A Fifa é uma instituição comandada por oligarcas do setor financeiro, tal como a CBF. E as presidências dos clubes regionais não ficam atrás. Isso, é claro, falando em termos internacionais. Afinal, não é segredo para ninguém que, dentro do marco do capitalismo, o futebol é um grande negócio, que encorpa toda uma rede de poder – que vai desde megaeventos superfaturados com dinheiro público a esquemas francos de suborno e tráfico de influência. Na Europa, por exemplo, uma quantidade substancial de clubes vêm mantendo relações econômicas cada vez mais profundas com sheiks árabes do petróleo, ou seja, vêm recebendo aportes financeiros daqueles que figuram entre os piores criminosos de nosso tempo.
Todos sabem disso. Todos sabemos disso.
Mas o futebol existe numa dimensão social e existencialmente transcendente à corrupção (legal e ilegal) do capitalismo. Em alguns países (como na maioria dos países latino-americanos), ele representa um phatos pátrio e popular, como temos afirmado exaustivamente. E é através dele que, mesmo que no nível da eventualidade, as massas vêm expressando um sentimento autêntico de patriotismo. Não é à toa, por exemplo, que o desporto russo (especialmente o desporto olímpico) seja alvo de tantos ataques por parte da comunidade internacional: atacar o desporto russo é uma forma de atacar o patriotismo russo (que se expressa por meio do esporte), e atacar o patriotismo russo é, fundamentalmente, atacar a autoestima, a identidade e o orgulho do povo russo – já que, para a casta dominante liberal, “autoestima” deve ser medida pelo grau de submissão de um país ao capital estrangeiro, “identidade” é sinônimo de cosmopolitismo e Sociedade Aberta e “orgulho” um mero sentimento retrógrado e ultrapassado.
No pós-liberalismo, acima de tudo, o que está em jogo é se os povos irão ou não ser engolidos pelo esquema global de ocidentalização, de anexação das diversas pátrias e povos à civilização global ocidental, governada por uma dúzia de magnatas e megacorporações. E por esse motivo, toda forma de afirmação da identidade de um povo deve ser concebida como uma forma autêntica e legítima de resistência – seja pela via desportiva, por meio de conquistas científicas e tecnológicas ou através da ação política direta.
Porque, se a massa popular brasileira é capaz de emular um sentimento de unidade, de coesão, durante a Copa, então radicalizar esse sentimento para outros âmbitos da sociedade segue sendo uma possibilidade – já que um pouco de identidade é melhor do que nenhuma identidade.
Que a esquerda antibrasileira e a direita engomadinha, com suas gravatas borboletas, chore e esperneie: o futebol é a tradução de uma camada densa da alma do povo. E se a grande maioria dele só se lembra disso de tempos em tempos, a tarefa dos autênticos patriotas e socialistas só pode ser uma: afirmar a identidade diariamente, radicalmente, em toda a sua amplitude, como fato existencial.