Resposta a Olavo de Carvalho: o terrorista Brenton Tarrant era eurasianista?

Há poucos dias atrás Olavo de Carvalhou lançou mais uma de suas acusações absurdas e infundadas. Sem qualquer tipo de base empírica, resolveu afirmar que o terrorista que matou dezenas de pessoas na Nova Zelândia mês passado era “duguinista” e eurasianista.

Isso talvez não deva surpreender, já que Olavo de Carvalho trabalha corriqueiramente com injúrias, calúnias e difamações contra seus adversários, todas elas visando um verdadeiro assassinato de reputação, tática da qual ele sempre culpa seus adversários.

Não obstante, trata-se de uma sandice que merece resposta.

Em primeiro lugar, não existe “duguinismo”. Olavo inventou o termo para tentar rebaixar o Dugin ao seu nível de “guru” de seita. Mas simplesmente não existe, ao redor do Dugin, o mesmo fenômeno antropológico e sociológico que ao redor do Olavo.

Dugin, na prática, é apenas um pensador importante entre outros pensadores importantes, que é lido, estudado, debatido e criticado, por seus próprios seguidores, que o colocam no mesmo patamar de vários outros pensadores que também são lidos, estudados, debatidos e criticados em um exercício de investigação intelectual e construção de sínteses.

Já Olavo é o tipo de personagem curioso que utiliza das táticas schuonianas, ou de seitas em geral, para construir relações de dependência intelectual entre seus cultistas e ele. O que ele quer em seus discípulos é a “humildade” de dever “tudo” a ele e reconhecer isso, em uma verdadeira relação de guru esquisotérico e discípulos.

Não é apenas o grau de aptidão que vai permitindo a passagem para círculos mais internos do olavismo, mas também o grau de dependência emocional que o discípulo tem em relação ao Olavo. Não foram poucas vezes que já se viu discípulos do Olavo pedindo “bênção” para seus namoros, ou, de modo geral, se esforçando pateticamente para chamar a atenção de seu “mestre”. E também são conhecidas as histórias de que Olavo já até foi visto vestido de odalisca por um discípulo mais próximo.

Em segundo lugar, Olavo sabe e confia que seus discípulos não vão se dar ao trabalho de ir até o Manifesto do terrorista neozelandês para lê-lo e verificar se há ou não há alguma menção ao Dugin, à Quarta Teoria Política ou ao Eurasianismo.

Isso é normal, e faz parte de seu modus operandi. É comum ele citar obras que nunca leu ou então dar interpretações equivocadas de obras que leu, já que ele sabe que seus discípulos não se darão ao trabalho de ir às fontes checar.

Para um olavete não adiantaria se simplesmente afirmássemos que não há qualquer menção ao Dugin, à Quarta Teoria Política ou ao Eurasianismo. Um olavete inventaria mensagens subliminares, ou diria que o conteúdo é o mesmo, mesmo estando ausente menções específicas.

Mas a leitura do texto mostra contradições insolúveis entre o pensamento do terrorista e o pensamento de Dugin. O terrorista, em seu Manifesto, defende a OTAN como um “exército europeu unificado”, situação conspurcada pela adesão da Turquia ao pacto. O único problema do terrorista com a OTAN, é o fato da Turquia ser parte dessa aliança.

Ora, sabemos que a OTAN existe fundamentalmente para garantir os interesses dos EUA na Europa, de modo a cercar e antagonizar a Rússia. Talvez o terrorista esteja entre a miríade de neonazistas racistas que acham que a Rússia é um “império asiático”, povoado por “hordas bárbaras” que precisa ser contida pelos povos europeus, para que estes não sejam conquistados. De todo modo, nada poderia estar mais longe do pensamento eurasianista de Dugin, por definição.

Dugin, apesar de defender o direito ao orgulho étnico de cada povo e de ser um crítico contumaz das migrações em massa, simplesmente não é um “nacionalista branco” ou um “separatista branco”. Ao contrário, ele tem estado há anos em embates intelectuais polêmicos contra certos nacionalistas russos que gostariam de fragmentar a Rússia segundo fronteiras raciais e étnicas ou que gostariam de expulsar da Rússia grupos étnicos asiáticos ou muçulmanos alguns dos quais habitam as regiões russas há milênios.

