Donald Trump busca criar um sistema paralelo ao controle do Federal Reserve (FED), com stablecoins ou memecoins emitidas por bilionários (como uma “Cripto Musk”) e lastreadas fora do sistema financeiro tradicional. Isso indica uma tentativa de privatizar mecanismos de emissão monetária, desafiando a hegemonia do dólar como moeda de reserva global.
No contexto atual, o dólar mantém sua posição dominante, representando cerca de 58-59% das reservas cambiais globais, apesar de uma leve erosão desde 1999. Sua força deriva da confiança global e da capacidade única dos EUA de emitir dívida em sua própria moeda. No entanto, Trump, em seu segundo mandato iniciado em janeiro de 2025, tem sinalizado políticas disruptivas, como tarifas elevadas e revisões comerciais, que podem minar essa confiança a longo prazo.
Trump, está sinalizando políticas como tarifas elevadas e revisões comerciais. Essas medidas, já parcialmente implementadas (tarifas de 10% sobre importações anunciadas em fevereiro de 2025), geram incerteza no comércio global. Isso afeta diretamente a confiança na economia americana porque geram instabilidade no comércio internacional, uma vez que as tarifas elevadas, como as impostas à China e à União Europeia, desencadeiam retaliações e reduzem a previsibilidade para empresas que dependem do mercado americano. Países e investidores começam a buscar alternativas para mitigar riscos, como diversificar reservas ou fortalecer moedas locais.
Além disso, esta estratégia promove a erosão da liderança econômica dos Estados Unidos, uma vez que a imposição de barreiras comerciais contradiz a imagem dos EUA como defensor do livre mercado, um pilar histórico da confiança no dólar. Quando aliados como Japão e Alemanha enfrentam custos maiores para exportar, eles podem acelerar a busca por sistemas financeiros menos dependentes dos EUA.
O argumento aponta que o dólar representa 58-59% das reservas cambiais globais, mas sofre uma leve erosão desde 1999. As políticas de Trump amplificam essa tendência ao minar a confiança na capacidade dos EUA de manter um ambiente econômico estável e isso decorre em algumas consequências.
Se Trump buscar desvalorizar o dólar (como sugerido no argumento inicial para “lastrear ativos em valores reais”), isso reduziria o poder de compra global da moeda e incentivaria países a reduzir sua exposição a ativos em dólar. A China, por exemplo, já cortou US$ 100 bilhões em TBonds entre 2023 e 2024, um sinal de desconfiança crescente. Os TBonds, ou Treasury Bonds, são títulos de dívida de longo prazo emitidos pelo governo dos Estados Unidos através do Departamento do Tesouro (U.S. Treasury). Eles fazem parte da categoria mais ampla de títulos do Tesouro americano, que também inclui Treasury Bills (T-Bills, curto prazo) e Treasury Notes (T-Notes, médio prazo)
Uma das saídas são as alternativas emergentes e vemos isso na ascensão de moedas digitais dos BRICS e o aumento do uso do yuan em transações internacionais (como com a Rússia) oferecem opções viáveis. Se a percepção for de que o dólar está sendo manipulado por interesses privados (via stablecoins ou bilionários), a confiança em sua neutralidade como reserva global pode colapsar.
A força do dólar deriva da capacidade única dos EUA de emitir dívida em sua própria moeda, mas o argumento sugere que essa vantagem está em risco.
Frente a isso a ideia de renegociação de TBonds de Trump renegociar com juros baixos e prazos longos (100 anos) em meio ao “caos” pode ser vista como uma tentativa de manipular o mercado de dívida. Investidores, especialmente estrangeiros, podem hesitar em comprar TBonds se perceberem que os EUA estão dispostos a alterar unilateralmente os termos, minando a segurança desses ativos.
Fora isso, tem-se o fenômeno da pressão fiscal e com a dívida pública em 120% do PIB e a suspensão do teto da dívida apenas até janeiro de 2025, a percepção de insustentabilidade fiscal cresce. Se o mercado duvidar da capacidade dos EUA de honrar compromissos sem inflação ou desvalorização, a fuga de capitais para ouro, prata ou outras moedas pode se intensificar.
