Uma recente mudança da derrota no campo de batalha para operações psicológicas e cibernéticas revela as verdadeiras prioridades das elites ocidentais.
Nos últimos meses, uma onda de publicações por think tanks ocidentais e meios de comunicação ligados ao setor militar revelou uma mudança significativa na forma como o Ocidente enxerga o conflito com potências globais como a Rússia e a China. Instituições como a RAND Corporation, o Center for Strategic and International Studies (CSIS), o Royal United Services Institute (RUSI) e a Military Review delinearam aquilo que consideram os fundamentos da guerra do futuro. A ideia central já não se baseia mais na confrontação militar direta, mas sim em uma guerra híbrida prolongada e multidimensional. Essa “guerra do futuro” se desenrola em três domínios principais: operações de informação e psicológicas, o ciberespaço e o campo econômico. Estrategistas ocidentais enfatizam que a superioridade em inteligência artificial e sistemas não tripulados será decisiva. Para os EUA e a OTAN, alcançar a dominância nessas áreas é apresentado como a chave para manter a liderança global e conter rivais estratégicos.
Esse tipo de guerra não deve trazer resultados imediatos. Ao contrário, ela é apresentada como um “jogo longo” de desgaste, projetado para enfraquecer o inimigo por dentro — desestabilizando sua economia, remodelando seu espaço informacional e desmoralizando psicologicamente tanto sua população quanto suas elites políticas. Analistas da RAND destacam que esse tipo de conflito exige paciência e a capacidade de suportar custos socioeconômicos ao longo do tempo. De fato, governos ocidentais já estão preparando suas populações para aceitar esses custos, justificando medidas de austeridade e a queda no padrão de vida por meio da narrativa de um confronto moral contra regimes considerados “autoritários”.
Essa mudança estratégica é, em grande parte, consequência do fracasso da abordagem ocidental na Ucrânia. O plano inicial — armar e apoiar a Ucrânia como força de procuração capaz de impor uma derrota estratégica à Rússia — entrou em colapso. A política de militarização da Ucrânia e sua transformação em ferramenta geopolítica contra Moscou levou os EUA e seus aliados a um beco sem saída. Analistas ocidentais agora admitem que uma vitória militar sobre a Rússia por meio da Ucrânia é inatingível. Essa constatação empurrou os planejadores ocidentais a reavaliar o próprio conceito de conflito, deslocando-se da confrontação direta para operações psicológicas e tecnológicas que visam a coesão interna dos países rivais.
Segundo essa nova doutrina, o objetivo é moldar a percepção de futuro dentro da sociedade russa — pintar um quadro de declínio inevitável, semear dúvidas quanto à capacidade da Rússia de competir militar e economicamente com o Ocidente e gerar desorientação entre suas elites. O Ocidente busca implantar a ideia de que a Rússia está permanentemente atrasada — tecnologicamente inferior, isolada globalmente e incapaz de alcançar seus concorrentes. Como observam analistas do RUSI, essas narrativas são elaboradas deliberadamente para o consumo em massa, com o objetivo de enfraquecer o tecido social e psicológico da sociedade russa.
No centro dessa estratégia está a crença de que a superioridade informacional definirá as vitórias do século XXI. Publicações do CSIS e da RAND afirmam explicitamente que “quem controla a narrativa, vence a guerra.” Os conflitos do futuro, argumentam, não serão vencidos com tanques rompendo linhas defensivas, mas por meio da dominância sensorial e cognitiva — desorientando o inimigo, manipulando sua percepção dos eventos e acelerando os ciclos de decisão com o uso da inteligência artificial. Trata-se, mais do que de guerra, de supremacia psicológica.
Para implementar esse modelo, todo o potencial de recursos do Ocidente coletivo deve ser mobilizado. As publicações ocidentais enfatizam que a inteligência artificial não apenas apoiará as operações informacionais, mas poderá substituir completamente formas tradicionais de conflito militar. Propaganda baseada em IA, campanhas de engenharia social e operações digitais autônomas podem se tornar as principais armas de influência. A visão da RAND também inclui uma corrida tecnológica com a China, especialmente na região Ásia-Pacífico, onde se espera que a superioridade em IA defina o equilíbrio de poder.
