reboque. A Guerra Fria foi uma invasão dessa estratégia de comunicação, que visa justificar e glorificar a guerra, seja ela realmente travada no terreno, mascarando seu envolvimento por trás de missões de manutenção da paz ou conflitos sombrios, como na Síria, seja economicamente, como na persistência das sanções contra o Irã. De fato, não devemos esquecer a importância estratégica de intelectuais como Hannah Arendt, que abriram o caminho para a equação, agora totalmente consolidada, entre nazismo e stalinismo. O apoio intelectual à luta contra a União Soviética foi tão importante que ocupou até mesmo a CIA, que criou uma rede de financiamento de distintos expoentes e órgãos culturais europeus e americanos.
Em suma, nas últimas décadas, os Estados Unidos transformaram a geopolítica em um filme da Disney, no qual o bem e o mal são colocados um contra o outro em uma luta pelo destino e pela alma de todos os seres humanos. Contudo, a realidade é muito mais complexa. Se a revolução não é um jantar de gala, a guerra de qualquer forma certamente não é um conto de fadas para crianças. Vimos isso com a guerra no Afeganistão contra o terrorismo internacional, e no Iraque com as armas de destruição em massa de Colin Powell, na qual o elefante na sala era a administração de recursos e a consolidação seu papel internacional como juiz, júri e carrasco. Não é por acaso que os grandes inimigos dos Estados Unidos e, portanto, da humanidade não são (por exemplo) a Arábia Saudita ou Israel, onde não há lugar para os direitos humanos, mas os países que desafiam abertamente a autoridade americana, questionando seu papel como poder econômico e hegemônico no mundo: China, Rússia, Irã, mas também a Síria e todos os países que, no Oriente Médio, escapam do controle americano. Hoje não há inimigo mais perigoso do que a China, que acompanhou o mundo em direção ao multipolarismo, e que, apesar das sanções e tentativas americanas de prender, mesmo literalmente, suas empresas (o caso Meng Wanzhou da Huawei é um exemplo) até o momento, é a verdadeira mestra da economia mundial.
Fonte: L’intellettuale Dissidente