Corredor Zangezur: Uma base americana no Cáucaso

Novas movimentações no espaço pós-soviético: Como o projeto do Corredor Zangezur expõe a nova estratégia intervencionista dos Estados Unidos e de seus aliados no Cáucaso.

O acordo de paz entre a Armênia e o Azerbaijão (com todas as suas implicações geopolíticas) representa um novo passo em direção ao fim da influência russa no sul do Cáucaso e à construção definitiva de um espaço sob o controle compartilhado da Turquia e dos Estados Unidos, ao qual se soma a presença oculta (mas bastante incômoda) de Israel.

Existem basicamente três escolas geopolíticas que caracterizam a projeção estratégica da Turquia contemporânea: 1) a doutrina da “pátria azul” do almirante Cem Gürdeniz (cujo papel interno foi diminuído por seu suposto envolvimento com a rede terrorista ligada a Fethullah Gülen); 2) o “panturquismo”, amplamente defendido pelo ex-ministro das Relações Exteriores Ahmet Davutoglu, que sustenta a tese de uma extensão da influência turca aos povos “irmãos” da Ásia Central; 3) o “neo-otomanismo”, que parece ser o principal ponto de referência do erdoganismo e está na base do papel ativo da Turquia na desintegração da Síria em zonas de influência, do crescente interesse pelo Iraque e das aspirações nunca ocultadas sobre a Líbia.

A doutrina da “pátria azul” é particularmente interessante porque propõe uma visão de hegemonia turca não só sobre os mares adjacentes à Anatólia (fonte de grande preocupação para a Grécia, que mantém a soberania sobre muitas ilhas que se encontram a poucos quilômetros da costa turca), mas também sobre o Mar Cáspio, que é considerado como um “mar interno do mundo turco”. Um aspecto que, por sua vez, pode ser considerado motivo de preocupação para outras potências regionais, principalmente a Rússia e o Irã (não esqueçamos que a URSS e o Irã, assinaram em 1940 um acordo para a exploração exclusiva dos recursos do Cáspio — acordo evidentemente quebrado com a implosão induzida do gigante soviético).

A participação ativa da Turquia nos eventos do Cáucaso nas últimas décadas, neste cenário, é uma expressão direta da vontade de Ancara de construir uma ponte direta com a Ásia Central turcofona e, mais especificamente, representa o resultado de uma mistura geopolítica entre o pensamento de Gürdeniz e um panturquismo nunca adormecido que, desde os tempos de Enver Paxá, caracteriza o sonho (mais ou menos secreto) de amplos setores da intelectualidade turca.

A isso se soma a vontade turca de se transformar no centro nevrálgico dos fluxos energéticos para a Europa. E é nesse sentido que deve ser interpretada a participação ativa de Ancara em projetos de infraestrutura tanto “orientais” quanto “ocidentais”. Seu patrocínio geopolítico ao chamado “corredor Zangezur” é absolutamente consubstancial a essas dinâmicas. Mas do que estamos realmente falando aqui?

Esse corredor seria o resultado do acordo de paz assinado em uma recente cúpula trilateral entre os Estados Unidos, a Armênia e o Azerbaijão. Um acordo, acompanhado por uma declaração conjunta, que deveria, para todos os efeitos, pôr fim a décadas de conflito de intensidade variável entre os dois países do Cáucaso pelo controle do Nagorno Karabakh. qui, no auge da implosão da URSS, armênios e azeris travaram um dos muitos conflitos étnico-sectários resultantes da política soviética das nacionalidades, segundo a qual, dentro das repúblicas que faziam parte da União, a etnia majoritária deveria sempre ser acompanhada por uma minoritária, de modo que a primeira não chegasse a aspirar à plena autonomia. Fator que, entre outras coisas, permitiu ao poder central de Moscou se colocar por várias décadas (e com indubitável sucesso, apesar de episódios trágicos como a deportação de povos inteiros) como garantidor da salvaguarda e proteção das minorias e do conceito de “povos irmãos”.

De qualquer forma, o primeiro conflito entre a Armênia e o Azerbaijão (como vários outros na região) também foi usado por Moscou como um instrumento para manter o controle sobre a área (que estava rapidamente escapando) e retardar o processo de aproximação do Azerbaijão com o Ocidente. Não por acaso, as tensões em Nagorno Karabakh aumentavam sempre que se previa a assinatura de um acordo petrolífero entre as empresas ocidentais e a recém-criada República do Azerbaijão. Ao mesmo tempo, é importante lembrar que o Azerbaijão, ao longo de toda a década de 1990 e graças a empresas petrolíferas paralelas geridas diretamente pela CIA, se transformou numa espécie de ponto de entrada do terrorismo islâmico na região do Cáucaso (mais ou menos o mesmo papel desempenhado pela Turquia com a “estrada da jihad” no que diz respeito à Síria).

Graças à ajuda russa, não isenta de interesse (e, em parte, paradoxalmente, também iraniana), os armênios conseguiram conquistar, entre 1992 e 1993 (e apesar da condenação da ONU ao seu avanço), toda a região de Nagorno Karabach, que eles próprios consideram o coração pulsante de sua pátria ancestral, além de várias áreas adjacentes, dando origem à República do Artsack (que ocupava 20% do território do Azerbaijão). Uma situação que só mudou a partir do recrudescimento do conflito em 2020 (também resultado da inépcia política dos líderes armênios) e com a expulsão definitiva dos armênios do território azerbaijano em 2023 (mais de 100.000 refugiados, dos quais pouco realmente se falou).

Agora, antes de prosseguir com o relato dos fatos e a análise da função geopolítica do corredor Zangezur, é oportuno abrir uma breve digressão sobre o contexto político-cultural dos líderes dos respectivos países.

