Seguindo seu itinerário político-revolucionário de inserção nos círculos anti-UE, anti-establishment, eurocéticos e radicais das mais diversas matrizes e vertentes, o professor Aleksandr Dugin visitou recentemente a Itália, palco de um recente giro em suas instituições de poder, com a ascensão do governo Lega-M5, de orientação populista e antiliberal (leia nossa análise sobre as eleições parlamentares italianas aqui).
Dugin participou de uma conferência acadêmica ao lado do pensador marxista Diego Fusaro e do gerente cultural da CasaPound, Adriano Scianca, tendo o Populismo como plataforma temática (veja aqui e aqui), bem como de um evento sobre seu livro Putin vs. Putin, na sede da CasaPound, em Roma, ao lado de nomes como Alberto Palladino, Simone Di Stefano (líder do movimento), Giulietto Chiesa e Maurizio Murelli.
Abaixo, segue a tradução de uma entrevista concedida por ele ao jornalista do HuffPost Italia Luca Steinmann, onde Dugin fala abertamente sobre o alcance de sua influência sobre a figura de Vladimir Putin, sobre a gênese de sua Quarta Teoria Política, o momento multipolar e sobre o emergente fenômeno do Populismo na Europa.
Professor Dugin, na Itália, você é muitas vezes visto como ideológico e embaixador de Putin. Isso está correto?
Eu não represento Putin, represento o povo, o Estado e a cultura russa. Sou um filósofo que trabalha no campo das ideias – ideias que, por sua vez, respingam diretamente na dimensão prática da política. A filosofia não é possível sem a política e vice-versa (não podemos organizar uma sociedade despida de ideias). Minha tarefa é canalizar o ideário russo para o mundo concreto.
Por mais de 30 anos, tenho trabalho sobre tal ideário: publiquei mais de sessenta livros, em dezenas de idiomas, tudo isso antes de Putin, quando ele ainda era um agente da KGB. Nos anos 80, me deparei com o tradicionalismo e com as teses da Revolução Conservadora, que comecei a aplicar à geopolítica russa, formulando teorias acerca do resgate de uma soberania imperial. Por essa razão, na União Soviética, eu era considerado um dissidente à direita, enquanto que, na década de Yeltsin, fui completamente banido da vida pública por conta de minhas ideias. Foi durante esse período que elaborei minhas concepções anticomunistas, mas também antiliberais. Naquele tempo, a queda da União Soviética havia deixado uma enorme lacuna ideológica e axiológica nas instituições e no Exército. Assim, desde 1991, comecei a tentar preencher essa lacuna, difundindo minhas teses nos círculos do Estado Maior e do Exército russo. Eu explicava aos militares o motivo do Ocidente ter continuado a pressionar a Rússia mesmo depois do fim da Guerra Fria, e por que era necessário forjar um ideário geopolítico russo fundado no conceito de Eurásia, e que não derivasse de nenhuma escola de pensamento ocidental. Então, quando Putin chegou ao poder, apesar de ser politicamente contíguo a Yeltsin, ele acabou sendo influenciado por esses elementos que eu havia semeado, e começou a encarnar minha visão da geopolítica, bebendo da fonte das minhas teorias: ele começou a promover a união euro-asiática e a defender a soberania dos povos, mas sem recair em um nacionalismo do século XIX, me deixando livre para aparecer na televisão e para realizar reuniões públicas.
Essa é a influência que tenho sobre ele. Uma influência racional sobre um homem realista, que compreendeu a validade de minhas teorias no sentido de garantir um posto digno para a Rússia no mundo, bem como para fazer frente às pressões ocidentais.
Alguns me consideram conselheiro de Putin, mas isso não é verdade. Porém, minha influência sobre ele é muito mais forte do que a influência que há entre duas pessoas com um relacionamento direto e afetivo. O que o Ocidente não entende, porém, é que Putin não é guiado por princípios dados, mas pelo pragmatismo da realpolitik.
Explique-nos então a visão que Putin tem da Rússia, da Europa e do mundo. Até que ponto sua política internacional reflete as ideias teorizadas por você?
A concepção que compartilhamos diz respeito à superação das ideologias do século XX, tanto em termos de valor quanto em termos geopolíticos, em prol do que tenho chamado de Quarta Teoria Política (que é a última etapa do desenvolvimento do meu pensamento). Sua gênese remonta aos tempos da União Soviética, quando comecei a ser influenciado pelas teses tradicionalistas de Julius Evola e René Guénon. Com o advento do liberalismo na Rússia, me dei conta de como o comunismo era melhor que o liberalismo e, então, desenvolvi uma crítica antiliberal que recapitulava a crítica do capitalismo originada tanto na direita quanto na esquerda. Naqueles anos, uma mentalidade – muito forte no Ocidente hoje – estava se espalhando pelo mundo, que combinava ideias de esquerda (me refiro ao chamado “marxismo cultural”) com as doutrinas econômicas liberais. Eu, por outro lado, queria fazer exatamente o oposto: convergir teorias sociais da esquerda econômica com os valores tradicionais. Foi então que, juntamente com Eduard Limonov, fundei o Partido Nacional-Bolchevique Russo para promover tal Weltanschauung. Depois de alguns anos, no entanto, me separei de Limonov e de seu egocentrismo para aplicar os ideais do nacional-bolchevismo à geopolítica. Foi nesse momento que cheguei à Quarta Teoria Política e às ideias que Putin absorve hoje.