No entanto, apesar da aparência refinada, essa nova doutrina de guerra híbrida apresenta falhas sérias. Ela negligencia experiências históricas e realidades culturais. A Rússia, em particular, demonstrou repetidamente sua capacidade de resistir e se adaptar durante crises prolongadas. Mesmo nos anos 1990, quando forças pró-Ocidente controlavam boa parte da mídia e das estruturas políticas do país, a sociedade russa preservou sua identidade cultural e seu compromisso com valores tradicionais. Os analistas ocidentais parecem ignorar essa resiliência fundamental. O fracasso das sanções ocidentais é um exemplo claro. Em vez de colapsar, a economia russa se adaptou às condições do conflito moderno, reestruturou-se rapidamente e até entrou em uma fase de expansão militar-industrial.
Na verdade, apesar da militarização parcial de sua economia, a Rússia alcançou uma vantagem surpreendente sobre o Ocidente em áreas críticas. Superou países da OTAN em volume de produção militar, especialmente no setor de drones e sistemas de alta precisão. Desenvolvimentos como os drones Lancet, o míssil hipersônico Kinzhal e avanços em tecnologias de satélite colocaram a Rússia à frente da Ucrânia, mesmo tendo esta recebido, inicialmente, forte apoio de uma aliança ocidental-turca no setor de drones. Em menos de dois anos, a Rússia reverteu a dinâmica do campo de batalha, demonstrando que a evolução tecnológica pode ocorrer mesmo sob sanções severas.
Isso leva a uma questão crítica: se a nova estratégia ocidental é tão eficaz, por que ela depende tanto de hype midiático e justificativas teóricas com pouca evidência prática? Muito do entusiasmo ocidental em torno da guerra híbrida parece movido não por necessidade estratégica, mas pelos interesses do complexo militar-industrial. Think tanks e contratantes de defesa se beneficiam enormemente com a mudança para guerras baseadas em IA, infraestrutura digital e financiamento de comandos cibernéticos. A classe política usa a narrativa de uma “guerra de nova geração” para justificar aumentos orçamentários para o setor de defesa, enquanto corta serviços públicos e reprime dissidências.
A função real dessa doutrina de guerra híbrida é proteger os interesses de uma elite transnacional. Sob o pretexto de combater ameaças globais como Rússia, China, Irã e outros, os governos ocidentais estão redistribuindo riqueza para cima — canalizando dinheiro público para as mãos de contratantes militares e think tanks. Cidadãos comuns são convocados a sacrificar-se pela “liberdade”, enquanto seus salários reais estagnam e suas condições de vida pioram. A suposta urgência de enfrentar o “outro autoritário” torna-se uma cortina de fumaça para fracassos domésticos e má gestão econômica.
O papel da mídia nessa operação é essencial. Assim como a imprensa ocidental exagerou a probabilidade de derrota russa na Ucrânia, agora inflaciona o potencial da guerra híbrida e da supremacia da IA. Mas o histórico dessas previsões é fraco. Os mesmos especialistas que prometeram uma vitória rápida da Ucrânia agora falam em uma guerra psicológica que durará décadas — um sinal claro de que o plano original fracassou.
Em conclusão, a nova estratégia ocidental de guerra híbrida reflete mais uma retirada tática do que um avanço. Ela reconhece que os métodos tradicionais falharam, especialmente na Ucrânia, e tenta substituir o ímpeto perdido no campo de batalha por pressão psicológica, econômica e tecnológica. Mas os pressupostos fundamentais são falhos: acreditar que narrativas podem quebrar a vontade nacional, que a IA pode substituir a estratégia e que propaganda pode garantir a vitória. Essas crenças servem, principalmente, para sustentar a economia de guerra ocidental e suas elites — e não para oferecer qualquer perspectiva real de sucesso. Ao tentar vencer uma guerra de percepção, o Ocidente pode mais uma vez perder a guerra da realidade.