Tanto o municipalismo quanto o projeto das “cidades de 15 minutos” se vinculam a expectativas de descentralização, mas ambos não podem ser confundidos.
As eleições municipais trazem à mente o debate sobre a relevância ou irrelevância da política local, bem como do espaço do município na pós-modernidade.
E onde o município passou a figurar de forma notória nos últimos anos é no projeto das “cidades de 15 minutos”, maximamente divulgadas durante a crise pandêmica como a expressão urbanística do “Grande Reset”.
A apresentação da ideia, sempre com uma fachada altruísta e magnânima, promete “sustentabilidade” pela imposição de um modo de vida mais modesto e econômico, com um enfoque localista no que concerne a organização dos espaços. Mas a ideia, propagada há anos pela prefeita globalista de Paris, Anne Hidalgo, só colou mesmo a partir de 2020.
Em um contexto de quarentena universal, compulsória e por tempo indeterminado, em que um “inimigo invisível” se espalha por todas as partes e pode infectar qualquer um a qualquer momento, as “cidades de 15 minutos” aparecem como a solução.
Elas prometem isolar os municípios uns dos outros, reduzindo a locomoção dos cidadãos (e, com isso, reduzindo a transmissão dos vírus). Quando essa ideia é associada ao “passaporte sanitário”, o “paraíso sustentável” se transforma em campo de concentração.
Da ideia de tornar desnecessários os longos deslocamentos, garantindo que seja possível acessar qualquer serviço em uma viagem de bicicleta de apenas 15 minutos, passa-se à proibição de sair da cidade sem um “bom motivo” ou “autorização”.
Para impedir o “apocalipse” do ano (“pandemia”, “crise climática”, “extremismo”, etc.) cada município é transformado em um átomo social que pode ser hermeticamente fechado, excluído e separado do resto do corpo político na eventualidade de um “evento perigoso”.
Mas, como sabemos, o “mal” é incapaz de criar, ele só pode corromper as boas coisas do mundo. E é óbvio que não seria diferente com esse projeto “davosiano” das “cidades de 15 minutos”.
Porque se prestarmos atenção, ela não é senão a perversão transumanista, cosmopolita e liberal-totalitária do municipalismo.
O municipalismo também aponta como ideal tornar cada município minimamente autossuficiente. Mas ele almeja isso a partir de fundamentos filosóficos e antropológicos completamente distintos.
Os municipalistas (independentemente da ideologia política da qual sejam adeptos) tendem a ver o município como a célula basilar do corpo político. O cidadão é pensado como vivendo a “pátria”, concretamente, apenas através de suas relações comunitárias. Se o homem é um ente historial enraizado, o município acaba sendo o “aí” concreto do seu enraizamento.
Nas sociedades tradicionais, de fato, um cidadão nasce, estuda, cresce, casa, trabalha e morre na mesma circunscrição territorial – e ele o faz seguindo os passos de seus ancestrais, que também passaram pelos mesmos ciclos, no mesmo lugar. O municipalismo visa restaurar essa condição existencial orgânica, revogando o nomadismo urbano inaugurado pela Modernidade industrial e intensificado na era pós-industrial.
Para isso, os municipalistas almejam um certo grau de descentralização administrativa e a concessão de maiores autonomias, para que cada município possa ir construindo condições para que seus habitantes possam trabalhar, se tratar, se educar e desfrutar de lazer sem se deslocarem excessivamente.
Crê-se que, com isso, a vida torna-se mais aprazível e, ademais, que gradualmente se consegue promover o crescimento de uma autoconsciência comunitária e de um interesse político por parte de cada cidadão – na medida em que os efeitos benéficos e maléficos das decisões políticas locais aparecem de forma mais visível e imediata. A solução para seus problemas não está do outro lado do país, nas mãos de uma figura inacessível, mas de lideranças visíveis e relativamente próximas, elites locais dotadas de uma convivialidade supraclassista com os outros cidadãos.
O municipalismo, portanto, visa libertar e amadurecer o homem, enquanto o projeto das “cidades de 15 minutos” parece partir de algumas percepções semelhantes às do municipalismo para inverter completamente o seu propósito.