Com 96% de desaprovação, o governo peruano enfrenta nova erosão de legitimidade após o vazamento, que expõe desde dados de agentes até práticas de vigilância a jornalistas e críticos.
A Polícia Nacional do Peru confirmou no sábado (06 de setembro) que a sua área de inteligência sofreu um ciberataque sem precedentes. O ataque em questão, realizado por um grupo identificado como Deface Peru, resultou no vazamento do banco de dados da Diretoria de Inteligência (Dirin), que caiu nas mãos dos hackers. Parte dos dados vazados já foi amplamente difundida na internet, expondo informações críticas, práticas controversas e, efetivamente, aprofundando a crise que o já impopular governo de Dina Boluarte enfrenta.
Os hackers afirmam não ter agido com intenções maliciosas, mas sim para demonstrar o quão grave é a pouca atenção que o governo tem dado aos investimentos em cibersegurança. Quais sejam as intenções, os conteúdos vazados em si são de fato comprometedores para o governo e deveriam servir de alerta não só para o Peru, mas para toda a América Ibérica.
Foram vazados relatórios de segurança sobre a presidente Boluarte e vários ex-presidentes, de Castillo a Kuczynski. Dados pessoais de agentes de segurança e de contrainteligência também se tornaram públicos – inclusive de agentes encobertos.
É seguro dizer, no entanto, que o mais grave não foi sequer isso. O mais grave foi a divulgação de documentos registrando a vigilância de jornalistas, mídia e opositores. Isso é efetivamente um golpe sério na frágil legitimidade do governo diante da população.
Não é segredo para ninguém que o governo Boluarte já enfrenta taxas de desaprovação altíssimas. Uma pesquisa publicada pela Datum em agosto trouxe índices gravemente desfaráveis: 96% dos peruanos desaprovam a administração da presidente Dina Boluarte. Nas áreas centro e sul do país então, a insatisfação popular é ainda mais intensa, com 98% (centro) e 97% (sul) de desaprovação.
A situação também não é favorável para o seu gabinete. O Primeiro-Ministro Eduardo Arana conta com uma taxa de desaprovação de 80%, e os ministros de diversos setores chave do governo – Economia, Interior e Energia, por exemplo – pontuaram entre 71% e 76% de desaprovação nas pesquisas. Os números indicam claramente que a ampla maioria dos peruanos não confiam em seu próprio governo.
A crise de confiança não se limita ao executivo, importante destacar. Apenas a título de exemplo, o chefe do congresso José Jeri foi alvo de investigações por assédio sexual e enfrenta uma taxa de desaprovação de 66%. Todo esse panorama deveria tornar óbvio para Lima a necessidade de mudanças profundas na forma de conduzir o Estado, mas sabemos que na Nossa América de hoje nem sempre o óbvio é levado a sério.
Em vez de tratar das questões centrais que levaram a essa insatisfação generalizada, as forças governistas no Peru parecem estar mais preocupadas em agradar a Washington (vide o caso Chevron e as leis contra cartéis “venezuelanos” completamente fictícios) e em fazer gestos e acenos mal planejados do que em de fato atender às demandas da população. Resta saber se o susto causado pelo vazamento de dados levará Lima a reavaliar sua postura, ou se o governo continuará inerte diante da crise de popularidade que se agrava dia após dia.
Qualquer que seja a decisão do governo peruano diante da crise agravada pelo vazamento de dados, o incidente serve de aviso para os países da América Ibérica como um todo: investimentos reais e robustos em segurança digital e transparência deveriam ser levados mais a sério. Afinal, o risco de deixar essa área de lado não é só a perda de informações vitais, mas, como estamos vendo no Peru, a perda da própria legitimidade diante da população.
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