7 de Outubro de 2023: Colapsa a Versão Sionista

O tempo refutou a versão sionista sobre os eventos de outubro de 2023.

7 de outubro de 2023: além da narrativa oficial dos eventos em Israel e Gaza

As recentes declarações do ex-ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant[1], oferecem uma oportunidade valiosa para esclarecer o que aconteceu no dia 7 de outubro de 2023. Em uma entrevista concedida ao Canal 12 israelense, Gallant reconheceu que, em algumas áreas, foi dada a ordem de aplicar a controversa Diretiva Hannibal. «Acredito que, taticamente, em certos lugares ela foi aplicada, enquanto em outros não, e isso representa um problema», afirmou, destacando assim a existência de uma estratégia militar que colocou em risco a vida de civis e reféns israelenses.

A Diretiva Hannibal, embora tenha sido oficialmente revogada em 2016, parece ter permanecido como uma prática implícita nas operações militares israelenses. A declaração de Gallant não apenas confirma a aplicação dessa estratégia controversa, mas também lança uma sombra sobre as ações das forças armadas durante o ataque de 7 de outubro. Isso levanta questões fundamentais sobre a ética das decisões militares tomadas naquele dia crucial e sobre o preço pago não apenas pelos palestinos, mas também pelos próprios civis israelenses envolvidos.

Gallant, junto com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, é agora alvo de um mandado de prisão da Corte Penal Internacional por crimes de guerra, o que acrescenta um peso significativo às suas declarações. Esse mandado representa um passo crucial na busca por responsabilização internacional pelas ações realizadas durante e após o ataque, destacando a gravidade das acusações dirigidas não apenas aos combatentes do Hamas, mas também às autoridades israelenses.

O dia 7 de outubro de 2023 marcou uma data crucial no conflito israelo-palestino. O ataque lançado pelo Hamas e por outras facções da Resistência Palestina[2] contra o território israelense representou um momento de virada, evidenciando não apenas a capacidade de resistência do povo palestino, mas também a extrema fragilidade das defesas israelenses. Para o povo palestino, esse ataque significou uma resposta desesperada e inevitável a décadas de ocupação, expropriação e violência sistemática perpetrada por Israel.

As reconstruções oficiais dos eventos, dominadas pelas acusações de crimes de guerra dirigidas aos combatentes palestinos, escondem uma realidade muito mais complexa. A aplicação da Diretiva Hannibal agravou a situação, transformando um conflito já brutal em uma tragédia humanitária que envolveu indistintamente combatentes, civis palestinos e israelenses. O uso indiscriminado da força por parte de Israel demonstrou um total desprezo pela vida humana, tanto palestina quanto israelense, confirmando uma estratégia que privilegia a repressão violenta em vez da busca por uma solução pacífica.

O ataque expôs não apenas as contradições internas de uma política militar israelense que, na tentativa de evitar o sequestro de seus soldados, colocou em risco a vida de seus próprios cidadãos, mas também destacou a hipocrisia de um Estado que se apresenta como vítima enquanto perpetua há décadas a opressão de um povo inteiro. Esse episódio quebrou o mito da invencibilidade israelense, minando a confiança da população em seu próprio exército e em seus líderes políticos. A narrativa oficial, construída para justificar o uso da força e a repressão em Gaza, não pode mais esconder as rachaduras profundas no sistema de segurança e na moralidade das decisões militares israelenses.

A Diretiva Hannibal: uma estratégia de fogo a qualquer custo

Formulada em 1986 pelos altos comandos das Forças de Defesa de Israel (IDF), a Diretiva Hannibal representa uma das políticas militares mais controversas e desumanas da história de Israel. Essa diretiva estabelecia o uso da máxima potência de fogo para impedir o sequestro de soldados israelenses por forças inimigas, mesmo que isso custasse a vida deles próprios[3]. Essa abordagem extrema refletia uma mentalidade que considerava a vida dos próprios soldados como sacrificável para evitar a humilhação política de uma troca de prisioneiros com o inimigo. Mas ainda mais grave é a forma como, ao longo do tempo, essa diretiva foi aplicada também a civis israelenses e palestinos, revelando um total desprezo pela vida humana.

O nome “Hannibal”, originalmente atribuído de forma aleatória por um sistema de informática das IDF, acabou assumindo um significado emblemático, evocando uma ideia de resposta imediata e impiedosa. Embora possa sugerir uma referência ao célebre general cartaginês Aníbal, conhecido por sua astúcia e habilidade estratégica, o nome parece evocar com ainda mais força a figura perturbadora de Hannibal Lecter, o personagem interpretado por Anthony Hopkins no filme O Silêncio dos Inocentes. A natureza da ordem dada nas horas imediatamente posteriores ao ataque do Hamas em Israel deixa pouco espaço para dúvidas: o nome remete a uma resposta tão brutal quanto implacável, refletindo uma ferocidade quase psicopática, digna do famoso canibal cinematográfico.

