Após do colapso dos “grandes narrativas” de que falava Jean-François Lyotard, a ideologia dominante passou a ser uma mistura de liberalismo econômico e liberalismo social, legitimada pela temática dos direitos subjetivos. Dito de outra maneira, a sociedade de mercado e os direitos humanos como a nova religião civil de nosso tempo.
Apoiando-se no utilitarismo e na axiomática da vontade, o tipo antropológico que promove semelhante ideologia é o indivíduo narcisista, que procura constantemente a maximização de suas vontades e a obtenção de um correlato institucional para os seus desejos. Tal ideologia engloba a quase totalidade do campo político.
Ao longo dos últimos trinta anos, a direita abandonou a nação e a esquerda fez o mesmo com o povo: ambas passaram a demonizar todos os grandes projetos coletivos potencialmente opositores ao liberalismo globalizado. A consequência é a quase morte do pensamento crítico. A mensagem implícita de todos os meios de comunicação social é que os modelos de organização social atuais constituem a forma definitiva da evolução política da humanidade, que “o Estado de Direito” representa o horizonte insuperável “da democracia”, e que as “desigualdades ontológicas” (o “sexismo”, o “racismo”) são muito mais importantes que as desigualdades sociais – que é necessário, antes de tudo, lutar contra as “ideias arcaicas” e os “preconceitos”, e que o modelo do mercado é o paradigma definitivo de todas as realizações sociais.
A introjeção de tais ideias, por parte do cidadão, que tem a função de fazê-lo imaginar futuro apenas na perspectiva desta fatalidade, agrava, naturalmente, o desespero: se qualquer tentativa de se emancipar do sistema existente está condenada a priori (como utópica, antidemocrática, senão totalitária), que outra escolha não é possível, o que fazer a não ser sofrer e se resignar? Na ausência de alternativas, constatamos apenas alternâncias. E uma alternância não é nem de longe uma alternativa. Mas a história continua em aberto.