Para além do ressentimento de alguns, o conceito de atlantismo é valioso para compreender a história da projeção ideológica e geopolítica norte-americana, em sua forma e conteúdo multimilenar.
Há pessoas que por ressentimento derivado da perda de espaço ideológico para a Quarta Teoria Política tratam o conceito de “atlantismo” como se fosse uma invenção do Dugin e, por isso, não tivesse valor.
Equívoco grosseiro.
O atlantismo pode ser visto como o conteúdo ideológico da projeção geopolítica imediata dos EUA. Ele nasce no imediato pós-guerra dirigido especificamente à Europa como sendo a construção de uma integração entre as nações do Atlântico Norte sob a liderança dos EUA. A OTAN vem imediatamente à mente e ela é, efetivamente, a expressão mais visível do atlantismo, mas é basicamente apenas a dimensão militar dessa ideologia.
O atlantismo visava convencer a Europa de que os países do continente precisavam dos EUA em todos os níveis. Do econômico, com o Plano Marshall, ao militar, com a OTAN. Mas o âmbito mais importante era o cultural. Os EUA sempre se definiram como a Anti-Europa, a antítese da Europa em todos os aspectos. Para os Pais Fundadores, enquanto a Europa era o berço da tirania, do coletivismo e da autocracia, os EUA eram a terra da liberdade. Isso, inclusive, era o discurso legitimador da Doutrina Monroe.
A ideia dos EUA e da Europa como a mesma coisa, como uma mesma civilização, não era nem de perto tão unânime quanto agora. Basta recordarmos como Oscar Wilde definiu os EUA: “…o único país que foi do barbarismo à decadência sem passar pela civilização”. Para nós é difícil de visualizar, mas a americanização da Europa e a fixação da ideia de uma “civilização ocidental” abarcando EUA e Europa Ocidental, são fenômenos do pós-Segunda Guerra.
Essa concepção de uma integração sob liderança dos EUA tendo como foco geográfico o Atlântico é indissociável do messianismo universalista de raiz judaico-puritana típica da cultura estadunidense. É sua consequência natural a exportação dos princípios e modelos da sociedade estadunidense para os “países aliados”: democracia liberal, capitalismo liberal, individualismo, família nuclear, além do consumismo, da cultura do espetáculo, e as formas artísticas produzidas pela indústria cultural dos EUA.
O atlantismo pode ser remetido, também, à distinção entre potências marítimas e potências terrestres, encontrada em Carl Schmitt, mas também elaborada por Alexander Dugin. Por essa categorização, o atlantismo é expressão ideológica e geopolítica da Civilização Marítima por excelência em nossa época: os EUA. As potências marítimas (como em outras épocas Atenas, Cartago e Grã-Bretanha) são aquelas conduzidas segundo um ethos comerciante. O centro existencial sendo a troca e acumulação de bens, isso possui implicações em outros âmbitos. O método de expansão é a construção de entrepostos comerciais e colônias costeiras, os valores são materialistas, igualitários e individualistas. A instabilidade e a precariedade são positivamente valoradas, de modo que há um impulso pela relativização de todos os tipos de limites, fronteiras e tabus.
Agora, desnecessário dizer que enquanto projeção geopolítica o atlantismo também lança seus tentáculos para o Atlântico Sul. A Doutrina Monroe se limitava inicialmente à promover a destruição dos Impérios ibéricos, como evidenciado pela Guerra Hispano-Americana. Mas desse conceito reativo, os EUA passaram a uma postura mais ativa em escala continental aqui também após a Segunda Guerra Mundial. Apesar do foco do atlantismo ter sido a Europa, uma espécie de “atlantismo secundário” foi aplicado na América Ibérica com o fim de “preservar a retaguarda” dos EUA.
Nesse contexto, os EUA em complementação e sucessão à Grã-Bretanha, estabeleceram uma rede de bases no Atlântico Sul, todas elas apontando para o fechamento de um cerco naval bastante cerrado. O processo de americanização, com a exportação dos valores liberais-ocidentalistas, acelerou nos últimos anos, conforme os EUA passaram a prestar mais atenção na região.
O atlantismo, portanto, é apenas uma maneira de especificar a forma e o conteúdo do imperialismo estadunidense, bem como contextuá-lo em um “estilo” multimilenar que revela a essência supra-história desse fenômeno.