Uma confirmação da aplicação em larga escala dessa diretiva vem do coronel da reserva da aeronáutica Nof Erez, que definiu os eventos do dia 7 de outubro como «uma Hannibal em massa»[4]. Erez declarou que, na confusão dos veículos em movimento entre os assentamentos israelenses e Gaza, era quase impossível para as tripulações dos helicópteros distinguir entre palestinos e reféns israelenses. Até as residências nos kibutzim foram atingidas pelo fogo dos helicópteros, com os pilotos obrigados a se coordenar com as equipes de segurança privada dos kibutzim para indicar quais residências atacar, mesmo cientes do risco de haver reféns israelenses dentro delas.

Um episódio emblemático é o de Yasmin Porat, uma mulher israelense que, após ser libertada de seu sequestrador palestino no kibutz de Be’eri, testemunhou o bombardeio da residência onde estavam 14 reféns. O tanque israelense abriu fogo, deixando apenas um sobrevivente. Um vídeo, filmado por um helicóptero, confirmou o evento, corroborado ainda pelo general de brigada Barak Hiram[5].

Tuval Escapa, membro da segurança de Be’eri, também testemunhou que os comandantes no campo tiveram que tomar decisões difíceis, incluindo bombardear as residências com seus ocupantes para «eliminar os terroristas junto com os reféns»[6]. Dois veteranos da Unidade 669, que atuaram no dia 7 de outubro como socorristas voluntários, confirmaram ter visto helicópteros Apache e tanques disparando repetidamente dentro do kibutz de Be’eri[7]. O tenente-coronel Golan Vach admitiu que, no kibutz de Kfar Aza, as residências “ocupadas pelo Hamas” foram destruídas pelos tanques, mesmo na presença de reféns, porque era considerado necessário retomar o assentamento[8].

As consequências desses bombardeios foram devastadoras. Em Be’eri, muitas residências foram completamente destruídas; segundo o jornal Haaretz, metade dos danos foi causada por munições pesadas, enquanto a outra metade foi resultado de incêndios[9]. A maioria das 200 residências destinadas à demolição após o ataque está em Be’eri, o que demonstra a violência indiscriminada das operações militares israelenses. Em contraste, no kibutz de Nir Oz, onde os militantes palestinos não foram confrontados pelas IDF, os danos foram principalmente causados por incêndios, sinal de uma destruição menos sistemática[10].

Essa aplicação brutal da Diretiva Hannibal não apenas causou a morte de reféns israelenses, mas também exacerbou o sofrimento da população palestina, vítima de uma política de punição coletiva. As operações militares em larga escala atingiram infraestruturas civis, escolas, hospitais e residências, alimentando o ciclo de violência e sofrimento que há décadas aflige a região. Os testemunhos coletados revelam não apenas a eficácia destrutiva dessa estratégia, mas também sua total indiferença pelos princípios fundamentais do direito internacional e dos direitos humanos.

As evidências no campo mostram claramente como o exército israelense preferiu sacrificar a vida de seus próprios cidadãos e reféns para eliminar os combatentes palestinos. Essa abordagem não apenas provocou uma tragédia humanitária, mas também levantou sérias questões sobre o respeito às leis internacionais e aos direitos humanos por parte de Israel. A brutalidade indiscriminada das operações militares evidencia um padrão de conduta que vai além da simples defesa, revelando uma intenção punitiva e repressiva que atingiu duramente não apenas o povo palestino, mas também os próprios cidadãos israelenses.

Apesar dessas evidências esmagadoras, a mídia tradicional persiste em sustentar a narrativa de que teria sido a Resistência Palestina a atacar os civis, ignorando ou minimizando as informações que atestam o envolvimento direto do exército israelense em muitos dos massacres ocorridos. Esse constante distorcer da verdade alimenta a desinformação e legitima a repressão e a opressão do povo palestino, enquanto as responsabilidades das forças armadas israelenses são sistematicamente ocultadas.

Manipulação midiática e propaganda: a construção da narrativa

Paralelamente às operações militares, Israel lançou uma campanha midiática massiva para justificar a ofensiva sobre Gaza. As imagens divulgadas, selecionadas cuidadosamente, mostraram os episódios mais cruéis e chocantes do ataque palestino, construindo uma narrativa que enfatizava a brutalidade dos combatentes do Hamas. No entanto, esses materiais foram apresentados de forma altamente seletiva, omitindo qualquer evidência que pudesse questionar a narrativa oficial ou destacar as responsabilidades israelenses.