A combinação de tarifas, revisões comerciais e a possível privatização do sistema monetário (via stablecoins fora do FED) cria um cenário onde a economia americana parece menos confiável a longo prazo gerando perda de previsibilidade: A confiança no dólar depende de sua estabilidade e da governança previsível dos EUA. Políticas disruptivas e a desregulação de instituições (como agências reguladoras e o próprio Estado) sugerem um país em transição para um modelo menos transparente, o que assusta investidores institucionais.
Num cenário de polarização geopolítica, as ações de Trump fortalecem o bloco China-Rússia, que já promove a desdolarização. Se países neutros ou aliados (como a Índia) começarem a diversificar reservas por medo de represálias econômicas americanas, o domínio do dólar pode sofrer um golpe significativo.
Stablecoins e Privatização


A ideia de uma stablecoin lastreada em títulos do Tesouro (TBonds) ou ativos controlados por bilionários não é nova. Posts recentes no X mencionam uma possível “USD1” atrelada ao dólar e lastreada por ativos seguros. Isso poderia criar um “dólar paralelo”, semelhante ao eurodólar, mas fora do controle do FED. Contudo, o sucesso desta “nova” moeda depende da aceitação e confiança global, algo improvável enquanto o dólar oficial seguir como referência especialmente frente a todos os argumentos até então apresentados. Não para ai.
O impacto no Bitcoin é algo que já começa a se tornar consenso, a moeda desabará por ser especulativa e faz sentido em um cenário de recessão, onde investidores buscam segurança. Dados de mercado mostram que, em momentos de incerteza, ativos como ouro e TBonds ganham preferência, o que poderia pressionar criptomoedas voláteis.
A Dívida Americana e os TBonds
A dívida pública dos EUA, atualmente em torno de 120% do PIB, é um calcanhar de Aquiles, mas também uma alavanca de poder. Trump, segundo os argumentos, quer usar o “caos” para forçar investidores a comprar TBonds a juros baixos e prazos longos (100 anos), renegociando a dívida em termos favoráveis.
A suspensão do teto da dívida até janeiro de 2025 (aprovada em 2023) adiou o problema, mas a pressão fiscal cresce. Investidores, incluindo fundos de hedge, continuam comprando TBonds por sua percepção de segurança, mas há sinais de diversificação, como já mencionado, a China reduziu sua posse de títulos americanos em entre 2023 e 2024, substituindo parte por ouro.
Ao desvalorizar o dólar para “lastrear ativos em valores reais” e financiar a privatização do Estado Trump faz uma aposta para lá de arriscada, colidindo com a financeirização que sustenta o sistema atual, onde ativos superestimados (imóveis, ações) formam a base de uma “pirâmide financeira”. Um colapso deliberado ou acidental poderia beneficiar os bilionários aliados de Trump, mas desestabilizaria por completo a economia global.
A Economia Chinesa e os BRICS


A China é apresentada como um contraponto aos EUA, com problemas internos (crise imobiliária, desemprego jovem) mas também com uma estratégia de longo prazo via BRICS e desdolarização.
A economia da China enfrenta desafios em 2025, com crescimento projetado em torno de 5% e uma crise imobiliária persistente. Exportações de carros elétricos e energia renovável são pontos fortes, mas a demanda interna fraca e tarifas americanas (10% já em vigor desde fevereiro de 2025) ameaçam o ritmo.
Em 2025, a economia chinesa enfrenta desafios significativos devido às tarifas americanas impostas pelo governo Trump, que escalaram para 20% sobre importações chinesas até março, com ameaças de atingir 60%. Essas tarifas afetam diretamente o modelo de crescimento baseado em exportações, que respondeu por 70% do PIB em 2024, segundo estimativas.
