Vimos na última semana o evento anual principal do Fórum Econômico Mundial, conhecido como Fórum de Davos. Como esse evento, tradicionalmente, reúne algumas das pessoas mais importantes do mundo entre estadistas, empresários, intelectuais e ongueiros, ela sempre merece uma análise cuidadosa.
O que vimos em 2024 foi um Davos “encolhido”, não pela quantidade de participantes, que é sempre mais ou menos a mesma (a lista de convidados é sempre de aproximadamente 3.000 pessoas), mas pelo fato de que muitos países simplesmente não mandaram nenhum representante de primeiro escalão. No próprio caso brasileiro, por exemplo, não mandamos ninguém de primeiro escalão, apenas o Ministro Barroso, a Marina Silva, e mais 2 ministros foram.
A impressão é que na medida em que os atuais conflitos internacionais apontam para uma fratura planetária entre blocos, espaços como o de Davos se tornarão cada vez mais restritos e a certos nichos.
Agora, é falsa a noção de que Davos manda no mundo. Trata-se de uma tosca teoria da conspiração. Mas, sim, Davos é um espaço através do qual alguns porta-vozes das elites tentam influenciar líderes mundiais para que eles trilhem determinados caminhos em termos de governança e políticas públicas (vistos como “inevitáveis”). Nesse sentido, não há problema nem mesmo em “ir” lá, o problema são as ideias que quem vai lá traz pra casa.
Nesse espaço, portanto, um punhado de pessoas como Klaus Schwab, Yuval Harari, Alexander Soros (substituindo seu pai, George) e alguns poucos outros, todos esses não passando de testas de ferro de elementos ainda mais elitistas, anualmente tentam ditar as suas prioridades, vendidas como “prioridades do mundo”: Agenda 2030, Grande Reset, não ter nada e ser feliz, etc.
Ora, esse desprestígio que eu indiquei implica não o “fim do globalismo” (por enquanto), mas que veremos um número cada vez menor de países tentando implementar medidas globalistas – países que verão vizinhos seguindo o caminho diametralmente oposto, o do patriotismo multipolarista.
Na medida em que alguns povos serão forçados a adotar a ideologia woke, sob a cantilena de que “não há alternativa”, mas verão seus vizinhos vivendo bem e conforme as suas tradições, espera-se a multiplicação dos movimentos de protesto, a difusão do populismo e a proliferação das narrativas contra-hegemônicas nas sociedades que ainda não pularam fora do barco globalista.
É por isso que, indo finalmente às pautas, a regulamentação das redes sociais assume um papel central para Davos. Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, deixou claro que a principal ameaça aos projetos desenvolvidos em Davos é a livre discussão dessas pautas nas redes sociais. Daí a importância da restrição crescente dos espaços virtuais, sob o rótulo do “combate às fake news e à desinformação”.
Essa regulamentação é proposta no contexto daquilo que Davos vê (conforme seu relatório) como “as principais ameaças mundiais”. Há algum tempo vimos Klaus Schwab e Yuval Harari conversando sobre a desnecessidade de eleições, conforme as IAs se desenvolverem a ponto de “prever” o resultado das eleições. Brilhante! Que caridosos! Querem nos poupar de ter que ir votar!
Assim se consegue contornar o problema da “desinformação”. Mas até que a democracia seja “salva” pelas IAs, é claro, como comentado, é necessário que os representantes das grandes empresas de mídias sociais ali presentes entendam a necessidade de aumentar o controle sobre difusão de narrativas. Senão corre-se o risco de acharem que a Rússia está certa, ou que Israel comete genocídio em Gaza.
Além disso, Davos enfatizou bastante a iminência de uma pandemia 20x pior que a da Covid-19. O representante da OMS, Tedros Ghebreyesus, enfatizou que não é questão de “se”, mas de “quando” o mundo será devastado por uma Doença X.
Portanto, o mundo precisa se prevenir, já implementando desde então medidas de restrição sanitarista mesmo antes do surgimento da Doença X, empoderando a Big Pharma e, naturalmente, fortalecendo a OMS, para que suas decisões sejam vinculantes e não possam ser ignoradas pelos governos nacionais. Novamente, isso nos remete de volta à necessidade de restringir as redes sociais. Afinal, não se pode tolerar que se questione esses esforços altruístas para salvar o mundo antecipadamente.
