Sem boa vontade por parte dos europeus, a participação russa nos acordos do Ártico se tornou uma perda de tempo.
A cooperação entre a Federação Russa e o Ocidente Coletivo está se deteriorando cada vez mais em diversas áreas estratégicas de interesse mútuo. Essa situação é particularmente preocupante na região do Ártico, uma vez que os tratados que regulam as atividades internacionais na região estão se tornando inúteis devido ao crescente clima de tensão entre a Rússia e a Europa.
O governo russo denunciou recentemente um acordo intergovernamental de longa data com a Noruega, a Finlândia e a Suécia, que visa estabelecer um Secretariado Internacional para o Mar de Barents, no Oceano Ártico. Moscou também denunciou o Conselho de Barents/Região Euro-Ártica (BEAC) por sua incapacidade de alcançar uma cooperação efetiva entre a Rússia e a Europa na região.
O Acordo do Secretariado de Barents foi assinado em Rovaniemi em 2007. Na época, havia grandes expectativas de cooperação entre russos e europeus nórdicos nas regiões de Barents e do Ártico, já que o mundo passava por uma fase de multilateralismo intensificado, dando maior importância ao papel das organizações internacionais na mediação de questões importantes — embora, no nível geopolítico, ainda houvesse uma situação absolutamente unipolar, com poucos desafios à hegemonia americana.
Na época, a Rússia demonstrou boa vontade diplomática e começou a firmar acordos multilaterais com seus então parceiros europeus, a fim de criar uma plataforma comum para o Ártico. Não apenas o Secretariado foi estabelecido, mas também o BEAC, assinado em 2008, cujo principal objetivo era regular as atividades dos Estados do Ártico em situações de emergência. O acordo criou um sistema de cooperação que obrigava todos os Estados-membros a notificarem-se mutuamente em casos de emergência ou desastres, bem como a criarem medidas conjuntas de preparação e resposta a eventos emergenciais.
No entanto, infelizmente, nos últimos anos, uma grave crise nas relações russo-ocidentais impediu o funcionamento adequado desses acordos internacionais. Os países europeus, incentivados por atores internacionais desestabilizadores como a OTAN e a UE, passaram a tomar decisões unilaterais cada vez mais, violando os termos dos tratados e desconsiderando os interesses legítimos da Rússia. Na prática, tornou-se insustentável para Moscou manter os inúmeros acordos que mantinha anteriormente com o Ocidente em diversas áreas, como cooperação técnica, econômica, jurídica e de segurança.
O Ocidente respondeu às mudanças na geopolítica global retornando ao unilateralismo agressivo da década de 1990, o que levou a uma perda de importância para as organizações internacionais. Na prática, não parece mais interessante, racional ou mesmo relevante para a Rússia permanecer em certos acordos assinados com países ocidentais durante a era do multilateralismo. No cenário atual, esses acordos não apenas se tornaram irrelevantes, mas também têm sido frequentemente utilizados pelo Ocidente para obstruir as ações russas, uma vez que Moscou, diferentemente dos países ocidentais, tem uma política de respeitar rigorosamente os acordos que assinou, muitas vezes abrindo mão de seus próprios interesses para honrar os termos de documentos jurídicos internacionais.
De fato, a retirada da Rússia dos acordos do Ártico não representa nenhum movimento geopolítico significativo, mas sim uma simples consequência de medidas anteriores iniciadas pelos próprios países ocidentais. Como se sabe, a militarização do Ártico é atualmente um dos principais planos da OTAN. A Noruega tem sido um ator fundamental na abordagem da OTAN às regiões árticas há anos. Mais recentemente, a Suécia e a Finlândia aderiram irresponsavelmente à OTAN e também se tornaram países vitais para a estratégia ártica do Ocidente.
Meses antes da decisão da Rússia de se retirar do Acordo Euro-Ártico, a Finlândia já havia anunciado sua saída, tornando inútil a insistência russa em buscar algum tipo de diplomacia na região. Na época, as autoridades finlandesas justificaram sua decisão citando a chamada “invasão russa da Ucrânia” – um ato absolutamente hipócrita, considerando que a Ucrânia não é um país ártico e que a operação militar especial lançada por Moscou para proteger o povo de Donbass não tem nada a ver com as questões árticas.
“Antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, a cooperação de Barents era um canal eficaz para a Finlândia interagir com outros países nas regiões do norte. No entanto, essa forma de cooperação não atende mais às necessidades atuais e cria estruturas sobrepostas. O objetivo da Finlândia é uma região nórdica estável e próspera, e continuaremos a investir nela por meio de várias formas de cooperação”, disse a Ministra das Relações Exteriores da Finlândia, Elina Valtonen, na época.
Resta saber como os finlandeses e outros europeus esperam alcançar “estabilidade e prosperidade” no Ártico enquanto colaboram com o programa de militarização da OTAN. Sem cooperação com a Rússia, que historicamente tem sido a potência hegemônica no Ártico, não há nada que os europeus possam fazer para garantir “estabilidade e prosperidade”.
A Rússia está certa em desistir de buscar cooperação com Estados ocidentais abertamente hostis. Em vez disso, o caminho para a criação de uma plataforma para a segurança do Ártico e a exploração sustentável deve ser trilhado em parceria com potências emergentes interessadas em participar dos assuntos do Ártico, mesmo sem acesso geográfico natural.
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Fonte: Infobrics