A Goldman Sachs prevê que um aumento de 20 pontos percentuais nas tarifas efetivas pode reduzir o PIB chinês em 0,7% em 2025, forçando Pequim a diversificar mercados via iniciativas como a Belt and Road e a fortalecer o consumo interno, que caiu para 29% do PIB no terceiro trimestre de 2024. A crise imobiliária persistente, com quedas de 60-70% em vendas de terras e novos empreendimentos, agrava a situação, limitando a capacidade do governo de financiar estímulos robustos.
Outro desafio crítico é o desemprego juvenil, que atingiu 18,8% em meados de 2024 entre os jovens de 16 a 24 anos fora da escola, refletindo uma economia em desaceleração e uma mismatch entre a formação de 11,8 milhões de graduados anuais e os empregos disponíveis, majoritariamente de baixa qualificação.
As tarifas americanas intensificam esse problema ao pressionar setores manufatureiros, enquanto a repressão a indústrias como tecnologia (máquinas e IA)reduz oportunidades para os jovens. A falta de consumo interno e a confiança abalada, somadas a uma população em declínio (1,41 bilhão em 2023), criam um risco de “efeito cicatriz”, com impactos de longo prazo nos ganhos e na estabilidade social, desafiando a meta de crescimento de 5% para 2025.
Uma alternativa seria a tão propagada moeda digital dos BRICS, antes de mais nada, é preciso dizer que não há uma moeda única formal, mas Rússia e China avançam em transações com moedas locais (rublo e yuan), contornando sanções e reduzindo a dependência do dólar. O argumento de que isso ocorre “na surdina” é plausível, dado o aumento do uso do yuan em reservas russas (cerca de 33% em 2021). O Brasil, sob presidência do BRICS em 2025, quer acelerar essa tendência, mas a adesão do setor privado ainda tem sido um obstáculo.
Na chamada “guerra econômica global”, Hong Kong pode se tornar uma fonte de problemas para Xi Jinping devido à sua posição única como um hub financeiro global que opera sob o princípio “um país, dois sistemas”, o que cria tensões internas e externas capazes de abalar a estabilidade econômica e política da China.
Internamente, a região enfrenta crescente descontentamento social e político, exacerbado por anos de repressão após as manifestações de 2019 e a Lei de Segurança Nacional de 2020. Em 2025, com a economia chinesa já pressionada por tarifas americanas e crise imobiliária, qualquer instabilidade em Hong Kong, como protestos renovados ou greves poderia desestabilizar ainda mais a confiança dos investidores, afetando o fluxo de capitais que sustenta o yuan.
Externamente, Hong Kong é vulnerável a pressões geopolíticas, especialmente dos EUA e seus aliados, que podem usar a região como ponto de alavancagem contra Pequim. Por exemplo, sanções adicionais a bancos ou empresas baseadas em Hong Kong, que movimentam cerca de 70% das transações internacionais em yuan, poderiam minar sua função como ponte financeira entre a China e o mundo.
Um evento como uma crise bancária local, desencadeada por fuga de capitais ou boicotes, reverberaria na confiança no yuan, já desafiado pela desdolarização dos BRICS e pela redução de reservas em dólar da China (de US$ 3,1 trilhões em 2022 para US$ 3 trilhões em 2024). Assim, a instabilidade em Hong Kong amplificaria os problemas de Xi, expondo fraquezas no controle centralizado e na projeção de poder econômico chinês.
Recessão Global e o “Cisne Negro”


Os argumentos mais contundentes do eminente “colapso rogramado” sobrecaem no setor imobiliário, o “Cisne Negro”, seguido por bancos e seguradoras, em um colapso do modelo FIRE (Finance, Insurance, Real Estate).
Nos EUA e na Europa, os imóveis estão supervalorizados, e o aumento dos juros (Selic a 13,5% no Brasil, projeções de alta nos EUA) dificulta o financiamento. Cidades inteiras estão à venda e refletem uma bolha prestes a estourar, como visto em manchetes recentes.
