Lula na ONU: Epitáfio de uma Liderança Caduca

“Estamos em uma fase de transição geopolítica, às portas de um novo ‘nomos da Terra’, e o mundo sente as dores do parto.”

O Brasil, eterno “café-com-leite” da geopolítica, deu o seu discurso inaugural na Assembleia Geral das Nações Unidas, uma vez mais. É o já cansativo prêmio de consolação recebido pelo torpe Osvaldo Aranha por nossa exclusão do Conselho de Segurança.

Desde que passamos a usar este privilégio, porém, nunca fizemos um discurso realmente icônico. Sem surpresa alguma, Lula seguiu essa tradição do tédio, do marasmo e da mornidão. Se seu discurso se notabilizou foi por seu caráter eminentemente globalista.

Agora, por razões de justiça, vou apontar brevemente as verdades e pontos positivos do discurso de Lula.

Lula está certo quando aponta que a ONU está em descrédito, que o direito internacional está sepultado e que a suposta superioridade ética do Ocidente idem. Ele também não estava errado quando apontou que o multilateralismo estava em crise.

Mas tudo isso é bom. Estamos em uma fase de transição geopolítica, às portas de um novo “nomos da Terra”, e o mundo sente as dores do parto. É isso. A ONU não serve mais, o direito internacional precisará ser reconstruído do zero e o mundo caminha dessa disputa entre unipolaridade e multilateralismo (ou apolaridade) para uma situação de multipolaridade.

Os reclames de Lula são as impotentes invectivas de uma velha múmia política inadaptada para os desafios e verdades do mundo contemporâneo. Ele sonha os sonhos cultivados pela esquerda ocidental entre os anos 60 e os anos 90, os sonhos da Geração 68. Mas o século XXI é um século de ferro e fogo, e não de paz e amor.

Não há qualquer reparo a fazer às críticas relativas ao intervencionismo antivenezuelano, à insistência nos embargos à Cuba, à proibição da visita de Mahmoud Abbas e ao uso do termo “genocídio” para descrever o que ocorre em Gaza. São acertos que não demandam qualquer correção ou ajuste.

Particularmente, porém, a própria situação de Abbas não demonstra que a ONU tornou-se um mero simulacro, um teatro sem sentido?

No restante do seu discurso, porém, o que pareceu foi que Lula simplesmente repetiu a cantilena genérica do globalismo. Todos os tópicos atuais da verve mundialista se fizeram presentes no falatório de Lula.

Em primeiro lugar, em termos de destaque, a oposição entre “democracias liberais” e “regimes autoritários”. Segundo Lula, há uma grande ameaça internacional à democracia. Me espanto com essas palavras. Do que ele poderia estar falando? Do lawfare contra Marine Le Pen, dos assassinatos contra políticos do AfD? Talvez da fraude eleitoral da Romênia? Algo me diz que não.

Ao contrário, considerando que Lula fala na necessidade de refletir sobre “o que” não se fez para fortalecer a democracia, eu imaginaria que ele veria com bons olhos o uso excepcional do autoritarismo para silenciar os “inimigos da sociedade aberta”.

De fato, praticamente vimos na ONU um Lula “popperiano”. Mesmo o discurso sobre regulação das redes sociais possui contornos popperianos. Não se trata de “censura”, mas de um controle cuja finalidade é excluir os “inimigos da sociedade aberta” do jogo político, por eles representarem uma ameaça à “democracia”.

A isso tudo se soma um pueril idealismo kantiano na temática geopolítica, uma crença na “paz perpétua” a emergir no futuro a partir do fortalecimento das democracias liberais e da transplantação do ideal liberal-democrático ao nível planetário de uma governança global cosmopolita. Segundo Lula, não há solução militar para o conflito ucraniano; ademais, segundo ele, o Hamas realizou um ataque terrorista injustificável. Ele está obviamente errado em ambos tópicos.

Na mesma direção vai o falatório de Lula sobre questões climáticas, tema que hoje domina a sua mente. Lula diz que bombas atômicas não resolverão os problemas climáticos.

Não sr. Lula. Bombas atômicas garantirão a soberania daqueles que as possuírem. Mas aparentemente, apesar do termo “soberania” ter passado a vadiar pelas bocas governistas, eles não fazem a menor ideia do que significa “soberania” e do que é necessário para garanti-la.

Para finalizar, como não poderia deixar de faltar, uma defesa do livre-comércio, completamente incompatível com o projeto de uma reindustrialização brasileira.

Mas as palavras finais de Lula guardam um “slogan” peculiar. Lula diz que o mundo tende a ser cada vez multipolar, mas para que ele seja “pacífico” deve também ser multilateral.

Isso tem, de fato, um certo valor didático, que é o de reforçar a distinção conceitual entre multipolaridade e multilateralismo. Lula, aparentemente, percebeu que uma ordem mundial multipolar significa, também, um enfraquecimento do multilateralismo, já que cada polo tenderá a fazer as próprias regras.

Contra essas tendências disruptivas do multipolarismo, portanto, Lula quer um reforço do multilateralismo através do empoderamento da ONU e das outras instituições internacionais, para o fim de que elas sejam capazes de executar por conta própria as suas próprias diretrizes.

E a isso, de certo, devemos dar o nome de globalismo.

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Raphael Machado

Advogado, ativista, tradutor, membro fundador e presidente da Nova Resistência. Um dos principais divulgadores do pensamento e obra de Alexander Dugin e de temas relacionados a Quarta Teoria Política no Brasil.

Artigos: 55

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