Naturalmente, não ficamos também sem ouvir que a Ucrânia está vencendo contra a Rússia, que a Rússia é má e selvagem e que o “mundo civilizado” continuaria apoiando a Ucrânia até o fim. Zelensky falou que a Putin não se contentaria com a Ucrânia e exigiu entrada na OTAN. A China, por sua vez, através de Li Qiang, ignorou solenemente Zelensky, o que foi lido como sinal de que a China apoia e continuará apoiando a operação russa.
Mas eis que a grande ameaça à Ucrânia não é nem mesmo Putin ou Xi, mas Trump. O “consenso” em Davos parece ser de que Trump tem 60% de chance de levar a presidência ianque. Isso é visto pela maioria dos participantes como um desastre de proporções apocalípticas, porque Trump enfraqueceria a OTAN e a União Europeia. Naturalmente, Alexander Soros enfatizou que esse “consenso” era bom para mobilizar Davos contra Trump, com o fim de “pensar nas implicações”. Entendam isso como vocês quiserem entender. Soros não concluiu o pensamento.
Chamou atenção, também, o populismo woke de alguns bilionários vanguardistas que querem pagar mais impostos. Nenhum problema com bilionários pagando mais impostos. É justo. Mas eis o pulo do gato: a ideia é que esses impostos sejam aplicados na famigerada “transição energética” (que piorará os padrões de vida da maioria) bem como na “renda básica universal”.
A ideia de uma renda básica universal é a menina dos olhos de ouro da esquerda liberal contemporânea. Ela é a solução para as tensões potencialmente geradas pelas medidas restritivas e anti-humanas impostas pelas elites mundiais. Diante da alienação e do desenraizamento, diante do wokism e da desnacionalização de tudo, como lidar com a crescente insatisfação popular.
Só censurar a internet não basta. É aí que entra a renda básica universal. A renda básica universal é o “cala a boca” que os bilionários nos darão para que nos contentemos, para sempre, com nossa posição subalterna e para que eles possam seguir nos dominando e determinando o futuro de nossos filhos, completamente desimpedidos. É, também, a solução para o transumanismo e o futuro pós-trabalho que ele promete. O desemprego em massa será solucionado pela renda básica universal, transformando a massa humana em uma massa improdutiva que existe apenas para a fruição dos sentidos.
Finalmente, o discurso do presidente argentino Javier Milei, presente em Davos entre outras coisas para se reunir com o FMI, garantindo a escravidão de seu país por mais alguns anos.
Por algum motivo misterioso, alguns adolescentes ocidentais leram o discurso de Milei como uma crítica ao globalismo. Isso só pode ser fruto ou de ignorância em relação ao globalismo, ou de inocência em relação a Javier Milei, que é cria de Davos e sempre foi cria de Davos.
Klaus Schwab, amigo de Milei há anos, introduziu-o efusivamente para a plateia, elogiando-o por dar um novo espírito à Argentina, um espírito mais amigável à livre-iniciativa. Milei correspondeu à altura, elogiando o papel dos monopólios e oligopólios capitalistas em retirar a maior parte da humanidade da pobreza.
Disse que os bilionários de Davos eram heróis oprimidos pelo Estado (causa de todos os males), e que eles deveriam resistir. Curiosamente, atribuiu o feminismo e o aborto ao “socialismo” (considerado como toda ideia pautada na justiça social e no bem comum). Não obstante, entre os mais de 100 decretos que emitiu para modificar leis, ainda não encostou no aborto.
Não se entende, exatamente, como se pode interpretar esse discurso como “contrário a Davos”, quando ele foi introduzido com entusiasmo por Klaus Schwab e aplaudido com euforia por uma plateia composta de representantes da Blackrock, da família Rockefeller, Bill Gates e outros.
Em suma, Davos é o retrato de uma elite esquizofrênica, alienada e que representa cada vez menos o mundo. A era desse tipo de fórum está acabando.