Ilham Aliyev, como é sabido, é filho de Gejdar Aliyev (membro proeminente da antiga nomenklatura comunista) que durante muito tempo fez o que quis no Azerbaijão após o colapso da URSS, governando-o em puro estilo nepotista. Não é de surpreender que o próprio Ilham fosse vice-diretor da companhia petrolífera nacional quando, em 1994, foi assinado o chamado “contrato do século” entre o governo azerbaijano e um consórcio multinacional liderado pela British Petroleum (BP).

Este, de fato (e como aconteceu em todos os efeitos), deveria ter transformado o Azerbaijão numa filial petrolífera do Ocidente com o objetivo específico de excluir a Rússia das rotas energéticas no sul do Cáucaso. Ao “contrato do século”, de fato, estava ligada também a construção do oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan: infraestrutura de alto valor estratégico da qual, ainda hoje, um protagonista fantasma da região do Cáucaso (Israel) obtém parte de suas necessidades energéticas. E não é de surpreender que precisamente Israel (juntamente, obviamente, com a Turquia) tenha desempenhado um papel de certa importância no fornecimento de armas a Baku para apoiar o esforço bélico contra o enclave armênio no seu território.

Afinal, também a República Islâmica do Irã frequentemente apontou o dedo contra o Azerbaijão, considerando-o uma base sionista na região que Tel Aviv utiliza para lançar seus ataques assimétricos contra Teerã (não se pode excluir um envolvimento azerbaijano também na recente “guerra dos doze dias”). E Geydar Aliyev foi frequentemente protagonista de perseguições e opressões contra movimentos religiosos inspirados no khomeinismo, que poderiam facilmente ter ganho força em um país onde a corrente xiita imamita do Islã ainda é majoritária (apesar das aspirações ao laicismo de seus líderes políticos).

Voltando a Ilham Alyiev, sempre ele, perto da morte do pai (que no início dos anos 2000 havia alcançado uma melhoria decisiva nas relações com a Rússia), teve a oportunidade de afirmar que os principais aliados do Azerbaijão eram os Estados Unidos e a Turquia. Isso deve dar uma boa ideia da natureza concreta de seu trabalho. Mais recentemente, ele foi protagonista de uma nova escalada de tensões com a Rússia, causada pelas prisões de empresários russos em Baku e pelo aumento do fornecimento de petróleo bruto do Azerbaijão à Ucrânia (a Rússia bombardeou mais de 17 depósitos da empresa estatal do Azerbaijão em território ucraniano nos últimos meses). Isso levou Alyiev a declarar de forma provocativa (e ameaçadora) diante da possibilidade (até agora remota) de uma intervenção russa no Cáucaso: “O exército azerbaijano não é uma massa de homens tirados das prisões. É a força mais numerosa do sul do Cáucaso: 130.000 soldados na ativa, 300.000 reservistas, temperados pela batalha, equipados com drones e armas de ponta turcas e israelenses. Pensem duas vezes, especialmente agora, depois de terem perdido quase 800.000 soldados na Ucrânia”.

A história do primeiro-ministro armênio Nikol Pashinyan é igualmente emblemática, uma vez que ele chegou ao poder após o que pode ser definido como uma “revolução colorida”, embora caracterizada por uma contribuição ocidental inicialmente limitada. Para ser exato, a agitação que levou à eleição do próprio Pashinyan, liderada pelo movimento Yelk (“fora” ou “saída”, desde o início hostil à adesão do país à União Eurasiática), baseava-se num pressuposto clássico dessa tática observada em outras repúblicas ex-soviéticas: a transformação de uma pequena minoria — a coalizão Yelk obteve uma porcentagem de cerca de 7% nas eleições de 2018 — em maioria e a criação de uma verdade sob medida que permitisse à opinião pública (interna e internacional) apoiar os manifestantes independentemente. Sem considerar o fato de que vários parlamentares azeris apoiaram abertamente o protesto que derrubou o então primeiro-ministro Sargsyan.

Além disso, Pashinyan se destacou repetidas vezes por sua tendência a afirmar que os acordos militares com a Rússia estavam obsoletos e que apenas os Estados Unidos (ou o Ocidente em geral) poderiam e deveriam garantir a segurança da Armênia.

Portanto, o acordo sobre o corredor de Zangezur também pode ser interpretado como a virada definitiva do atual governo armênio em direção ao Ocidente. Mais especificamente, este prevê a construção de uma ferrovia, oleodutos, gasodutos e uma rede de fibra ótica que liga o Azerbaijão à sua parte ocidental (Nakhcivan), passando por 32 quilômetros de território armênio (que, de fato, faz fronteira com a República Islâmica do Irã). Os Estados Unidos, por sua vez, obtêm os direitos sobre o desenvolvimento/construção do corredor e, consequentemente, a garantia de uma maior presença econômica e financeira na região (é importante lembrar que isso geralmente acompanha uma presença militar e de inteligência). Este projeto, obviamente, além de se colocar em aberto contraste com a Rota da Seda chinesa (pense também na possibilidade de conectá-lo ao referido oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyan) e com o “corredor do meio” que parte da China e chega à Europa através do Mar Cáspio, o próprio Azerbaijão, Geórgia e Turquia, torna evidente a ideia de construir um verdadeiro cordão sanitário nas fronteiras setentrionais do Irã. Além disso, derruba ainda mais o mito do isolacionismo trumpista.

O corredor Zangezur, de fato, apresenta-se claramente como uma nova intervenção externa direta dos EUA, embora mascarada pelo mercantilismo que caracteriza a nova administração.

Fonte: Strategic Culture

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Daniele Perra

Formado em Ciência Política pela Università DI Cagliari, é colaborador da Rivista Eurasia.

Artigos: 55

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