Francis Fukuyama ficou marcado para a história como o homem que anunciou a vitória definitiva do liberalismo e dos EUA. Era o “Fim da História” tão aguardando pelos liberais desde Kant. Mas as coisas não correram como ele esperava e, agora, ele finalmente admitiu que tudo está indo por água abaixo. A unipolaridade está no fim, o que é demonstrado cabalmente pela fuga americana do Afeganistão. Não obstante, o próprio Fukuyama já sugere novas estratégias para que os EUA recuperem sua hegemonia global.
Francis Fukuyama escreveu recentemente um artigo bastante objetivo e equilibrado sobre o fim da hegemonia americana.
Fukuyama no início dos anos 90 estava claramente com pressa para declarar a vitória mundial do liberalismo e o fim da história. Mais tarde, ele corrigiu sua posição. Em algumas conversas pessoais com ele, fiquei convencido de que ele compreende muitos processos mundiais de forma bastante realista e é capaz de admitir erros em suas previsões – uma característica rara entre os cientistas políticos narcisistas que cometem erros todos os dias e isso só os torna ainda mais arrogantes.
Portanto, Fukuyama diz o seguinte. A retirada do Afeganistão não é apenas a causa do colapso da hegemonia americana, mas apenas o ponto final. Esta hegemonia começou a desintegrar-se há 10 anos, quando ficou claro que a estratégia americana do início dos anos 2000 no Oriente Médio havia fracassado e a crise financeira havia minado a confiança na estabilidade da economia americana.
Mas o mais terrível para os Estados Unidos nos últimos anos tem sido uma profunda divisão da sociedade em relação à política interna e, sobretudo, em relação ao Trump. Desta vez, não só a transferência pacífica de poder dos republicanos para os democratas falhou, mas a polarização dos apoiadores e opositores de Trump colocou o país à beira de uma guerra civil. Portanto, segundo Fukuyama, o que é terrível não é a retirada das tropas do Afeganistão, o que já era hora de fazer, mas a situação em que isso aconteceu no contexto de processos políticos internos nos Estados Unidos.
Biden, que originalmente não era considerado o presidente legítimo pelos republicanos, agora parece um completo perdedor e um idiota indefeso. A isto se somam suas críticas por parte dos neocons, que tinham grandes esperanças em relação a Biden, e dos aliados britânicos. Hoje, ele é até percebido por seus apoiadores como um velho sofrendo de demência, que tem tudo caindo de suas mãos – como afegãos do trem de pouso dos aviões americanos.
Fukuyama afirma que os Estados Unidos não são mais o hegemon da política mundial. A multipolaridade é um fato consumado.
Entretanto, Fukuyama sugere não exagerar demais. Os Estados Unidos ainda são a potência mundial mais poderosa. Mas de agora em diante, ela terá que procurar aliados e contar com outras forças.
Vale a pena prestar atenção ao que Fukuyama aconselha a administração Biden a fazer em matéria de política externa. Você pode imaginar o quadro assim: de 1989 a 2008, o mundo unipolar passou por um arco ascendente a partir do bipolar, e agora começou um declínio da unipolaridade para a multipolaridade.
E agora os principais opositores do Ocidente não são tanto os extremistas islâmicos (embora o próprio Fukuyama, na época da ascensão da unipolaridade, tenha formulado uma tese bastante idiota sobre o islamo-fascismo como o principal inimigo), mas os novos polos Rússia e China. Na luta contra eles – ou seja, conosco! – Fukuyama incentiva a concentração. Tudo volta ao ponto de partida, mas em novas condições e novas proporções.
E, portanto, Fukuyama deixa claro, sem concordar plenamente, que é necessário voltar ao uso da prática de incitar os radicais islâmicos contra a Rússia e a China. Portanto, ele não considera o próprio fato de abandonar o Afeganistão como uma grande tragédia. Isto liberta as mãos de Washington para voltar a agressão do Talibã banido pela Rússia contra a Rússia e a China.
É improvável que os pashtuns militantes estejam verdadeiramente interessados na construção do Estado. Isto não é parte de suas tarefas históricas. Os pashtuns são um povo de guerreiros. Quase ninguém conseguiu subjugá-los, exceto por um curto período de tempo. A propósito, nossos cossacos russos recordam algo assim vagamente: campanhas militares, ataques, avanços e recuos rápidos, o uso ideal da paisagem para a guerra de guerrilha – é assim que a vida é para os cossacos russos. A guerra como vocação. Trabalho pacífico para os outros.
Os pashtuns são cossacos afegãos, multiplicados apenas por um milhão. E se assim for, que tipo de Estado… O que mais.
É com isso que Fukuyama e, aparentemente, Biden estão contando. Se conseguirem novamente, como na era de um mundo bipolar, colocar os radicais islâmicos contra a Rússia e a China, os Estados Unidos terão mais algum tempo para a existência histórica.
Eles esperam reconstruir durante este tempo, consolidar suas posições e lamber suas feridas.
A conclusão é simples: o principal para a Rússia é evitar que isso aconteça. E aqui – já que estamos falando de vida e morte – todos os meios são válidos. Se Moscou e Pequim desenvolverem uma estratégia eficaz em relação à nova realidade do Afeganistão e do mundo islâmico como um todo, podemos não apenas assegurar nossos interesses, mas também tornar irreversível o colapso da hegemonia ocidental.
É claro que o próprio Fukuyama não escreve sobre isso, esperando que não lemos cuidadosamente seu texto dirigido aos estrategistas da Casa Branca. Mas nós o lemos com bastante cuidado. E concordamos com ele: o Ocidente está se desmoronando. Por isso, vamos empurrar o que está caindo. E o próprio Fukuyama sugeriu alguns pontos fracos.
Fonte: Geopolitica.ru