As recentes tarifas comerciais impostas por Donald Trump são apenas a face visível de uma reconfiguração global muito mais profunda e complexa, conforme argumenta o investidor e fundador da Bridgewater Associates*, Ray Dalio.


Longe de se tratar apenas de medidas pontuais de proteção econômica, as tarifas simbolizam a ruptura de três pilares fundamentais da ordem global contemporânea que segundo ele são:
- A ordem monetária,
- A ordem política,
- A ordem geopolítica.
A análise de Dalio, portanto, permite uma reflexão sobre a atual crise sistêmica que atravessa as estruturas do capitalismo globalizado.
A ordem monetária
No campo econômico, Dalio destaca a insustentabilidade do modelo baseado em endividamento excessivo e desequilíbrios comerciais crônicos. O sistema global, segundo ele, foi sustentado por uma relação simbiótica entre grandes devedores, como os Estados Unidos, e grandes credores, como a China. No entanto, essa interdependência começa a ruir diante de um cenário de desglobalização, no qual os países se mostram cada vez mais inclinados à autossuficiência e ao protecionismo.
A crescente desconfiança entre as nações mina os fundamentos da economia internacional, enquanto a dívida pública norte-americana atinge níveis críticos. Tal cenário impõe a necessidade urgente de uma reformulação da ordem monetária global, que, em sua forma atual, já não responde às exigências do mundo em transformação.
A ordem política
No plano político interno, Dalio aponta para um enfraquecimento crescente das democracias liberais, corroídas por desigualdades sociais, estagnação econômica, polarização ideológica e a ineficácia dos sistemas políticos em oferecer soluções estáveis.
A ascensão de líderes populistas e o acirramento dos conflitos entre direita e esquerda fragilizam o Estado de Direito e fomentam um ambiente propício ao autoritarismo. A democracia, afirma Dalio, requer compromisso e respeito pelas regras institucionais, elementos cada vez mais escassos nas sociedades ocidentais contemporâneas.
A ordem geopolítica
A dimensão geopolítica também sofre uma profunda reconfiguração. O modelo multilateral, em que os Estados Unidos atuavam como potência hegemônica ditando as regras da ordem internacional, cede lugar a uma lógica unilateralista.
A política “America First”, adotada por Trump, simboliza essa virada estratégica e os EUA abandonam compromissos multilaterais e passam a adotar medidas punitivas e autossuficientes para proteger seus interesses. Esse comportamento desencadeia tensões comerciais, tecnológicas e militares, especialmente com a China, agravando ainda mais a fragmentação do sistema internacional.
Além dessas três dimensões principais, Dalio alerta para o impacto de fatores adicionais, como a aceleração tecnológica e os eventos climáticos extremos. A inteligência artificial, por exemplo, está prestes a remodelar profundamente as estruturas econômicas, culturais e laborais, enquanto desastres naturais e pandemias impõem novos desafios à governança global. A conjugação dessas forças produz um cenário de instabilidade em que o antigo equilíbrio se desintegra, sem que uma nova ordem ainda tenha emergido com clareza.
A proposta de Dalio, no entanto, não é meramente descritiva ou alarmista. Ele defende a importância de compreender a história cíclica das civilizações para antecipar os estágios de transição. Ao identificar padrões recorrentes, como a ascensão e queda de ordens monetárias e políticas, é possível projetar cenários futuros e formular respostas mais eficazes.
O “Grande Ciclo Global”, como nomeia esse processo, passa por fases reconhecíveis de crescimento, excesso, colapso e reconstrução, sendo possível situar o momento atual como o início de uma fase de ruptura.
Esse diagnóstico torna evidente que as tarifas de Trump são apenas o gatilho visível de transformações muito maiores. Ignorar as forças estruturais que criam o cenário atual é correr o risco de agir apenas sobre os sintomas, e não sobre as causas.
A mensagem de Dalio, portanto, é um convite à lucidez histórica, à análise sistêmica e à formulação de políticas públicas e estratégias individuais que considerem a complexidade do mundo em transição. Trata-se de reconhecer que estamos diante de uma crise geracional, cujo desfecho dependerá da nossa capacidade coletiva de compreender, adaptar e construir uma nova ordem, mais estável, sustentável e justa
*Sobre a Bridgewater Associates
Esta é uma das maiores e mais influentes gestoras de fundos hedge do mundo, fundada por Ray Dalio em 1975. Reconhecida por sua abordagem analítica e sistemática dos mercados financeiros globais, a empresa é pioneira no uso intensivo de algoritmos e modelos quantitativos para orientar decisões de investimento. Sediada em Westport, Connecticut, a Bridgewater ganhou destaque com estratégias como o “Pure Alpha” e o “All Weather”, que visam desempenho robusto em diferentes cenários econômicos. Além disso, a empresa é conhecida por sua cultura organizacional baseada na transparência radical e na meritocracia, pilares que, segundo Dalio, são essenciais para a inovação e a eficiência na gestão de ativos em um ambiente financeiro em constante transformação.
Referências
Don’t Make the Mistake of Thinking That What’s Now Happening is Mostly About Tariffs, x, [Link]
Fonte: https://www.planobrazil.com/2025/04/10/as-tarifas-de-trump-sao-apenas-a-ponta-do-iceberg/