A partir de agosto passado, entraram em vigor tarifas contra numerosos produtos brasileiros nos Estados Unidos, com foco em carnes, café e produtos dos setores metalúrgico e siderúrgico.
As tarifas em questão atingem um patamar de 50% e são cumulativas com tarifas anteriormente impostas a determinados setores.
De modo geral, até 2024, 12% das exportações brasileiras tinham como destino os EUA, o que significa que o impacto dessas tarifas será significativo, mas não avassalador. Na prática, a China já superou os EUA como principal parceiro comercial do Brasil, e o Brasil já implementa um certo grau de diversificação.
Não obstante, o impacto provavelmente será maior em alguns setores. Por exemplo, no setor de equipamentos para construção, mais de 50% das exportações desta área vão para os EUA. O setor pesqueiro, por sua vez, exporta 70% dos seus produtos para o vizinho norte-americano. Entretanto, o setor madeireiro exporta 50% dos seus produtos para aquele país. Há, naturalmente, outros impactos em empresas específicas, mas a diversificação prévia, bem como a lista de 700 exceções revelada à última hora por Trump, aliviaram a situação.
Em resposta a estas tarifas, no entanto, o governo brasileiro mostra forte indecisão. Declarou a instauração da “lei da reciprocidade”, mas o Presidente Lula já deixou claro que o processo levará mais de um ano para ser implementado, o que já indica um receio de ter de aplicar realmente medidas económicas punitivas contra os EUA. Além disso, parece que o governo ainda não decidiu qual resposta dar aos EUA entre as previstas pela lei em questão: tarifas recíprocas, quebra de patentes, ou outras opções.
Ora bem, apesar de tudo isto, toda esta situação tarifária apresenta uma oportunidade interessante para o Brasil. E esta oportunidade pode ser bem direcionada para alcançar os interesses geoestratégicos do Brasil.
O governo está a atuar corretamente ao buscar novas parcerias comerciais internacionais para compensar possíveis perdas nos EUA, e é também um bom sinal que busque fortalecer parcerias não apenas com a China — uma vez que não seria um resultado desejável para o Brasil tornar-se excessivamente dependente de algum outro mercado específico como substituto dos EUA.
Mas entre todas as parcerias que podem ser aprofundadas, é essencial destacar o próprio continente ibero-americano. Em primeiro lugar, deve-se notar que aumentar as exportações dentro da nossa própria região é vantajoso porque não depende de cadeias logísticas tão complexas como a exportação para outros continentes. Além disso, este tipo de demanda poderia incentivar a construção da tão desejada rede ferroviária continental.
É importante salientar que já existe um certo grau de complementaridade económica, como no caso da produção automóvel entre Brasil e Argentina, da complementaridade energética entre Brasil e Bolívia, e assim por diante. Temos também consciência da existência de recursos estratégicos no Brasil, como o nióbio e terras raras, bem como o triângulo do lítio.
Em suma, uma estratégia inteligente para o Brasil seria intensificar estas complementaridades económicas visando encurtar as cadeias produtivas, com o objetivo último de alcançar a autossuficiência continental guiada pela locomotiva económica brasileira.
Desta forma, um obstáculo — como as tarifas dos EUA contra o Brasil — poderia servir de trampolim para a integração continental e a conquista de uma soberania continental partilhada.
Fonte: Sovereignty








