100 anos após a Revolução Russa, várias pesquisas de opinião, realizadas nos antigos países membros do Pacto de Varsóvia, apontam que parte considerável da população destes países sente falta de um certo número de coisas do passado – e acha que, hoje, as coisas estão piores agora.
Isso não deveria surpreender, e é muito fácil de se compreender. Durante décadas, tais pessoas viveram em um sistema que garantia oportunidade de trabalho e os meios de sobrevivência, além de promover um forte senso de solidariedade e, até, de identidade.
De certa forma, o mesmo muro que cortava o acesso a algumas coisas possivelmente boas, também servia como represa para males dos quais essas pessoas não tinham noção até então. Para todos os efeitos, bem podia ser só “propaganda do governo”.
Mas o muro caiu, a represa se rompeu, e todos os males que estavam na caixa de Pandora se espalharam também pelo leste da Europa.
O capitalismo que se desenvolveu na América do Norte e na Europa Ocidental, após a SGM, era uma outra coisa. Na verdade, por 45 anos, os ocidentais haviam vivido sob social-democracias com amplos direitos trabalhistas e benefícios sociais e previdenciários.
O capitalismo que desembarcou no leste europeu, porém, era do tipo mais selvagem, pirata, saqueador e expropriador já visto até então: incontáveis bens públicos foram vendidos para mafiosos do mercado negro, burocratas tecnicistas pró-ocidente dos antigos governos e multinacionais estrangeiras, tudo por, às vezes, 10% de seu valor real. Funcionários públicos foram demitidos aos milhões. Benefícios e direitos cortados, e por aí vai. O típico receituário capitalista monetarista.
O resultado, muito naturalmente, foi quase uma década de recessão na maioria desses países. Em alguns deles, a recessão segue até hoje, quase 30 anos após o fim da Guerra Fria. E o resultado humano? Suicídios disparando, abortos disparando, uso de drogas descontrolado, AIDS em ascensão, prostituição em ascensão, criminalidade inaudita, cidades se degradando, prédios em ruínas.
Por mera questão de comparação, então, é natural que quem viveu os dois mundos prefira o antigo, com todos os seus possíveis problemas, insuficiências e injustiças. As coisas pioraram.
Mas não é por isso que esses povos almejam retornar ao passado. A história não se repete, senão como tragédia ou farsa. E os povos que viveram as crises das ideologias da modernidade não querem tragédias para além daquelas que já vivenciaram.
Eles querem as coisas boas do passado e as coisas boas do presente, sem os erros e problemas pelos quais já sofreram. Eles querem algo novo, algo melhor. Pessoas reais não são fetichistas insanas ou membras de seitas políticas bizarras ocupadas com um culto ao passado.
O que isso representa, exatamente, pode variar segundo cada povo, mas provavelmente envolve algo de patriotismo, algo de socialismo, algo de religiosidade e algo de tradicionalismo. Porque tudo isso é, simplesmente, aquilo que a maioria das pessoas normais e razoáveis almejam. A esquerda enfrenta avalanches de derrotas por sua incapacidade de compreender essa verdade. A direita, idem.
Não adianta ficar tentando reencenar o passado. O povo não está interessado em viver um conto de ficção fantástica. As ideologias modernas já tiveram suas chances e falharam. O povo quer algo novo. Esse algo ainda se encontra no horizonte como algo potencial. Já se expressou em algumas experiências históricas, mas ainda falta muito para a obra completa. O que foi feito até agora ainda é insuficiente.
O cadáver da modernidade ainda está estrebuchando e fazendo sujeira enquanto morre. É necessário dar o golpe de misericórdia.