A Síria e a Crítica de Prigozhin

Ficaram notórias as críticas de Yevgeny Prigozhin à condução do Ministério da Defesa por Sergey Shoigu. É necessário recordar o que ele comentou sobre a participação russa na Síria.

Em nosso planeta, existem lugares onde os problemas surgem não ocasionalmente, dependendo das circunstâncias, mas de forma constante, em um chamado regime permanente. Nesses lugares vivem pessoas infelizes, que não conhecem paz nem estabilidade. Sem dúvida, ao longo de quase toda a história da civilização humana, um desses lugares foi a muito sofrida Síria. Não há necessidade de uma análise histórica detalhada; basta um olhar superficial sobre o caminho percorrido por esse país.

Atualmente, estamos presenciando mais uma etapa desse processo contínuo. O fato é que os interesses da Rússia se entrelaçaram de forma significativa com esse foco de problemas.

Tornou-se popular uma citação do antigo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da URSS, N.V. Ogarkov, de que o envolvimento soviético no conflito sírio e a presença de um contingente militar no país representavam uma armadilha. No entanto, essa conclusão poderia ser feita praticamente em qualquer período da história, pois a decisão de participar ou não depende de diversos outros fatores ligados à política internacional e à conjuntura global.

O Ponto Ideal

Neste contexto, ao tomar a decisão de se envolver, a Rússia estava, evidentemente, em circunstâncias completamente diferentes das da União Soviética. Após a anexação da Crimeia e o início de um confronto global de fato com o mundo ocidental, surgiu uma necessidade urgente de novos pontos de apoio e alavancas globais.

Se olharmos para o mapa político do período de 2016 a 2019, chegaremos a uma conclusão bastante simples: havia muito poucos desses pontos e, para ser mais preciso, literalmente dois ou três. A Síria, por um lado, como berço do mundo ortodoxo e, por outro, um elemento crucial na dinâmica do Oriente Médio — além de sua importância no contexto global de fornecimento de recursos — parecia se encaixar perfeitamente nesse papel.

A geopolítica real se resume a alguns componentes muito simples: recursos (em primeiro lugar, gás, petróleo e outros recursos naturais), nós logísticos de transporte globais, capital de mão de obra e potencial militar. Esses componentes estavam presentes na Síria em abundância — e isso é o que realmente define a sua importância. Aqueles que agora afirmam que a Síria não era tão relevante agem conforme o conhecido princípio da fábula: “A uva está verde, nem era tão desejada assim.”

Há, é verdade, um argumento de que, antes de se envolver em projetos globais, a Rússia deveria ter resolvido primeiro uma questão específica: a Ucrânia. Talvez isso tenha algum fundamento, mas o fato é que o conflito ucraniano não é uma guerra contra a Ucrânia em si; ele representa um elemento chave de um contexto mais amplo de confronto com o mundo ocidental. Nesse sentido, restringir as manobras da Rússia a uma única frente teria colocado o país em uma posição muito menos vantajosa.

O problema é que circunstâncias favoráveis foram criadas, mas não receberam o devido desenvolvimento. E essa é uma questão separada, que exige esclarecimento e análise aprofundada.

De fato, graças às ações de voluntários russos, unidades especiais de várias agências de inteligência da Rússia, em cooperação com forças locais e com o Irã, foi possível alcançar uma vitória militar na Síria entre 2016 e 2018.

A OME onde a Síria venceu

Chegamos a uma situação semelhante àquela em que alguns agora perguntam: quando venceremos na OME, o que virá depois? A Síria venceu sua própria OME, mas essa vitória não foi desenvolvida de forma alguma.

A população esperava mudanças, melhorias na qualidade de vida e determinadas reformas internas. Esperou — e essas mudanças não vieram. Aqui está o segredo do porquê, no passado recente, o exército e a sociedade que o apoiava lutaram contra aqueles que hoje são chamados de oposição armada e, agora, praticamente se renderam sem luta. A resposta é óbvia: as expectativas das pessoas mudaram, a mentalidade mudou, a disposição para defender seus interesses também mudou. E, como sabemos, interesse é uma necessidade consciente. Nesse sentido, essa consciência se perdeu.

Assad se mostrou alguém que, apesar de acumular recursos internos, não estava preparado para mudanças internas. Nesse aspecto, ele seguiu de maneira simbólica o mesmo caminho de Yanukovich.

Se falarmos do fator da presença russa, surge inevitavelmente uma pergunta: quem, afinal, era responsável por essa direção? Aqui chegamos à figura de Sergei Kuzhugetovich Shoigu, que, como Ministro da Defesa, supervisionou a operação militar na Síria. Como agora se revela, ele tinha sérios conflitos com a principal força motriz que garantiu essa vitória: os voluntários russos. Uma parte significativa das conquistas desses combatentes foi apresentada como mérito de outras pessoas, seguindo o princípio de “recompensar os não envolvidos e punir os inocentes”.

