Formulada pela primeira vez no século XIX, a ideia do Intermarium só se materializou durante o período entre guerras, antes de ser totalmente esquecida após a vitória dos Aliados. Reapareceu durante o colapso do bloco soviético e, atualmente, é ativamente apoiada pelos Estados Unidos e por uma facção minoritária da extrema-direita europeia.
Intermarium: uma velha ideia
A ideia de uma aliança ou confederação das nações da Europa Central, da costa do Mar Báltico aos Bálcãs, objetivando fazer oposição à Rússia e à Prússia, surgiu no século XIX, mas permaneceu apenas como uma perspectiva geopolítica por conta da ausência de condições políticas ou por não haver um Estado capaz de sustentá-la. No entanto, foi adotada pela nacionalista polonês Józef Piłsudski que, em 1904, durante a Guerra Russo-Japonesa, chegou a solicitar o apoio japonês para implementá-la – ao que os japoneses responderam com indiferença. A conclusão da Primeira Guerra Mundial, no entanto, com a independência da Polônia, deu a Piłsudski o posto supremo de poder (que ele a ocupou entre 1918-1922 e 1925-1935). Foi então que ele tentou, em vão, forjar uma aliança de nações soberanas, do Mar Báltico ao Mar Negro, com a finalidade de se opor à União Soviética e ao Renascimento Alemão, como também de se consolidar como um fiel aliado das potências da Europa Ocidental. Paralelamente, ele desenvolveu a doutrina do Prometeísmo, que consistia no apoio e suporte a todas as minorias nacionais que pudessem contribuir com a desintegração da URSS.
A recapitulação da ideia
A ocupação da Polônia pela Alemanha nacional-socialista e pela Rússia comunista, bem como a integração do país ao Bloco Oriental, não puseram fim à mitologia do Intermarium. No início da Segunda Guerra Mundial, imigrantes poloneses criaram um núcleo propagandístico nos Estados Unidos em prol de uma federação dos países entre os dois mares, e em Paris, nos anos 1960-1970, a ideia do Intermarium foi defendido por Jerzy Giedroyć, que presidiu o jornal Kultura, para emigrantes poloneses.
A oposição anti-soviética polonesa agarrou-se a tal ideia e, em setembro de 1981, a primeira conferência de delegados do Solidarność declarou-se favorável ao Intermarium. O projeto, então, passa a ser defendido principalmente por personalidades marginais da direita nacionalista, como Leszek Moczulski, principal líder da Confédération pour une Pologne indépendante. Mais tarde, o partido dos irmãos Kaczynski explorará ativamente o tema do Intermarium durante a campanha eleitoral de 2005.
Nos últimos anos, a Iniciativa Três Mares se constitui a partir de semelhanças perturbadoras, não aleatórias, com a noção de Intermarium do período entre guerras, uma vez que, em seu projeto, reúne doze Estados bálticos nos Bálcãs. Sua reunião de fundação ocorreu em agosto de 2016, em Dubrovnik, e sua segunda reunião em Varsóvi,a em 2017, foi brindada pela presença de Donald Trump.
Os Estados Unidos conscientes de seus interesses
Sua presença não foi insignificante e os Estados Unidos sempre perceberam o potencial do Intermarium.
Já na Segunda Guerra Mundial, os EUA apoiaram as atividades do núcleo propagandístico pró-intermarium instalada em seu território e, durante a Guerra Fria, seus serviços secretos usaram amplamente das redes prometeístas remanescentes para realizar ações de espionagem e sabotagem contra a URSS.
O regresso de Vladimir Putin ao poder na Rússia reanimou os interesses em torno do Intermarium, e George Friedman, fundador e diretor do importante centro de estudos privado americano Stratfor, declarou abertamente, em comunicações e artigos publicados entre 2015 e 2017, suas perspectivas sobre o tema:
“O ponto principal, em todo caso, é que os Estados Unidos estabeleçam um cordão sanitário em torno da Rússia […] Para os Estados Unidos, o principal objetivo é impedir que o capital e as tecnologias alemãs se unam aos recursos, às matérias-primas e à força dos trabalhadores russos em uma combinação coerente. E os Estados Unidos contam com um trunfo e estão preparados para impedir essa combinação: trata-se da linha que conecta o Mar Báltico ao Mar Negro […] O objetivo do Intermarium é conter qualquer progresso da Rússia em relação ao Ocidente”
O mesmo George Friedman também enxerga no Intermarium outro aspecto de interesse: o de retomar a União Europeia e enfraquecer a Alemanha.
Resumindo tudo em termos geopolíticos, podemos estabelecer que o Intermarium não é meramente um projeto anti-russo, mas sobretudo anti-continental, anti-telurocrático e, portanto, um projeto atlantista e talassocrático.
