10 anos após o assassinato de Gaddafi, a Líbia desapareceu do cenário mundial e se tornou um país fragmentado e destruído por uma guerra civil sem fim, com um tráfico escravagista pujante e sendo palco de disputas de interesses entre várias potências.
No vazio, a Líbia se apagou e se fragmentou. No décimo aniversário do assassinato de Gaddafi em Sirte, a Líbia pouco importa. Exceto para suscitar apelos mais ou menos credíveis por “estabilidade”, o que também foi discutido ontem na conferência internacional em Trípoli, a primeira deste tipo realizada na Líbia, a única nota positiva do evento.
A estabilidade e a segurança na Líbia na verdade significam muito pouco para nós: primeiro de tudo deter as ondas migratórias, o resto vem depois, das eleições até a retirada das tropas mercenárias cuja presença o Primeiro Ministro Dabaiba descreveu ontem como “perturbadora”. Mas não se chegou a nenhuma conclusão em Trípoli, nem sobre os soldados e mercenários turcos e russos, nem sobre as eleições presidenciais e legislativas.
Nem uma palavra foi gasta com os milhares de seres humanos escravizados nos campos líbios. No entanto, os juízes de Agrigento que apresentaram as acusações contra o navio da ONG Mediterrânea – que se recusou a entregar os migrantes aos líbios – foram explícitos: não só é correto não se comunicar com a “guarda costeira líbia”, mas uma estridente contradição emerge das conclusões do judiciário. Quem financia e treina a “guarda costeira líbia”, isto é, a Itália, é contra o direito internacional e é cúmplice na conduta criminosa.
A estabilidade da Líbia nunca foi realmente desejada por ninguém nesta década desde o linchamento e morte de Muammar Gaddafi em 20 de outubro em Sirte. Com a intervenção aérea em março de 2011, após a queda dos rais Ben Ali e Mubarak, a França e a Grã-Bretanha, com o apoio dos Estados Unidos, não pretendiam exportar democracia, mas substituir o regime de Trípoli por um governo mais maleável, próximo aos interesses de Paris e Londres. Sarkozy, que havia recebido dinheiro líbio para sua campanha eleitoral de 2007, tinha rancor contra Gaddafi, que havia se recusado a comprar suas usinas nucleares, enquanto o rais prosseguia rapidamente com os acordos energéticos com a Itália e a ENI.
A Grã-Bretanha e a França não toleraram o retorno da Líbia, embora de forma totalmente diferente de seu passado colonial, à Quarta Costa Italiana, um evento sancionado pelo pomposo desfile do rais líbio em Roma, em 30 de agosto de 2010. Houve acordos sobre a mesa por 55 bilhões de euros: mais do dobro da atual lei orçamentária de Draghi.
Estas coisas também surgem no interessante documentário da RAI “Once Upon a Time in Gaddafi” (a ser transmitido em algumas semanas) onde há amplo testemunho do general dos serviços Roberto Jucci sobre como ele bloqueou as ordens de Aldo Moro para derrubar Gaddafi com um golpe em 1971. Também conta como Jucci, inspirado por Andreotti, atendeu aos pedidos de Gaddafi por suprimentos militares. Como é sabido, foram Craxi e Andreotti que salvaram o coronel líbio do castigo americano, incluindo os ataques aéreos de 1986 ordenados por Reagan.
É por isso que a decisão da Itália de aderir aos ataques da OTAN contra Gaddafi não foi tomada por razões humanitárias, mas simplesmente porque os EUA, a Grã-Bretanha e a França estavam nos chantageando e até ameaçando bombardear as fábricas da ENI. A Itália sofreu então sua maior derrota desde a Segunda Guerra Mundial e perdeu qualquer credibilidade residual na costa sul. A década que acaba de passar desde a explosão da primavera árabe não foi suficiente para recuperar um papel no Mediterrâneo, um papel que Aldo Moro já havia defendido fortemente nos anos 60 e 70. A Itália só pode esperar que as potências lutem entre si e se espremam para os espaços restantes. É o que está acontecendo, por exemplo, no caso da Turquia: após o acordo militar de 30 de setembro entre a França e a Grécia, Roma está buscando o apoio de Ancara na exploração offshore das zonas econômicas especiais que agora cortam o Mediterrâneo em fatias.
Estamos mantendo um perfil discreto no jogo líbio, sob pressão da tentativa francesa de convocar outra conferência líbia em 12 de novembro. E na esperança de um candidato presidencial próximo aos interesses italianos. Aos nomes controversos de Seif Islam Gaddafi e Khalifa Haftar podemos preferir o atual primeiro-ministro Dabaiba, que se encontrou ontem com Di Maio.
Mas o mais desconcertante neste décimo aniversário da morte de Gaddafi é a reavaliação histórica dele pelos mesmos meios de comunicação e jornais que aplaudiram os ataques ocidentais que mergulharam o país no caos. Na Líbia, os americanos viram o assassinato de um embaixador enviado para lidar com guerrilheiros islâmicos em Benghazi por Hillary Clinton e sua demente “estratégia de caos” (11 de setembro de 2012), a França manobrou imprudentemente com Haftar contra o governo Sarraj, apoiado pela Itália e pela ONU, a Grã-Bretanha sabotou sistematicamente as tentativas de estabilização, com o resultado de que hoje temos a Turquia na Tripolitânia e mercenários e pilotos russos em Cirenaica.
E a lista dos trágicos erros cometidos na Líbia é suficiente por hoje.
Fonte: Reseau International