Discurso para o aniversário da morte de Dasha

Palavras de Natalia Melenteyeva, mãe de Daria Dugina, para o aniversário de falecimento da filha.

Eu gostaria de dizer algumas palavras sobre a mensagem intelectual que está por trás da Dashenka, sua vida, seus projetos, por trás dos pântanos e dos picos de seu coração encarnados em seu diário, expressos em duas idéias principais de que falarei. Primeiro, junto a nós, seus pais, Dasha amava o Intelecto, não o intelecto cotidiano, mundano, o intelecto racional que Aristóteles chamava de fronesis, nem o digital moderno, calculista, contador de perdas e lucros, mas o intelecto paradoxal livre, o intelecto como reflexo e voz da Divina Sophia – Sabedoria, Nous, como os gregos antigos a chamavam.

Muitas vezes falamos en família sobre a tese de Heráclito e, mais tarde, Aristóteles e “Zoon logon echon”, “o homem é um animal inteligente”, ou melhor, “um ser vivo atravessado pelo Intelecto”.

Para Platão, o Intelecto do homem pode ser aberto em sua totalidade, é um dom da Divindade que transforma o homem em uma pérola única na concha do universo, em um ser indagador, pensante, consciente de sua insuficiência, de sua finitude, de sua morte.

O homem é uma criatura que possui uma presença paradoxal no mundo, “Ser-aí”, em que a vida, o corpo, a alma e o espírito estão unidos, em que a ação, a vontade, a paixão, a emoção e assim por diante estão envolvidas em uma massa especial. Mas o mais importante é que o Intelecto Divina superior, o Logos, a reflexão, o entendimento, a compreensão das leis, a lógica, está idealmente aberto ao homem. É no homem que as leis da criação são reveladas e onde se realiza o maravilhoso projeto humano-inumano, que não é apenas sobre a vida individual momentânea de um indivíduo, mas onde nascem vislumbres e suspeitas sobre o significado da história, da cultura, da civilização, dos objetivos e significados da vida humana. O homem é o lugar do Intelecto.

Dasha escolheu o pseudônimo Platonova, porque, em Platão, a figura principal do drama mundial é o Intelecto, e, além disso, acima do Intelecto, o Uno, que excede o Intelecto, e o estende para o alto, torna-o aberto, inominado, incognoscível, isto é, apofático, constantemente nascido para cima, não mais para o Céu, mas para um incogniscível Além-Céu. Na Faculdade de Filosofia, Dasha escolheu o departamento de História da Filosofia para especialização e estudos de pós-graduação, porque acreditava que assim era possível estudar a história da Mente e a incompreensibilidade que acompanha o homem — a história do Pensamento, do Logos, do Intelecto.

O mundo ocidental moderno proíbe a cultura, proíbe o pensamento. No Ocidente, as universidades não recomendam generalizações, a filosofia se transformou em discussões sobre problemas banais do dia-a-dia, sobre ninharias e particularidades. O Ocidente moderno está se rebelando contra sua própria história e tradição, na qual a Vertical Divina foi construída e o Intelecto reverenciado, o Intelecto Divino do Mundo, que se preocupava com o mundo como um todo, com a totalidade em todas as coisas e que o homem tentava reproduzir e imitar. Hoje, o mundo se desmorona, encolhe, se agita, enlouquece, porque a razão com a qual opera está fora do Intelecto Divino, conhece apenas o particular, o individual, não conhece a totalidade, o Intelecto Divino Universal, Uno, Supremo, Apofático, revelado de cima.

Dasha travou em vida uma batalha pelo Intelecto, pelo Logos. Muito difícil. Em seu diário, ela põe dezenas de vezes a tarefa de um esforço mental diário—lendo, por exemplo, centenas de páginas de boa literatura ou interessantes estudos sobre a história da filosofia diariamente. É muito difícil para o homem moderno fazer isso. Todos nós nos mudamos confortavelmente para um oasis do que parece ser uma uma cultura visual leve – em grande parte superficial, preguiçosa, mal articulada e quase sem relação com o pensamento. O homem moderno, em grande parte, entende por “pensamento” sua estratégia diária de esconder seu fazer nada e ganhar sua recompensa por um passatempo vazio.

Dasha repetia, seguindo os ascetas russos, “é necessário manter a mente no inferno”. Isso significa se manter em ação, em tensão, em batalha contra as forças infernais que provocam a obsessão demoníaca no mundo moderno. o Intelecto, segundo ela, deve ser buscado, suas luzes e reflexos devem ser encontrados, deve-se permanecer nele, mover-se nele, ascender nele, pois nada é mais doce e extático do que a compreensão inteligente, a ação inteligente. Dasha acreditava que o lado apofático do Intelecto Divino não está apenas lá no alto, nas esferas celestes do espaço noético, mas também aqui e agora, em todo esforço cognitivo do homem há a luz da descoberta e a escuridão do fechamento dos problemas, das coisas, das situações. O Apofático, isto é, o incogniscível, o outro lado do Intelecto está além da compreensão, brilhando como um raio ou ardendo como uma luz do pântano, mas compreender idéias, ascender à contemplação inteligente não significa saturar o Intelecto, “encerrar uma questão” ou “resolver um problema”, como dizem os negócios, mas, ao contrário, descobrir novas dimensões e camadas, alturas do Intelecto. O apofático e a abertura do Intelecto platônico são a vertical do conhecimento, as hierarquias de entidades e seres, as profundezas do abismo superior. Essa é a orientação que Dasha tentou manter em si mesma e transmitir a vocês, seus jovens e criativos camaradas. Assim lhes contei sobre a primeira mensagem de Dasha!