Dados de março de 2025 mostram sinais mistos para a economia americana, com emprego resiliente, porém, os temores de recessão crescem com as tarifas de Trump e inflação persistente, aumentando-se ainda mais com imprevisibilidade advinda das tarifações à importações nos Estados Unidos as quais refletem em aumentos de custos ao médio longo prazo, gerando uma instabilidade e imprevisibilidade que simplesmente contrasta com o modus operandi do sistema financeiro, acostumado as previsões de “bolas de cristal”.
Nesse cenário, o Federal Reserve de Atlanta projeta retração de 3% no PIB no primeiro trimestre, um contraste com o otimismo pré-Trump. Países dependentes dos EUA (Índia, Japão, México) sofrerão com a queda da demanda americana e a valorização do dólar, enquanto a China pode ganhar influência com insumos baratos e commodities.
Geopolítica e o “Chaos” de Trump


Trump pode ser visto como um agente de destruição interna, desmantelando o estado para privatizá-lo, enquanto Rússia e China avançam na desdolarização. A desregulação e o enfraquecimento de agências (polícia, militares, reguladoras) alinham-se com a retórica de Trump de reduzir o governo. Isso pode facilitar a emissão de moedas privadas, mas deixa os EUA vulneráveis a crises sistêmicas.
A moeda digital dos BRICS, mesmo adiada, é uma ameaça real ao dólar e nesse cenário, a União Europeia e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) reconhecem a dificuldade de conter essa tendência, enquanto o Japão eleva juros para proteger o iene, sinalizando escassez de dólares no mercado.
Não fossem estes apenas os problemas, um ataque ao Irã, como especulado, poderia disparar o preço do petróleo, agravando ainda mais a recessão e fortalecendo a busca por ouro e commodities.
Esta receita pinta um cenário caótico, tarifas já afetam o comércio global, o yuan ganha terreno, e o setor imobiliário mostra fragilidade. No entanto, não é possível ainda atestar que estamos na iminência de um crash total, talvez de um mundo em transição, com o dólar sob pressão, mas ainda resiliente.
A dívida americana é um risco, mas a confiança nos TBonds ainda persiste. A China enfrenta desafios internos, mas sua estratégia de longo prazo a posiciona como rival. O “chaos” de Trump pode ser intencional, mas seu sucesso é incerto pois privatizar o Estado e sustentar a economia em recessão exigirá mais do que tarifas e stablecoins. E verdadeiro “Cisne Negro” pode estar na intersecção desses fatores, mas sua forma exata ainda não é clara, pelo menos até agora março de 2025, planeta terra, de algum lugar do universo.
Referências
- Trump’s Crypto Adventure Introduces a Stablecoin, Associated Press, [Link]
- The International Role of the U.S. Dollar Post-COVID Edition, Federal Reserve Board, [Link]
- Fact Sheet: President Donald J. Trump Imposes Tariffs on Imports from Canada, Mexico and China, The White House, [Link]
- With Trump’s Tariffs, the Chasm Between Allies and the U.S. Widens, The Japan Times, [Link]
- US Debt Will Mean ‘Significant Risks’ for Economy, Budget Office Says, Congressional Budget Office, [Link]
- Trump Trade Advisers Plot Dollar Devaluation, Politico, [Link]
- China Cuts Holdings of US Treasury Bonds to $759 Billion in December 2024, ANBOUND, [Link]
- BRICS Will Create Payment System Based on Digital Currencies and Blockchain: Report, CoinDesk, [Link]
- Stablecoins Are Growing Up, Bloomberg, [Link]
- Federal Debt and the Statutory Limit, March 2025, Congressional Budget Office, [Link]
- Markets Wrestling with Trump’s Unconventional Debt Ideas, Reuters, [Link]
- US Sitting on a Gold Fortune, but Can It Actually Fix the Debt Problem?, Kitco News, [Link]
- Trump’s Stablecoin Strategy to Reinforce U.S. Dollar Dominance, Forbes, [Link]
- Understanding the National Debt, U.S. Department of the Treasury, [Link]
Fonte: https://www.planobrazil.com/2025/04/07/caos-controloado-ou-colapso-eminente/