Um elemento-chave dessa estratégia foi o controle rigoroso do acesso aos locais do ataque por parte de organizações independentes e da mídia estrangeira. As autoridades israelenses limitaram a entrada de jornalistas e investigadores internacionais, impedindo verificações imparciais e mantendo um controle total sobre a narrativa divulgada globalmente. Esse isolamento informativo permitiu reforçar uma versão dos eventos que justificava o uso indiscriminado da força e as graves perdas civis como consequências inevitáveis da agressão palestina.

Episódios como a suposta decapitação de quarenta crianças no kibutz de Kfar Aza, inicialmente divulgada pelo canal i24NEWS e amplificada pela mídia internacional, representam um dos exemplos mais evidentes de desinformação relacionada aos eventos de 7 de outubro. A notícia se espalhou rapidamente, repercutida pelo porta-voz do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e repetida até pelo ex-presidente americano Joe Biden, que declarou: «Nunca imaginei ver e ter imagens verificadas de terroristas decapitando crianças»[11]. No entanto, investigações independentes e verificações no local revelaram a total ausência de evidências que sustentassem essa acusação. Sob crescente pressão midiática e internacional, o próprio governo israelense teve que admitir oficialmente não ter nenhuma prova que corroborasse essa notícia[12]. Nenhuma outra fonte conseguiu confirmar a informação, mas a história continuou a circular em muitos veículos da mídia ocidental, contribuindo para reforçar a imagem demonizada da Resistência Palestina.

O tenente-coronel Yaron Buskila, da Divisão Gaza das IDF, havia falado sobre crianças mortas encontradas penduradas em fios de varal, mas essa afirmação também foi posteriormente retratada, conforme confirmado pelo jornal Haaretz[13]. O jornal especificou que, embora possam ter ocorrido episódios de profanação ou decapitação de cadáveres por parte dos combatentes do Hamas, especialmente em corpos de soldados israelenses mortos, não há evidências concretas que comprovem a execução sistemática de crianças de várias famílias. Essa retratação contradiz diretamente as declarações feitas por Netanyahu a Biden, segundo as quais os militantes palestinos «pegaram dezenas de crianças, as amarraram, queimaram e executaram»[14].

Outras atrocidades, como a da mulher grávida que teria tido o ventre rasgado no kibutz de Be’eri ou a de uma criança morta e colocada em um forno aceso, nunca foram confirmadas. As autoridades do kibutz e a polícia declararam não ter conhecimento do primeiro episódio, enquanto o segundo boato foi abertamente desmentido[15]. Apesar da desmentida oficial dessas alegações, tais falsos episódios foram repetidamente relatados pela imprensa local e internacional e, na maioria dos casos, não foram retratados.

Apesar da ausência de provas concretas, essas acusações continuaram a ser difundidas insistentemente pelos principais canais midiáticos, contribuindo para enraizar no imaginário coletivo a imagem distorcida e desumanizada dos combatentes palestinos como bárbaros sem humanidade. Essa narrativa tendenciosa teve o efeito de demonizar a Resistência Palestina, obscurecendo o contexto de opressão e ocupação em que ela atua. Dessa forma, criou-se um clima emocional que não apenas justificou ações militares desproporcionais, mas também legitimou a repressão sistemática do povo palestino e a perpetuação de políticas de ocupação brutais.

Outras acusações, como a do uso sistemático do estupro como arma de guerra por parte do Hamas, foram divulgadas com grande ênfase pelo governo israelense e pela mídia ocidental. No entanto, relatórios posteriores, incluindo os das Nações Unidas, destacaram a escassez de evidências concretas que sustentassem tais alegações. A manipulação de testemunhos e o uso de fontes pouco confiáveis colocaram ainda mais em dúvida a veracidade de muitas das acusações feitas contra os combatentes palestinos.

Essa construção narrativa teve um impacto significativo na opinião pública internacional, influenciando a forma como os eventos foram percebidos e justificando a brutalidade da resposta israelense. A capacidade de controlar a narrativa midiática permitiu que Israel apresentasse a ofensiva sobre Gaza não como um ato de agressão desproporcional, mas como uma medida necessária de defesa contra uma ameaça representada por um inimigo desumanizado.

Dessa forma, a propaganda desempenhou um papel crucial na consolidação do consenso interno e internacional para as ações militares, obscurecendo as responsabilidades das forças israelenses e reduzindo a complexidade do conflito a uma simples dicotomia entre vítimas inocentes e terroristas impiedosos. Essa abordagem impediu uma compreensão mais profunda das raízes históricas e políticas do conflito, alimentando uma espiral de violência e desinformação que continua a influenciar as dinâmicas da região.

