Sobre a Questão da Segurança Pan-Eurasiática

Mesmo sob pressão ocidental, a Rússia avança na busca pela consolidação da segurança pan-eurasiática.

O outro dia, o Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, declarou que a Rússia está disposta a discutir garantias de segurança para um país “que agora é chamado de Ucrânia”, no entanto, o contexto eurasiático será predominante em qualquer acordo alcançado.

O principal diplomata ressaltou claramente que “a parte ocidental do continente [Eurásia] não pode se isolar de gigantes como China, Índia, Rússia, o Golfo Pérsico e toda a Ásia do Sul, Bangladesh e Paquistão. Centenas de milhões de pessoas vivem nesta região. Devemos desenvolver o continente para garantir que as questões de sua parte central, como Ásia Central, Cáucaso, Extremo Oriente, Estreito de Taiwan e o Mar do Sul da China, sejam tratadas pelos países da região e não pelo ex-secretário-geral da OTAN Jens Stoltenberg, que afirmou que a OTAN operaria lá porque a segurança da aliança depende da região do Indo-Pacífico.”

Dado que, no final de janeiro, a administração dos EUA passará por uma mudança, com o presidente eleito Donald Trump já falando sobre a necessidade de um redesenho geopolítico do mapa mundial, é possível concluir que as negociações com os Estados Unidos sobre a Ucrânia e sobre a Eurásia como um todo não serão fáceis.

No entanto, discussões sobre a segurança pan-eurasiática são importantes e necessárias. Elas não apenas correspondem ao espírito da época, mas também refletem a lógica histórica. Isso se deve não apenas à ideia de uma Grande Eurásia e de um espaço econômico único de Dublin a Vladivostok. No livro “Guns, Germs, and Steel”, o cientista americano Jared Diamond explica que, na Eurásia, o intercâmbio de informações, experiências e invenções técnicas foi mais rápido do que em outros lugares, o que levou a uma espécie de “integração” muito antes de essa palavra surgir.

Poderia parecer que isso deveria ter contribuído para a aproximação entre os povos na Era Moderna, e ainda mais agora, quando se fala no triunfo do progresso e da ciência. No entanto, a Era Moderna coincidiu com a Era das Grandes Descobertas Geográficas e, ao mesmo tempo, um número de povos da Eurásia em sua península ocidental, chamada Europa, mergulhou em uma terrível ignorância, que levou ao surgimento de ideias de superioridade racial, e posteriormente ao nazismo e fascismo. O fim da Segunda Guerra Mundial deveria também ter encerrado os conflitos, sendo o momento ideal para pensar na coexistência pacífica (fórmula desenvolvida mais tarde por China e Índia). Contudo, o Reino Unido e os Estados Unidos intervieram ativamente, participando do destino dos povos da Eurásia não apenas política e economicamente, mas também em nível ideológico, determinando o que os países europeus deveriam fazer.

Atualmente, sendo satélites de Washington, a UE tornou-se refém dos interesses anglo-saxões, prejudicando sua economia em detrimento de seus próprios países e povos. Por outro lado, há um cansaço evidente entre a população e parte das elites políticas da União Europeia em relação à situação de impasse. Nesse contexto, crescem as chances de partidos e movimentos mais adequados ganharem força.

Se, nos Estados Unidos, pelo menos retoricamente, a nova administração pretende redefinir a Doutrina Monroe (com discussões sobre Canadá, Groenlândia, Golfo do México e o Canal do Panamá se encaixando no espaço das Américas), seus parceiros europeus, no entanto, estão condenados a cooperar no continente eurasiático.

E a grande questão é como isso será. Ou a confrontação no estilo da Guerra Fria continuará, ou haverá um degelo nas relações e uma arquitetura comum de segurança será criada em conjunto.

A opção de confrontação é bastante provável, pelo menos porque a administração Trump tentará incitar a União Europeia e seus outros parceiros a agir como um bloco único contra a China. A Rússia não é considerada por Trump e sua equipe como uma ameaça existencial aos Estados Unidos, mas a China, que é nosso parceiro estratégico, será o problema número um tanto sob Biden quanto sob Trump, especialmente devido ao rápido crescimento do poder deste país e à expansão de sua influência geopolítica.

Além disso, Xi Jinping declarou abertamente ao chefe do Conselho Europeu a importância da cooperação econômica e comercial, bem como o apoio de Pequim à autonomia estratégica da UE. Essa autonomia significa menor dependência dos Estados Unidos em termos políticos e militar-estratégicos.

No entanto, em paralelo à UE, a OTAN continua a existir, cobrindo um território maior do que o da União Europeia, incluindo a Turquia. E os Estados Unidos continuam desempenhando um papel importante na aliança.

