O Presidente Lula não estará na Cúpula dos BRICS em Kazan, em uma desistência que segue um padrão recente de evitar comprometimentos definitivos com a pauta da multipolaridade.
Ficamos sabendo, de forma repentina, que o Presidente Lula não se fará presente na Cúpula dos BRICS mais importante de sua história – e na conferência internacional mais importante dos últimos 40 anos.
Lula teria se acidentado (mas está bem de saúde) e, portanto, não viajará para Kazan para a Cúpula dos BRICS a ser realizada em alguns dias. O Brasil será representado por Mauro Vieira neste importante evento, e por mais que não seja incomum que ministros do exterior representem chefes de Estado em eventos do tipo, não deixa de representar um “grau menor” de participação quando outros países são representados por seus presidentes (ou equivalentes), e o Brasil é o único que terá uma representação “menor” e, portanto, menos imbuída da autoridade plena necessária para uma cúpula que promete ser “revolucionária” em seu direcionamento.
Ainda mais se levarmos em consideração os boatos que correm desde o ano passado sobre Mauro Vieira não estar muito interessado em um aprofundamento dos compromissos dos BRICS, e de forma alguma vê com bons olhos o esforço russo-chinês de reformular os BRICS como um projeto alternativo às cúpulas e organizações internacionais “clássicas” dirigidas pelo Ocidente.
Outro boato que corre é que os russos estão apreensivos com o mandato brasileiro nos BRICS em 2025, considerando possível que o Brasil use o período na chefia da plataforma para “sentar em cima” e desacelerar os seus esforços – daí a busca dos países mais contra-hegemônicos do BRICS por aproveitar a Cúpula de Kazan para avançar o máximo que der com os projetos pendentes.
Aqui recordamos de quando Lula também repentinamente cancelou a viagem agendada para a China em 2023, e quando ela foi, de fato, realizada a pauta já era diferente do originalmente anunciado – e bem mais modesta. Nos dias que precederam a viagem à China, a mídia brasileira divulgou que os EUA estavam pressionando o Brasil por causa dessa visita.
Desde que começou o novo governo Lula, repleto de promessas e esperanças quanto a um possível rumo “multipolar” do Brasil, a nossa política externa tem sido, na verdade, a de um equilibrista numa corda estendida entre dois precipícios. O Brasil tem sido explícito em afirmar que não deseja se afastar do Ocidente e que, ao contrário, quer se aproximar dos EUA e da União Europeia em um projeto cosmopolita multilateralista fundado na democracia liberal e nos direitos humanos.
O problema é que todos os acenos do Brasil para o Ocidente tem resultado em uma fragilidade cada vez maior do Brasil perante as potências ocidentais. Do Acordo UE-Mercosul, que será péssimo para a indústria brasileira, para a crise da indústria bélica brasileira, sem falar nos vários exercícios militares conjuntos na Amazônia, o Brasil está se prejudicando cada vez mais ao tentar manter equidistância entre Ocidente unipolar e potências contra-hegemônicas.
Até mesmo a reputação acumulada do Brasil, que outrora servia para projetar influência e atuar como ator importante nas relações internacionais (mesmo que apenas como mediador de conflitos) foi esgotada na América Ibérica a partir do momento em que o Brasil achou prudente atuar como preposto dos EUA perante a Venezuela.
Nesse sentido, apesar da relutância do Brasil em aceitar as tendências da atual fase geopolítica, não há futuro no Brasil no “equilibrismo”, tampouco no alinhamento com o Ocidente. Apenas o alinhamento com as potências multipolaristas encontraremos o respeito por nossa identidade, maiores possibilidades de transferência tecnológica, e por aí vai.
É por isso que é mais um mal sinal o Brasil não estar plenamente representado na Cúpula dos BRICS em Kazan. Afinal, tudo indica que ali se avançará na pauta da desdolarização e da busca por sistemas alternativos de pagamento, bem como do aumento das fileiras dos BRICS e da construção de um patamar intermediário entre “membro” e “não-membro”.
Por outro lado, porém, considerando que o Brasil tem tentado desacelerar o acréscimo de novos membros e outras propostas, a menor participação do Brasil, dessa vez, pelo menos atrapalha menos os impulsos mais vanguardistas da Rússia e da China.