As acusações de violência sexual: entre propaganda e verdade

Entre as acusações mais graves e infamantes dirigidas à Resistência Palestina estão as de ter utilizado o estupro como arma de guerra. O governo israelense e a mídia ocidental divulgaram com grande ênfase relatos de supostas violências sexuais, descrevendo cenários de «estupros coletivos» e «mutilações». No entanto, a escassez de «provas concretas» e a falta de «confirmações forenses» colocam seriamente em dúvida a veracidade dessas afirmações. Relatórios posteriores, incluindo os das Nações Unidas, destacaram a «ausência de documentação fotográfica» e a «não realização de autópsias», elementos fundamentais para confirmar tais crimes.

Após pressões internacionais, Pramila Patten, representante especial das Nações Unidas para a violência sexual em conflitos, apresentou um relatório em 4 de março de 2024, baseado em uma visita a Israel entre 29 de janeiro e 14 de fevereiro. O relatório concluiu que «há motivos razoáveis para acreditar que ocorreu violência sexual relacionada ao conflito durante os ataques de 7 de outubro, em várias localidades próximas a Gaza, incluindo estupros e estupros coletivos, em pelo menos três locais». No entanto, Patten esclareceu que sua equipe «não tinha um mandato investigativo formal» e se baseou «principalmente em material fornecido pelas autoridades israelenses»[16]. Além disso, ela admitiu que «não foi possível entrevistar diretamente as vítimas ou sobreviventes».

Durante a coletiva de imprensa de apresentação do relatório, Patten foi questionada se havia «evidências de uma estratégia sistemática de estupro» por parte do Hamas. Sua resposta foi negativa: o relatório «não conseguiu estabelecer a extensão geral, o alcance e a atribuição das violências» a grupos específicos, como o Hamas ou outros grupos armados[17]. Patten também destacou que «a primeira carta recebida do governo israelense falava de centenas, senão milhares, de casos de violência sexual brutal perpetrada contra homens, mulheres e crianças. Não encontrei nada, nada desse tipo»[18]. Essa declaração coloca ainda mais em dúvida a narrativa amplamente propagada pelas autoridades israelenses.

Embora admita a possibilidade de que episódios isolados de violência sexual possam ter ocorrido, a tese de que o Hamas teria sistematicamente empregado o estupro como instrumento de guerra carece de suporte probatório adequado. Pelo contrário, surgem diversos indícios que sugerem uma tentativa deliberada de manipular informações e fabricar evidências para sustentar essa narrativa.

Um exemplo emblemático dessa dinâmica é a reportagem publicada em 28 de dezembro de 2023 pelo New York Times, que concluiu que os combatentes do Hamas teriam perpetrado estupros e violências sexuais de forma sistemática[19]. No entanto, uma análise aprofundada do conteúdo do artigo revela incongruências significativas. Cerca de um terço da reportagem concentra-se na suposta agressão sexual de uma mulher, Gal Abdush. Poucos dias após a publicação, o jornal israelense Yedioth Ahronoth entrevistou a mãe de Gal, Etti Brakha, que declarou nunca ter tido notícia do estupro antes da divulgação do artigo[20]. As irmãs de Gal posteriormente negaram o ocorrido, enquanto Nissim Abdush, cunhado da vítima, esclareceu que, durante uma ligação com o marido da mulher, Nagi, nunca foi feita qualquer referência a abusos sexuais[21]. Nem a polícia nem os peritos forenses, além disso, haviam levantado essa hipótese durante as investigações.

Outro testemunho-chave da reportagem é o de Sapir, uma jovem contadora de 26 anos que participava do Festival Nova. Sapir relatou ter testemunhado numerosos estupros e decapitações de mulheres, fornecendo descrições horripilantes. No entanto, apesar da gravidade de suas declarações, nenhum vestígio de mulheres decapitadas foi encontrado nos registros oficiais de 7 de outubro, nem as autoridades conseguiram identificar as supostas vítimas dos estupros[22].

Raz Cohen, veterano das forças especiais israelenses, foi outro testemunho citado pelo New York Times. No entanto, suas declarações se mostraram contraditórias: inicialmente, ele relatou um único episódio de estupro, perpetrado por cinco homens vestidos com roupas civis, que, portanto, não pareciam pertencer ao Hamas.

As polêmicas se intensificaram ainda mais quando se descobriu que Anat Schwartz, uma das autoras da reportagem, não era jornalista, mas sim uma cineasta israelense sem experiência no campo da informação[23]. Adam Sella, coautor do artigo, era seu sobrinho. Apenas Jeffrey Gettleman era um jornalista veterano do New York Times, mas as investigações de campo foram conduzidas por Schwartz e Sella. Em um artigo posterior destinado a defender a investigação original, a testemunha Raz Cohen recusou novas entrevistas, aumentando as dúvidas sobre a confiabilidade da reportagem[24].