O conteúdo do manifesto do terrorista, por exemplo, torna evidente que ele acha que povo e raça são sinônimos, de modo que ele REALMENTE acha que ele, pelo mero fato de ser branco, mesmo sendo australiano, pertence à mesma cultura que um alemão ou um francês. Novamente, nada poderia estar mais longe do pensamento de Aleksandr Dugin. Ao tomar a “raça” como o elemento central da política, o seu sujeito, Brenton Tarrant se insere plenamente dentro dos limites da Terceira Teoria Política e dentro de um dos projetos político-filosóficos da modernidade.

Já Dugin há muitos anos tem trabalhado com a ideia de que os vários povos, mesmo os pertencentes aos mesmos agrupamentos raciais, constituiriam entes fundamentalmente singulares, dotados de sua própria expressão coletiva do Dasein (conceito heideggeriano central no pensamento político de Dugin). De modo extremamente simplificado, cada povo possui seu próprio modo de ser no mundo que o constituiria enquanto tal. A existência de maior proximidade e parentesco entre alguns povos não faz com que estes povos deixem de ser povos diferentes.

Brenton Tarrant, por exemplo, aparentemente não acredita que migrações em massa de pessoas da raça branca para países europeus que não o seu próprio ou de seus ancestrais poderia causar qualquer problema. Mas a Europa conta já com várias dezenas de grupos étnicos europeus que deixaram de existir precisamente por conta das migrações em massa de outros grupos étnicos europeus.

O mundo ideal de Brenton Tarrant talvez comportasse a amalgamação de todos os povos da raça branca em uma única massa amorfa, desenraizada e nivelada, consumidora dos fetiches plastificados da indústria cultural americana (mas de uma “indústria cultural americana branca”, claro). Já o pensamento de autores da Quarta Teoria Política como Aleksandr Dugin e Alain de Benoist não, ao contrário.

Um artigo do site de propaganda olavete Senso Incomum traz outros supostos indícios de “eurasianismo” do Manifesto. Nenhum deles possui qualquer sustentação, naturalmente. O site chega ao nível ridículo de tomar a afirmação literal do terrorista, de que ele não tem nada contra os judeus (a qual foi interpretada nos meios antissionistas ao redor do mundo como significando que o terrorista era, no mínimo, simpatizante do sionismo) como sendo uma declaração de antissemitismo!

Como exatamente a afirmação absolutamente clara do terrorista de que “um judeu vivendo em Israel não é meu inimigo, desde que não almeje subverter ou prejudicar meu povo” pode ser retorcida para significar antissemitismo? Bem, perguntem a algum olavete.

O texto do Senso Incomum segue projetando outros elementos inexistentes no manifesto do terrorista, como o “paganismo” (cuja conexão com a QTP também não compreendemos, já que seu principal autor é cristão ortodoxo).

Em suma, torna-se absolutamente impossível traçar uma conexão entre o terrorista neozelandês e o pensamento político de Dugin. E Olavo sabe disso claramente, ainda que seus seguidores realmente acreditem na conexão. A questão para Olavo se trata de fazer assassinato de reputação para evitar o crescimento no Brasil daquilo que ele mais teme: o pensamento de Dugin.

Esse exercício nós também poderíamos fazer e traçar uma conexão entre o olavetismo e Brenton Tarrant.

Afinal, não é verdade que Brenton Tarrant foi ao Paquistão e lá ficou hospedado em um hotel pertencente aos ismaelitas nizaris durante o período em que planejava o atentado? Não é verdade que existe há muitas décadas uma relação de proximidade e admiração dos membros da tariqa Maryamiyya, da qual Olavo fez parte por muitos anos, por Aga Khan, líder dos ismaelitas?

Poderíamos seguir essa linha para traçar uma conexão entre o “ex”-perenialista Olavo de Carvalho e esse terrorista que foi hóspede de uma organização esotérica internacional cujo líder é praticamente considerado um “Messias” pelos líderes da tariqa Maryamiyya…

Afinal, há mais evidências de uma conexão aí do que de uma conexão com Dugin.

Olavo de Carvalho, seu teto é de vidro.

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Nova Resistência
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