E a segunda característica dela, a sua obsessão pessoal, está agora a transformar-se numa mensagem para vocês, seus semelhantes, que decidiram responder criativamente a um Concurso Criativo em seu nome.

É a idéia de beleza, estética, esteticismo, que deve permear a vida de cada Intelecto, pensamento, Idéia exigente de um jovem. Nos diários sicilianos da Dasha há uma reflexão sobre como esculpir uma estátua em si mesmo, esculpindo traços, removendo o excesso e moldando e reformatando o interior, ouvindo o vento silencioso dos estados superiores da alma ou os raios de inspirações inteligentes.

Oscar Wilde, em seu artigo “A filosofia da irrealidade”, tem a idéia de que não é a arte que imita a vida, é a vida que cria suas obras-primas imitando a arte. Wilde chamou isso de dandismo, podemos chamá-lo de “aristocracia espiritual”. No romance de Huysmans “Às avessas”, há a idéia de que às vezes o papel da arte é desempenhado por uma pessoa de uma alma complexa, que é ela mesma uma obra de arte.

Essas idéias, sobre a imaginação ativa, sobre o sujeito humano como portador volitivo e criativo da inspiração divina, sobre o fogo secreto dentro de cada pessoa que o liga à vertical divina, sobre o altar, a “câmara secreta” em seu mais profundo interior, eram muito próximas de Dasha. Tão perto que ela se propôs a tarefa de tornar sua vida como uma obra-prima poética ou uma bela tela, e se transformar em uma estátua perfeita, gradualmente, passo a passo, esculpindo uma imagem ideal de um bloco de matéria natural prístina.

É claro que por trás de tudo isso está o platonismo em sua formulação estética, não há dúvida. Como no Diálogo “A República”, o filósofo e todo homem verdadeiro em Platão procura o Intelecto e sobe da caverna das sombras até ela para contemplar belas idéias, assim também o artista deve purificar seu olhar das características supérfluas e acidentais do material visível e esculpir uma bela estátua de um bloco amorfo, reunir as palavras em um navio para uma viagem poética ao seu Eu Superior, criar a partir do caos a arquitetura de catedrais e museus, desenhar em uma folha vazia o mundo harmonioso dos sentimentos e das representações humanas., e do Intelecto Divino que abraça nós todos…

Ver a estrutura no caos, a vertical no horizonte, encontrar o centro no plano, olhar para as profundezas do oceano e para o alto no céu – isso requer o esforço da alma e de nossa pequeno Intelecto, requer a transformação do olhar simples, a transformação da alma cotidiana. É necessário o crescimento de si mesmo, a ascensão, a transformação, o florescimento do homem.

E aqui chegamos à idéia fundamental da Teologia Ortodoxa. A idéia de que “Deus se tornou homem para que o homem se tornasse Deus”. O homem deve iluminar-se, rebelar-se contra o seu eu inferior, contra o cotidiano, Alltäglichkeit , e voltar-se para as qualidades fundamentais do seu eu superior, a capacidade de pensar e ser de acordo com o Intelecto, o Intelecto Divino, isto é, a Verdade e a Beleza.

O pseudônimo de Dasha, Platonova, é fatídico. O platonismo é a pura filosofia e até a religião do Intelecto, do Nous, do Uno, do Logos. Dasha acreditava que o homem deve permanecer sob os raios deste grande sistema. Cada um de nós tem de ser platônico, tem de estar perto de Platão, tem de ser Platonov ou Platonova. Afinal, o homem é um ser ascendente, espiritualizado, dotado de Alma e Intelecto. E o homem é um ser estético, consciente da beleza e que age segundo suas leis. Eis os dois testamentos de Daria Dugina-Platonova combinados em uma única mensagem: juntos, devemos superar a civilização fragmentada e desintegrada do mundo ocidental, superar a parcialidade e fractalidade do próprio eu e nos mover em direção a uma personalidade holística que ascende ao longo da escada das perfeições inteligentes. Esse foi o plano de Dasha para si e seus amigos.

Eu gostaria que vocês compartilhassem essa mensagem: «Construa incansavelmente sua vertical inteligente!»

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Natalia Melentyeva

Filósofa russa, esposa de Alexander Dugin e mãe de Daria Dugina.

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