Durante suas pesquisas, Schwartz entrou em contato com vários hospitais israelenses especializados no tratamento de vítimas de violência sexual, mas não encontrou nenhum caso relacionado aos eventos de 7 de outubro. A linha telefônica dedicada a agressões sexuais no sul do país também não registrou chamadas pertinentes[25]. A convicção da ocorrência de estupros em massa só se fortaleceu nas declarações de Schwartz após ela ouvir as entrevistas de Shari Mendes, uma arquiteta americana que servia na unidade rabínica das IDF. Apesar de sua presença constante na narrativa oficial, Mendes não possuía qualificações médicas ou forenses para determinar casos de estupro, e muitas de suas afirmações foram posteriormente desmentidas[26].

Outra testemunha citada pelo New York Times foi Yossi Landau, voluntário da organização ultraortodoxa ZAKA, especializada na recuperação dos restos mortais de vítimas de desastres. Landau e a ZAKA já haviam fornecido declarações que posteriormente se revelaram falsas, incluindo as sobre crianças decapitadas e a mulher grávida brutalmente mutilada[27]. Apesar da evidente falta de confiabilidade desses testemunhos, vários veículos da mídia ocidental, como CNN, BBC e The Guardian, continuaram a entrevistar membros da organização.

A ZAKA, desde sua fundação, esteve no centro de inúmeras controvérsias. O fundador, Yehuda Meshi-Zahav, anteriormente ativo no grupo radical Keshet, foi acusado de dezenas de episódios de violência e abusos sexuais. A organização também esteve envolvida em casos de corrupção financeira e intimidação das vítimas de seu fundador[28].

Após o dia 7 de outubro, o exército israeliano optou por não empregar seus próprios soldados treinados na recuperação e identificação de restos mortais, delegando essa tarefa aos voluntários da ZAKA e aos membros do Rabinato Militar. Segundo o Yedioth Ahronoth, a ZAKA foi integrada às campanhas de “relações públicas” (hasbara) do governo israeliano, e seus membros forneceram entrevistas coordenadas pelo Escritório de Imprensa do governo[29].

Essa campanha midiática tinha, entre seus principais objetivos, justificar aos olhos da opinião pública internacional a violenta campanha de bombardeios que Israel desencadeou sobre a Faixa de Gaza poucas horas após o ataque do Hamas, seguida pela invasão terrestre iniciada vinte dias depois. As acusações de estupros em massa, temperadas com detalhes macabros e muitas vezes infundados, contribuíram para criar uma narrativa que legitimasse a intensificação das operações militares, obscurecendo a devastadora crise humanitária que, entretanto, se desenrolava em Gaza.

As consequências e o contexto histórico

As consequências dos eventos de 7 de outubro de 2023 e das subsequentes operações militares israelenses se inserem em um contexto histórico complexo, marcado por décadas de ocupação, resistência e ciclos de violência. A resposta brutal de Israel ao ataque teve um impacto devastador sobre a população civil palestina, agravando uma crise humanitária já existente na Faixa de Gaza, uma das áreas mais densamente povoadas e empobrecidas do mundo.

Desde sua fundação em 1948, o Estado de Israel adotou políticas que marginalizaram e oprimiram sistematicamente o povo palestino. A ocupação dos territórios palestinos iniciada em 1967, com a Guerra dos Seis Dias, levou a uma crescente colonização da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental, acompanhada por uma série de medidas repressivas, como demolições de casas, prisões arbitrárias e restrições à liberdade de movimento. Nos anos seguintes aos Acordos de Oslo, em vez de ver o surgimento de um Estado palestino soberano, testemunhamos uma escalada de violência, um aumento vertiginoso no número de colonos e a criação de um sistema de apartheid que tornou impossível qualquer ideia de coexistência baseada na igualdade. Hoje, com mais de 700.000 colonos israelenses instalados ilegalmente na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, e com a completa destruição da Faixa de Gaza, não há mais nenhuma possibilidade concreta de realizar um Estado palestino independente, territorialmente contíguo e dotado de verdadeira soberania.

O modelo dos dois Estados, na prática, nunca foi um verdadeiro projeto de paz, mas uma estratégia para perpetuar a dominação israelense e manter o povo palestino em uma condição de subalternidade permanente. Mesmo nos momentos em que parecia ter sido relançado por novas negociações, a realidade no terreno contava uma história bem diferente: o fortalecimento do controle israelense, a fragmentação do território palestino por meio de assentamentos, postos de controle e o Muro do Apartheid, e o agravamento da repressão contra qualquer forma de resistência. Diante dessa situação, a única resposta possível continua sendo a resistência armada, vista como o único instrumento eficaz para combater a ocupação e reivindicar os direitos do povo palestino.

Essas políticas alimentaram um clima de tensão e desespero, tornando inevitável o surgimento de movimentos de resistência como o Hamas, que em 7 de outubro quebrou o mito da invencibilidade de Israel, reacendendo no povo palestino a esperança e a convicção de que a luta pela libertação ainda é possível.