Além da UE, o Reino Unido, que anteriormente saiu da União Europeia mas continua desempenhando um papel ativo na política do continente, representa uma certa ameaça à segurança pan-eurasiática. Historicamente, o Reino Unido controlou vastos territórios da Eurásia, desde o Egito até a Península Indiana e a China, e ainda possui território no Estreito de Gibraltar.

O Reino Unido está tentando explorar as contradições atuais e fortalecer sua posição em vários campos. Por exemplo, o Conselho Britânico de Geoestratégia observa que o país enfrenta vulnerabilidades críticas em suas cadeias de suprimento logístico e capacidade de transporte marítimo. O fornecimento das forças armadas está ameaçado por capacidades limitadas e envelhecidas de transporte marítimo controladas pelo governo, uma frota mercante em declínio e uma dependência excessiva de fretamentos especiais.

Assim, o Reino Unido busca aproveitar as contradições atuais para reforçar sua influência em diversas áreas, tentando lidar com desafios logísticos e fortalecer sua presença estratégica em cenários globais.

A nostalgia pelos tempos antigos é claramente visível aqui, quando a Grã-Bretanha se autodenominava a senhora dos mares. Agora, ela busca reviver esse status em novas circunstâncias.

O site do Conselho destaca o papel central da Grã-Bretanha na área de responsabilidade Euro-Atlântica e da OTAN. Vale mencionar que essa organização possui um projeto chamado The China Observatory, que monitora uma ampla gama de atividades chinesas que supostamente ameaçam os interesses de Londres. Além disso, há uma Iniciativa Trilateral (Grã-Bretanha, Polônia e Ucrânia), cujo objetivo declarado inclui uma “campanha de luta econômica e política contra a Rússia para enfraquecer a máquina militar russa e reduzir a influência do Kremlin nos chamados países da ‘média dourada’, incluindo na África, América do Sul e outros lugares.”

Assim, a “bruxa inglesa” continuará a prejudicar tanto a Rússia quanto a China. Portanto, nos assuntos da Eurásia, deve-se prestar atenção especial às iniciativas britânicas, que, de forma óbvia ou dissimulada, estarão sempre voltadas para minar a unidade eurasiática.

No que diz respeito à consolidação de esforços entre os grandes centros, isso não se limita à interação entre Rússia e China. A assinatura do acordo de parceria abrangente em todas as áreas entre Rússia e Irã fortalece o eixo eurasiático. Rússia e Coreia do Norte já possuem um acordo semelhante, embora os norte-coreanos não desempenhem um papel tão relevante na segurança de todo o continente, estando mais focados nos problemas da península coreana e no imperialismo dos EUA.

A Índia é outro polo emergente do mundo multipolar, também interessada no fortalecimento da segurança regional. Apesar do problema não resolvido com a Caxemira (envolvendo os interesses do vizinho nuclear Paquistão) e questões disputadas com a China, Nova Délhi coopera em várias áreas com países da União Europeia, embora as sanções contra a Rússia claramente prejudiquem essa interação. Por outro lado, a Índia está envolvida no desenvolvimento do corredor Norte-Sul através do Irã e da Rússia, além de demonstrar interesse no desenvolvimento do Ártico. No contexto do mundo multipolar, o governo Modi atua de maneira bastante racional, sendo também membro dos BRICS e da Organização de Cooperação de Xangai (SCO).

Resta o bloco árabe-muçulmano da Eurásia, onde a região claramente sofre com a atenção excessiva dos Estados Unidos — ocupação do Iraque e da Síria, apoio de Israel no genocídio dos palestinos, pressão sobre o Líbano e a manutenção de bases militares dos EUA no Catar, Bahrein, Jordânia e Arábia Saudita. No entanto, considerando os casos reais relacionados à Palestina e à ocupação israelense, é evidente que o mundo árabe-muçulmano está dividido e propenso a um pensamento tribalista-nacionalista, o que reduz significativamente as possibilidades de ampla cooperação para resolver problemas diversos com os centros eurasiáticos. Outro fator é a posição de espera de várias elites da região, que aguardam um declínio maior na hegemonia dos EUA para agir de forma mais aberta.

De maneira geral, no entanto, a consolidação de esforços entre Rússia, China, Irã e Índia já indica a existência de um bloco que vai além da Eurásia, representando a maioria global com uma posição comum em questões fundamentalmente importantes.

Fonte: Oriental Review

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Leonid Savin

Leonid Savin é escritor e analista geopolítico, sendo editor-chefe do Geopolitica.ru, editor-chefe do Journal of Eurasian Affairs, diretor administrativo do Movimento Eurasiano e membro da sociedade científico-militar do Ministério da Defesa da Rússia.

Artigos: 40

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