Essa é a análise de Alexandros Petersen, analista geopolítico ianque contemporâneo, para quem o Intermarium é uma “doutrina tipicamente atlantista, que funciona como alternativa à política de contenção de George Kennan”. Petersen define-o nos termos de um “engajamento estratégico” dos “muitos povos eurasianos cativos sob a órbita russa”. Para ele, o conceito de Intermarium é compatível com as ideias de Halford Mackinder a respeito da criação de uma miríade de Estados fantoches ao redor do território russo, e com as teses de Zbigniew Brzezinski sobre uma desejável fragmentação da Rússia.
O Intermarium visto a partir da extrema extrema-direita
Enquanto a própria ideia de Intermarium, mitologia fundamentalmente hostil à Europa Continental e à Eurásia, bem como apoiada pelos Estados Unidos, isto é, pelo principal inimigo dos nossos povos, poderia provocar náuseas em todos os nacionalistas europeus, curiosamente, alguns se declaram favoráveis a mesma, atuando lado a lado, consciente ou inconscientemente, com o Tio Sam.
Ao passo que a noção do Intermarium como horizonte diplomático e oficialista sempre foi defendida pelo governo polonês, é a extrema-direita ucraniana a grande responsável por uma abordagem mais militante do mesmo desde 2016. Por iniciativa do parlamentar ucraniano Andriy Biletsky, principal líder do Partido National Corps e fundador do Batalhão Azov, foi criado naquele ano o Grupo de Apoio ao Desenvolvimento do Intermarium, que realizou sua primeira reunião em Kiev, em 2 de julho de 2016, bem como uma segundo no mesma cidade, em 27-28 de abril de 2017. O segundo dia da reunião de 2017 é de longe o mais interessante para nós, uma vez que, seu título genérico de “conferência pan-europeia”, bem como seu slogan “Hoje a Ucrânia, amanhã, a Rússia e toda a Europa”, tornam possível compreender a variante do Intermarium definida na ocasião, assim como os grupos europeus que lhe prestaram apoio.
O projeto do Intermarium, defendido pelo Partido National Corps, pelo Batalhão de Azov e pelo Grupo Apoio ao Desenvolvimento do Intermarium, não se limita, como seu nome sugere, à união dos Estados existentes entre o Mar Báltico e Negro. Trata-se, na verdade, de uma União Europeia alternativa, com fronteiras mal definidas e baseada em uma ideologia amplamente inspirada no nacional-socialismo e hostil à Rússia. Enquanto que o tradicional projeto do Intermarium apenas estabelece a região do Mar Báltico-Negro como núcleos de defesa em um ponto de vista militar e diplomático, o Partido National Corps, o Batalhão de Azov e o Grupo Apoio ao Desenvolvimento do Intermarium desejam construir uma sociedade à parte para servir de trampolim para uma revolução nacionalista na Europa.
Com exceção do Partido National Corps, uma coalizão eleitoral que provavelmente representa cerca de 10% do eleitorado ucraniano, todos os outros aliados do projeto Intermarium têm pouca influência, na melhor das hipóteses, ou não passam de grupamentos lunáticos, na pior.
Com base nos movimentos representados em Kiev em 28 de abril de 2017, podemos delinear dois grupos, primeiros o formado por países tradicionalmente agrupados na noção de Intermarium: Nordisk Ungdom (Juventude Nórica) pela a Suécia; Generacija Obnove (Geração da Renovação) pela a Croácia; os grupos Szturm e o Niklot (Associação pela Tradição e Cultura Niklot, um grupo neo-pagão) pela Polônia; o l’Union nationaliste lituano e ala da juventude do Partido Conservador Popular da Estônia. No outro grupo, temos a presença surpreendente de franceses (o GUD, junto com ex-membros antigo Mouvement d’action sociale) e dos italianos da CasaPound e de várias outras iniciativas ligadas a Gabriele Adinolfi (la Guilde des Lansquenet e o think-tank EurHope), que numa mensagem dirigida à Conferência, declaram: “Consideramos o Intermarium um verdadeiro passo rumo ao renascimento dos nossos povos”. E finalmente, e ainda mais surpreendentemente, militantes oriundos de países contra os quais o Intermarium é diretamente dirigido também apoiam a iniciativa: Dritte Weg (Terceira Via), pela a Alemanha, e Centro Russo e Juventude Wotan pela Rússia.
No passado, Jean Thiriart falou sobre as “vias postais internacionais”: estamos muito perto disso. O fato é que a o uso do terceiro-posicionismo como ponta de lança, por parte dos EUA e do imperialismo, não é nada além de trabalhar contra a verdadeira unificação continental – as suspeitas de que pessoas ligadas a Operação Gládio estarem envolvidas com tudo isso é enorme. E no final, tudo isso deve ser ao menos denunciado e, mais do que isso, combatido por todos os meios necessários.