A operação militar israelense que se seguiu aos eventos de 7 de outubro resultou em uma destruição sem precedentes de infraestruturas civis em Gaza. Hospitais, escolas, edifícios residenciais e até estruturas das Nações Unidas foram alvo de bombardeios. A devastação não poupou nem mesmo os locais de cuidado: hospitais foram destruídos e os suprimentos médicos se esgotaram. A CNN documentou cenas de horror, incluindo bebês palestinos abandonados em estado de decomposição em hospitais bombardeados, com imagens que chocaram a opinião pública internacional. A escassez de recursos é tão grave que o médico britânico-palestino Abu Sittah declarou ter sido forçado a amputar membros de crianças sem anestesia[30].

Segundo uma pesquisa publicada pela prestigiosa revista médica The Lancet, o número real de vítimas palestinas é muito maior do que o declarado inicialmente: não 45.000 mortos, como relatado no início, mas pelo menos 70.000, com um número indefinido de feridos e desaparecidos[31]. A população sobrevivente está presa em um ciclo contínuo de fome, sede e traumas, sem acesso a cuidados médicos adequados. Milhares de civis, incluindo mulheres e crianças, perderam a vida, enquanto centenas de milhares foram deslocados, forçados a viver em condições desumanas. Os já limitados recursos hídricos e energéticos da Faixa de Gaza foram ainda mais comprometidos, deixando a população sem acesso a itens básicos de necessidade.

O contexto internacional contribuiu para exacerbar a situação. Apesar das evidências de crimes de guerra e violações dos direitos humanos, grande parte da comunidade internacional continuou a oferecer apoio incondicional a Israel, justificando suas ações como “direito à defesa”. No entanto, organizações de direitos humanos e numerosos especialistas em direito internacional denunciaram o uso desproporcional da força pelas forças armadas israelenses, destacando a necessidade de uma investigação independente sobre as violações cometidas.

Apesar da destruição e da tentativa israelense de aniquilá-lo, o Hamas não apenas sobreviveu, mas conseguiu reconstruir suas forças. O grupo recrutou 15.000 novos combatentes, reestabelecendo parte de sua infraestrutura militar e administrativa e mantendo um controle firme sobre Gaza. Mohammed Sinwar, figura-chave da liderança do Hamas, liderou o processo de reorganização, consolidando o poder do movimento islamista em um contexto de persistente resistência popular. Esse fortalecimento demonstrou que a estratégia israelense de destruição total não produziu o resultado esperado; pelo contrário, alimentou ainda mais o apoio à resistência palestina.

Apesar da morte de Yaḥyā Sinwar e Mohammed Dēif, respectivamente líder político e comandante militar do Hamas, o grupo manteve uma estrutura operacional estável e funcional. As Brigadas ʿIzz al-Dīn al-Qassām, o braço armado do grupo, reapareceram com grande impacto, como demonstram os vídeos que circulam na Faixa de Gaza, onde centenas de milicianos uniformizados foram calorosamente recebidos pela população local.

Um papel crucial na reorganização do grupo foi desempenhado por Mohammed Sinwar, irmão mais novo de Yaḥyā Sinwar. Sob sua liderança, o Hamas intensificou as atividades de recrutamento, atraindo milhares de novos combatentes e restaurando suas forças armadas na Faixa de Gaza[32]. Segundo o Wall Street Journal[33], Mohammed Sinwar emergiu como uma figura proeminente dentro do movimento, coordenando a reconstrução da infraestrutura militar e o fortalecimento do controle do grupo sobre a população local. Esse processo de regeneração militar e administrativa demonstrou a capacidade do grupo de se adaptar rapidamente, apesar das pesadas perdas infligidas por Israel.

Paralelamente, o aparato civil do Hamas continuou a funcionar: seus administradores coordenaram a remoção de escombros, supervisionaram comboios de ajuda e restauraram, mesmo que parcialmente, serviços básicos como água e segurança. Segundo o porta-voz do grupo, Ismāʿīl al-Thawabta, cerca de 700 policiais foram mobilizados para proteger os comboios humanitários, garantindo ordem em um território devastado.

Enquanto isso, na Cisjordânia, a situação degenerou com uma violenta repressão por parte das forças israelenses. O cerco a Jenin, em particular, representou outro capítulo dramático dessa escalada. A operação “Muro de Ferro”, lançada pelas IDF contra o campo de refugiados de Jenin, envolveu o uso massivo de ataques aéreos, tanques e incursões de tropas terrestres. As forças israelenses devastaram o campo, destruindo casas, infraestruturas e hospitais, e causando dezenas de vítimas civis.

