Recentemente, o governo russo divulgou a sua nova estratégia de segurança nacional oficial. Mas se, por um lado, o novo documento é mais claro e enfático na defesa da soberania e dos valores tradicionais, faz-se também necessário apontar para os problemas e contradições, de influência liberal, que foram incluídos na estratégia segundo o entendimento do filósofo Aleksandr Dugin.
Hoje falaremos sobre a nova versão da Doutrina de Segurança Nacional, adotada pelo decreto do Presidente da Federação Russa em 2 de julho de 2021.
Em vez de proferir palavras gerais ou de focar nos detalhes, vamos ressaltar o principal.
Comecemos pelo positivo. A doutrina de segurança nacional renovada é muito mais claramente definida pelo imperativo da soberania. A principal prioridade é declarada como sendo a liberdade e a independência da Rússia como uma grande potência. A crescente pressão da hegemonia ocidental é abertamente registrada. Uma orientação estrita para os valores tradicionais e para o desenvolvimento de sua própria ideia nacional russa está sendo afirmada.
Se apenas seguirmos esta linha patriótica, surge o seguinte quadro: A Rússia, como uma fortaleza sitiada, está lutando desesperadamente por sua soberania, voltando-se para a mobilização, voltando-se para a Tradição, cultura e raízes históricas profundas do povo russo e outros grupos étnicos eurasiáticos em solidariedade com os russos em seu destino, estado e história.
Isto é oposto pelos globalistas, pelas corporações transnacionais, pelos apoiadores de uma ordem mundial unipolar com a preservação do papel de liderança do Ocidente na mesma. Com eles, a Rússia – que não quer isso – está em confronto direto e duro.
Este realismo consistente é expresso no texto de forma mais clara e vívida do que nas versões anteriores. A orientação para uma ordem mundial multipolar é claramente indicada. A autossuficiência é tomada como uma prioridade.
Mas Putin não seria Putin se não equilibrasse estas diretrizes perfeitamente claras e inequívocas com algo exatamente o oposto.
Passando para o lado negativo do documento. Infelizmente, há muito material aqui também. Como de costume, qualquer tese patriótica – soberania, independência, valores tradicionais, ideia nacional – é imediatamente refutada por encantamentos liberais.
Aqui está um exemplo:
“A preservação da identidade, cultura, valores espirituais e morais tradicionais russos e a educação patriótica dos cidadãos contribuirão para o desenvolvimento da estrutura democrática da Federação Russa e para sua abertura ao mundo”.
Há um sentimento de esquizofrenia no texto. O início da frase foi escrito por um silovik patriótico, e frase foi terminada por um globalista liberal. Se o patriotismo é necessário para a abertura ao mundo, e a tradição é o caminho para a democracia, então escravidão é liberdade, e ódio é amor.
Em outro lugar, o significado de segurança é chamado “as necessidades do indivíduo”, seguido de “sociedade” e só depois de “Estado”. Toda a hierarquia é estritamente liberal e globalista – primeiro o indivíduo, depois a sociedade, e somente no final o Estado.
A obsessão com o conceito globalista de “desenvolvimento sustentável” – criado pelo Clube de Roma – é outro traço da participação dos liberais da “sexta coluna” na compilação deste texto.
E finalmente, a falsidade das declarações que falam dos sucessos da Rússia na política, na esfera social, na educação e na cultura, na construção de um Estado social é deprimente. Tudo isso deveria ser verdade. Mas a verdade é que, na realidade, está longe de ser o caso.
A brecha entre propaganda e realidade começa a se assemelhar ao final dos tempos soviéticos.
Não se trata de uma crítica indiscriminada às autoridades. O núcleo positivo da doutrina de segurança nacional é belo e evoca total apoio e solidariedade. Mas não se pode deixar de ver as contradições já inerentes a ela. O documento patriótico realista soberano é minado por inclusões liberais, um conjunto de fórmulas não apenas vazias, mas prejudiciais e mentiras desmoralizantes desnecessárias – de como tudo está bem na Rússia. Algumas coisas vão bem e outras coisas vão mal. E o que vai mal deve ser corrigido, e não disfarçado.
Dificuldades certamente surgirão não apenas com a implementação deste documento que, de modo geral, é digno. Seu texto em si contém fechaduras internas. Em psicologia, isto é chamado de “duplo vínculo” – um comando de autoridade que contém uma contradição interior. Por exemplo, fórmulas como “fale comigo em silêncio” tornam-se a norma e provocam a divisão da consciência.
A doutrina da segurança nacional, infelizmente, é outro “duplo víncul” de Putin – mais patriotismo e tradição em nome dos ideais universalistas globalistas; mais Estado, para que haja mais sociedade civil; mais independência, para que haja uma integração mais próxima e mais rápida com os outros.
Quando isso finalmente vai acabar….
Fonte: Geopolitica.ru