Não se trata de combinar direita e esquerda, mas de superar essas categorias. Precisamos superar as três grandes ideologias do século XX – fascismo, comunismo e liberalismo – para chegar a uma quarta dimensão. Para tanto, é necessário criticar radicalmente a modernidade, superando até mesmo a ideologia dos direitos humanos, mas sem jamais cair no fascismo ou no comunismo. Todas as três ideologias do século XX são ocidentais, eurocêntricas e modernas, de modo que o que eu viso é a redescoberta dos valores pré-modernos presentes nas grandes civilizações, tanto orientais quanto ocidentais. A aplicação de tais concepções à geopolítica se traduz na promoção de uma visão de mundo multipolar, que Putin adotou.
Você acha que a visão multipolar de Putin pode ser conciliada com as demandas do Ocidente no cenário internacional?
O Ocidente promove uma visão do mundo globalista e unidimensional. De acordo com o multipolarismo e com a Quarta Teoria Política, no entanto, não existe uma Civilização Única, mas muitas civilizações independentes, distintas, cujo desenvolvimento é irredutível. Não se pode, portanto, julgar uma como melhor ou pior que outra. É por isso que a Quarta Teoria Política e o multipolarismo não reconhecem uma História Universal válida para todos os povos e culturas, pois não aceita a validade de um único Estado globalista que governa todos os povos e culturas, como projetam as elites ocidentais.
Você tem ciência de que, no Ocidente, essas ideias são muitas vezes difundidas pela extrema-esquerda, mas muito mais pela extrema-direita?
A extrema-esquerda e a extrema-direita são simulacros do século XX, ainda atadas ao conceito de nação do século XIX. Mas o Estado-Nação deve ser superado pelo conceito de Civilização, como Samuel Huntington já havia entendido no início dos anos noventa. É necessário superar a Vestfália e reconhecer a multiplicidade, na esteira do conceito heideggeriano de Dasein, que é o pré-requisito necessário para o reconhecimento das diferentes civilizações. Heidegger criticou o liberalismo e o comunismo, mas também – e de modo profundo – o nacional-socialismo, que ele acusou de ser racista e mecanicista. A Quarta Teoria Política não é uma mera Terceira Via entre o liberalismo e o comunismo. Com isso, ressalto minha crítica e meu ataque ao fascismo, ao nacionalismo e as suas expressões racistas, que têm servido como instrumentos do colonialismos eurocêntrico por parte do Ocidente, que usa destas para minar o desenvolvimento independente das diversas civilizações. Hoje, esse fascismo não tem lugar no Ocidente: diferente do Populismo, que é um fenômeno fundamental.
Em sua opinião, quais são as diferenças entre o Populismo atual e o nacionalismo do passado?
O Populismo é uma reação às elites globais e liberais que não se origina em nenhuma ideologia do século XX – nem no comunismo, nem no fascismo. Ao invés disso, se origina no Povo, que podemos definir como uma nova categoria política e ideológica. O Populismo funde a pauta da justiça social com a demanda por um retorno aos valores conservadores: não está nem à esquerda e nem à direita – é simplesmente antiliberal. Deve ser compreendido como uma categoria que transcende a direita e a esquerda. É a reação contra a elite por parte de um Povo que emerge como protagonista – e que também, diga-se de passagem, é o protagonista da Quarta Teoria Política.
Se o Populismo é o protagonista da Quarta Teoria Política e do multipolarismo, então o novo governo italiano poderia assumir um lugar relevante aos olhos da Rússia?
A Itália é hoje a vanguarda geopolítica da Quarta Teoria Política. A formação de um governo que une a Lega e o Movimento Cinco Estrelas é o primeiro passo histórico para a afirmação fática do Populismo, bem como para a transição para um mundo multipolar. Eu não vejo uma estratégia clara por trás desse governo. Vejo, sim, uma reação correta e justa contra a dominação das elites transnacionais por parte do Povo, que encontra expressão nesse novo Executivo. Direita e esquerda se uniram para criar essa nova identidade política que, inevitavelmente, é tida pela Rússia de Putin com confiança. É um passo decisivo para a Quarta Teoria Política e para a morte de Soros.
Você acha que o caso italiano poderia representar um precedente para outros populismos no mundo?
A Itália não é um caso isolado. Não nos esqueçamos do caso Trump, um personagem que inicialmente superestimei, mas que, no fim, expressa claramente esse sentimento de protesto contra as elites globalistas. Trump está deixando claro como o Deep State americano é muito mais poderoso do que ele gostaria de admitir publicamente, e de como o mesmo não quer, por exemplo, se desvincular da Síria como ele havia prometido. Não podemos esquecer também de algumas outras expressões populistas na Alemanha, como o partido Alternative für Deutschland, que catalisa um descontentamento generalizado e que se ramificada, e especialmente da França, onde, caso os dois principais movimentos Populistas – Le Pen à direita e Mélenchon à esquerda – se unissem, se transformariam na principal força nacional.
Na França, por exemplo, esquerda e direita se uniram várias vezes à chamada Front Républicain para impedir a consolidação da família Le Pen, em nome da defesa dos valores democráticos e do antifascismo. Como você julga o conceito de antifascismo?
Julgo como algo equivalente ao anticomunismo. Ambos são duas ferramentas sorrateiras de manipulação, que visam evitar a afirmação do Populismo. Se os populistas são antiliberais e o antifascismo é um baluarte contra os populistas, então, automaticamente, ele se torna um baluarte da defesa do liberalismo, das elites globalistas e do terrorismo propagandístico de Soros. O antifascismo é utilizado pela esquerda para demonizar seus oponentes e empurrá-los para o gueto do fascismo, tal como o anticomunismo é um instrumento da direita para atacar aqueles que lutam pela justiça social. O antifascismo e o anticomunismo são modalidades políticas que visam suprimir a justa revolta dos povos contra o Pensamento Único. Eu não nutro qualquer sentimento nem pelo fascismo e nem pelo comunismo. Mas o antifascismo e o anticomunismo são muito piores.
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