Paralelamente, Israel se encontrou em uma crise política e estratégica cada vez mais profunda. O governo de Netanyahu, já sob pressão por acusações de crimes de guerra e genocídio, tornou-se cada vez mais isolado internacionalmente e contestado também dentro do país. A ideia, apoiada pelos Estados Unidos, de devolver a gestão da Faixa de Gaza à Autoridade Nacional Palestina (ANP) encontrou resistências tanto entre os palestinos quanto dentro do próprio establishment israelense. O Hamas, fortalecido pelo apoio popular e por sua capacidade de manter uma infraestrutura funcional apesar das destruições, continuou a se opor firmemente a qualquer retorno da ANP, vista por muitos palestinos como uma entidade colaboracionista.

Diante dessa realidade, o cessar-fogo pareceu mais uma pausa tática do que uma verdadeira perspectiva de paz. A resistência palestina, por meio de suas várias componentes, demonstrou que a luta pela autodeterminação não pode ser apagada com a força bruta. Se Israel e seus aliados continuarem a ignorar as aspirações legítimas do povo palestino, o conflito permanecerá irresoluto e pronto para ressurgir. O único caminho para uma paz duradoura não passa pelo domínio militar, mas pelo reconhecimento dos direitos dos palestinos e pelo fim da ocupação.

A operação Ṭūfān al-Aqṣā (Dilúvio de al-Aqṣā) marcou uma virada na luta de libertação palestina. Não apenas demonstrou que o exército israelense não é invencível, mas também inspirou uma nova geração de palestinos a acreditar que a resistência ainda pode infligir golpes ao ocupante. O Hamas mostrou que, apesar do bloqueio e do cerco, a determinação e a engenhosidade podem levar a resultados inesperados. A resistência palestina, por meio de suas várias componentes, demonstrou que a luta pela autodeterminação não pode ser apagada com a força bruta. Se Israel e seus aliados continuarem a ignorar as aspirações legítimas do povo palestino, o conflito permanecerá irresoluto e pronto para ressurgir.

O único caminho para uma paz duradoura não passa pelo domínio militar, mas pelo reconhecimento pleno e incondicional dos direitos do povo palestino e pelo fim da ocupação. Isso implica o retorno dos refugiados palestinos às suas terras, a implementação de uma redistribuição justa de recursos, a compensação pelas terras confiscadas e a reconstrução das moradias destruídas. Somente colocando fim ao sionismo como projeto político e ideológico, que sustentou a expansão colonial e a opressão do povo palestino, será possível lançar as bases para uma convivência autêntica, fundamentada na igualdade, na justiça e no respeito mútuo. Sem essas mudanças fundamentais, qualquer tentativa de construir a paz estará destinada ao fracasso, deixando a região presa em um ciclo perpétuo de violência e repressão.