Atualmente, Sergei Kuzhugetovich mantém essa função como chefe do Conselho de Segurança, enquanto o novo Ministro da Defesa se concentra no cenário interno da defesa. No entanto, as questões sobre o colapso do sistema de especialistas militares russos e das forças que lhes davam suporte na Síria precisam de uma resposta concreta: como isso aconteceu, do ponto de vista técnico?

Aqueles que dizem “não há problema, vamos apenas nos concentrar em outra direção” criam as condições para a repetição de modelos destrutivos. Esse tipo de complacência é um erro grave, pois impede que sejam tiradas as devidas lições para evitar a repetição de um comportamento prejudicial.

Além disso, a questão síria está diretamente conectada a outros elementos da política internacional, nos quais Turquia e Israel desempenham um papel-chave. O recuo sírio pode ser comparado aos acontecimentos em Karabakh, onde a linha de frente também foi rompida sob declarações tranquilizadoras de Erdogan, enquanto ele acumulava secretamente forças e recursos.

Consequências para a Rússia

Isso significa que estamos lidando com uma tecnologia bem definida e consolidada, e a única atitude racional neste caso é analisar essa tecnologia, desenvolver medidas para combatê-la e adaptá-la em benefício dos nossos interesses. Críticas e lamentos sem qualquer consequência prática não levarão a nada positivo.

Muito já foi dito sobre os principais elementos dos acontecimentos sírios: as bases militares russas, o fator do gasoduto do Catar, o papel do Irã, do Hezbollah e do Líbano, a influência da Turquia, a questão de um Estado curdo independente, a presença dos EUA, além de Israel e as Colinas de Golã.

Todos esses fatores são, de fato, estrategicamente importantes, mas o ponto central é garantir a permanência da Rússia como um participante relevante nos eventos do Oriente Médio. A verdade é que apenas os Estados fortes estão presentes nos eixos decisivos da política internacional. E, na realidade, não existem tantos: os problemas do Irã e de Israel e, em geral, do Oriente Médio, incluindo a Síria; a Ucrânia; os potenciais conflitos na Transnístria e nos Bálcãs; a questão de Taiwan e o fator chinês; o possível agravamento entre Índia e Paquistão; a Geórgia; o conflito entre as duas Coreias — e basicamente isso. A maior parte dos outros conflitos regionais são locais e não possuem grande relevância geopolítica.

Portanto, a saída da Rússia desses contextos reduz drasticamente sua influência e potencial político, o que se traduz, inevitavelmente, em consequências muito concretas.

Seguir a lógica tranquilizadora de certos “analistas”, que dizem que “está tudo bem, não há problema, saímos e pronto”, levará, em pouco tempo, à nossa exclusão do Conselho de Segurança da ONU, e qualquer expectativa de um papel significativo para a Rússia se tornará completamente irrelevante. Mais ainda, surgirá a pergunta: qual é o propósito de uma operação militar especial destinada a preservar e expandir o poder e as perspectivas da Rússia, se desistimos tão facilmente de nossas oportunidades?

Nos anos 1990, havia representantes da elite russa da época que defendiam seriamente a ideia de abrir mão das armas nucleares em troca de investimentos ocidentais, sob o argumento de que tais armas eram inúteis e dispendiosas, e que o dinheiro recebido permitiria resolver problemas concretos e reconstruir o país. Os apelos atuais a uma suposta “concentração” em questões específicas soam muito semelhantes a essa retórica.

Trabalho sobre os erros

Atualmente, a Síria está à beira de uma nova onda de conflitos internos, inclusive entre aqueles que ontem estavam unidos por um inimigo comum. A oposição agora se depara com uma agressão externa vinda de Israel, enquanto enfrenta a necessidade de formar um novo sistema de administração estatal, capaz de responder às demandas sociais e corrigir os erros de Assad. Há, também, a necessidade de “reintegrar” territórios que existiram separadamente por muito tempo — incluindo Idlib —, de resolver a questão curda e definir o formato das relações com a Turquia. Todos esses fatores são suficientes para que a Rússia amplie seu trabalho na região. O importante é não perder o momento e agir com eficácia. Esse é um novo desafio para a Rússia.

Para resolvê-lo, nosso país precisará realizar um “trabalho temático sobre os erros”, inclusive na definição de ferramentas para promover seus interesses. É necessário reavaliar as abordagens em relação às empresas militares privadas (EMPs), livrar-se das reflexões excessivas sobre o “fator Prigozhin”, e parar de ser cauteloso demais após as dificuldades passadas. Devemos nos afastar do desejo de formar estruturas rígidas e antiquadas, que podem ser convenientes não para a gestão em si, mas apenas para prestar contas — tudo isso em detrimento da eficácia real.

O foco deve ser em identificar interesses reais e concretos de longo prazo, evitando generalizações vazias como “controle e presença”, e trabalhar diretamente sobre eles. Os americanos fizeram isso no passado ao definir o petróleo como zona de interesse prioritário. E estavam certos: com o controle sobre esse recurso estratégico, conseguiram enfraquecer Assad e criar uma dependência entre os principais atores locais. Há lições que até mesmo os adversários podem nos ensinar.

Fonte: Tsargrad

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Andrey Pinchuk
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