Notas

[1] Eliana Riva, “La tregua resiste ma i palestinesi continuano a morire”, in «il manifesto», 8 febbraio 2025.
[2] Embora amās tivesse o comando da operação, todas as facções da resistência palestiniana presentes na Faixa de Gaza participaram nela. Entre elas, o Jihād islâmico palestiniano e duas formações laicas de orientação marxista: a Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) e a Frente Democrática de Libertação da Palestina (FDLP)
[3] Sara Leibovich-Dar, “The Hannibal Procedure”, in «Haaretz», 21 maggio 2003.
[4] Lior Kodner, “Ha-sqarim lo’ mitparsemim ’aval ha-kivun barur – rov ba-tzibur ’omer le-netanyahu “lekh””, in «Haaretz», 9 novembre 2023, https://www.haaretz.co.il/digital/podcast/weekly/2023-11-09/ty-article-podcast/0000018b-b3a5-d3c1-a39b-bfe55acb0000.
[5] Ibidem.
[6] Nir Hasson, “Be-kibutzei ha-‘otef menasim lehistakel qadima: “ha-matara mul ‘enayi – laḥtzor habayita””, in «Haaretz», 20 ottobre 2023.
[7] Dan Cohen, “Israeli volunteer: Apache helicopter fired into Kibbutz Be’eri”, in Uncaptured Media, 14 dicembre 2023.
[8] Esra Tekin, “Role of Israeli tanks in deaths of Israeli civilians back in spotlight”, Anadolu Agency, 6 dicembre 2023.
[9] Kim Legziel, “$83M to Restore One Kibbutz: Measuring the Scope of Devastation Caused by Hamas”, in «Haaretz», 24 dicembre 2023.
[10] Amitai Gazit, “Reconstruction of 1,700 destroyed homes in Gaza periphery to cost NIS 2 billion”, in «Calcalist Tech», 7 gennaio 2024; Anderson Cooper, “Video shows harrowing images from Nir Oz kibbutz after Hamas attack”, CNN, 21 ottobre 2023
[11] Jeremy Scahill, “Joe Biden Keeps Repeating His False Claim that He Saw Pictures of Beheaded Babies”, in «The Intercept», 14 dicembre 2023.
[12] Hamza Ali Shah, “‘Beheaded Babies’ – How UK Media Reported Israel’s Fake News as Fact”, in «Declassified UK», 4 gennaio 2024.
[13] Nir Hasson – Liza Rozovsky, “Hamas Committed Documented Atrocities. But a Few False Stories Feed the Deniers”, in «Haaretz», 4 dicembre 2023.
[14] Ibidem.
[15] Ibidem.
[16] Cfr. “Mission report. Official visit of the Office of the SRSG-SVC to Israel and the occupied West Bank 29 January – 14 February 2024”, Office of the Special Representative of the Secretary-General on Sexual Violence in conflict, 4 marzo 2024, https://www.un.org/sexualviolenceinconflict/wp-content/uploads/2024/03/report/mission-report-official-visit-of-the-office-of-the-srsg-svc-to-israel-and-the-occupied-west-bank-29-january-14-february-2024/20240304-Israel-oWB-CRSV-report.pdf.
[17] “Press Conference: Pramila Patten, SRSG on Sexual Violence in Conflict & Chloe Marnay-Baszanger, Team Leader of the Team of Experts on the Rule of Law and Sexual Violence in Conflict on Ms. Patten recent visit to Israel and the occupied West Bank”, UN Web TV, minuti 00:51-00:54, https://webtv.un.org/en/asset/k1w/k1wee1dcdl.
[18] “Press Conference: Pramila Patten, SRSG on Sexual Violence…”, cit., minuti 01:03-01:04.
[19] Jeffrey Gettleman – Anat Schwartz – Adam Sella, “‘Screams Without Words’: How Hamas Weaponized Sexual Violence on Oct. 7”, in «The New York Times», 28 dicembre 2023.
[20] Meir Turgeman, “’ima shel “ha-’isha be-simla ha-shḥura”: “be-hatḥala lo’ iad‘anu ‘al ha-’ones. Ḥilelu ’et neshamta””, in «Yedioth Ahronoth», 31 dicembre 2024.
[21] Amnon Levy, “Gisa shel gal abdush z.l. ‘al ha-ḥashad she-ne’ensa be-7.10: “’af ’eḥad lo’ yodea‘ ’im ze qara””, Channel 13, 1° gennaio 2024; “Family of key case in New York Times October 7 sexual violence report renounces story, says reporters manipulated them”, in Mondoweiss, 3 gennaio 2024.
[22] Liza Rozovsky – Josh Breiner, “art. cit.”.
[23] James North, “Extraordinary charges of bias emerge against NYTimes reporter Anat Schwartz”, in Mondoweiss, 25 febbraio 2024.
[24] Jeremy Scahill – Ryan Grim-Daniel Boguslaw, “‘Between the Hammer and the Anvil.’ The Story Behind the New York Times October 7 Exposé”, in «The Intercept», 28 febbraio 2024.
[25] Ibidem.
[26] Max Blumenthal, “New Israeli report alleging ‘systematic and intentional rape’ by Hamas relies on debunked Western media reports”, in «The Grayzone», 22 febbraio 2024.
[27] Nir Hasson – Liza Rozovsky, “art. cit.”
[28] Aaron Rabinowitz, “Zaka Founder Meshi-Zahav, Implicated in Decades of Sexual Abuse, Dies”, in «Haaretz», 29 giugno 2022; “ZAKA officials suspected of financial fraud, misdirecting funds – report”, in «The Times of Israel», 18 marzo 2021; “Police said to suspect ZAKA officials hushed reports of founder’s alleged crimes”, in «The Times of Israel», 16 marzo 2021.
[29] Nitzi Yakov, “’anshei zaqa’ she-hitgayesu le-tovat ha-hasbara ha-isra’elit: “’asur she-ha-‘olam yetayeaḥ””, in «Yedioth Ahronoth», 12 novembre 2023.
[30] Redazione La Stampa, “Bambini a Gaza amputati senza anestesia: il racconto del medico palestinese-britannico Abu Sittah,” in La Stampa, 24 settembre 2024.
[31] ANSA, “A Gaza morti sottostimate, sarebbero già più di 70.000,” in ANSA, 10 gennaio 2025.
[32] Nidal al-Mughrabi, “Hamas Has Added Up to 15,000 Fighters Since Start of War, US Figures Show,” in Reuters, 24 gennaio 2025.
[33] Jared Malsin, “Hamas Has Another Sinwar, and He’s Rebuilding,” in The Wall Street Journal, 26 gennaio 2025.

Fonte: Eurasia Rivista

Imagem padrão
Gabriele Repaci
Artigos: 41

Deixar uma resposta