Considerando o caráter férreo da lei do desenvolvimento cíclico das civilizações, como os povos podem tentar sair das fases de decadência depois que este período se inicia.
Por regra geral, as civilizações e sociedades em declínio têm duas opções:
- Reafirmar-se e reinventar-se, tanto no cenário mundial quanto assegurando sua sobrevivência e possivelmente alcançando uma nova prosperidade;
- Ou continuar no caminho do declínio rumo à sua inevitável ruína, seja por colapso interno ou pela tomada do poder por forças externas com um nível maior de compromisso e solidariedade civilizatória.
A ascensão e queda das civilizações são analisadas, com grande clareza, nos escritos de Oswald Spengler. Contudo, a dinâmica interna das civilizações ou grupos étnicos também foi muito bem descrita por autores como Abu Zayd Ibn Khaldun e Lev Gumilev.
Ibn Khaldun, o historiador tunisiano do século XIV, chamou essa força de “asabiyya”, frequentemente traduzida como solidariedade tribal. A coesão e solidariedade internas são essenciais para a sobrevivência e prosperidade de uma tribo, cultura, etnia ou reino. E, no que Spengler mais tarde descreveria como uma força inevitável da lei, a asabiyya de uma civilização tende a declinar constantemente com o tempo, à medida que aqueles que detêm o poder se atolam na busca por conforto e luxo em vez de justiça e glória. A corrupção, a decadência e a degeneração se instalam, e, se não forem tomadas medidas imediatas e decisivas, a asabiyya enfraquecerá a tal ponto que a civilização entrará em colapso. Seu lugar será ocupado, então, por uma nova tribo, jovem e moralmente mais pura, cuja coesão e solidariedade internas sejam mais fortes.
O historiador e etnólogo soviético Lev Gumilev descreveu esse processo com o termo “passionaridade” (do russo, passionarnost): a energia e o ímpeto dentro de uma etnia para estabelecer e alcançar objetivos comuns, mesmo a um grande custo pessoal. As civilizações passam por processos de nascimento, crescimento, clímax, inércia e declínio ou transformação, à medida que o nível de passionaridade de suas sociedades aumenta ou diminui. Gumilev acreditava firmemente na influência dos elementos geográficos e biosféricos no desenvolvimento das sociedades e culturas, que infundem em certos líderes e grupos de pessoas uma energia passionária suficiente para realizar mudanças. Essa passionaridade, assim como a asabiyya de Ibn Khaldun, tem uma tendência natural a diminuir e pode até desaparecer completamente.
No entanto, pode-se argumentar que o conceito do historiador soviético sobre esse ciclo contínuo é menos determinista do que o de Spengler. Gumilev via as culturas nômades da estepe euroasiática como exemplos de uma etnia com adaptabilidade e resistência únicas ao longo da história, devido, por exemplo, à sua grande complementaridade com o espaço geográfico e natural que ocupam. Nesse sentido, ele se aproxima muito de Ibn Khaldun (embora não haja indícios de que Gumilev tenha se baseado no erudito árabe medieval), já que este último expressou, em várias ocasiões, elogios às tribos beduínas do deserto do norte da África, em contraste com o mundo urbano do Mediterrâneo.
A influência de Gumilev na política russa contemporânea e nas políticas militar e externa não pode ser subestimada. Ele foi um dos motores do surgimento do neoeurasianismo, que encontrou apoio popular significativo na Federação Russa desde o início do século XXI, embora o próprio Lev Gumilev não tenha vivido para ver esse resultado.
O antigo conceito chinês do Mandato do Céu expressava uma ideia semelhante, que reverberou ao longo da história da China desde sua criação pelos revolucionários Zhou, que derrubaram a dinastia Shang em 1046 a.C.: o mandato para governar é concedido por decreto divino, mas pode ser revogado e transferido para outro se os governantes se mostrarem indignos. Uma das formas mais claras de reconhecer que o mandato divino havia terminado, segundo pensadores confucionistas influentes como Mêncio, era quando o apoio popular à dinastia e ao governo diminuía devido a abusos de poder contínuos. A natureza cíclica dos reinos, impérios e famílias governantes no “Tudo Sob o Céu” ao longo da história era considerada uma lei inevitável.
Os mongóis estabeleceram o maior império terrestre contíguo que o mundo já viu, partindo praticamente do nada. Eles derrotaram superpotências imperiais como a Pérsia, a China e a Mesopotâmia, e até mesmo colocaram em xeque o califado abássida. A causa disso foi sua passionaridade, seu impulso e devoção à causa, bem como as mudanças revolucionárias que introduziram em um mundo petrificado e atrofiado de governantes corruptos e aduladores. O próprio Genghis Khan advertiu seus filhos e compatriotas a não se deixarem seduzir pelas armadilhas do conforto e luxo da “vida civilizada” nos reinos que acabavam de conquistar, e sua advertência provaria ser acertada repetidas vezes.
Na China, os restos decadentes da dinastia Yuan, precisamente aqueles governantes mongóis que sucumbiram às seduções do luxo, foram varridos por revolucionários populares que fundaram o Império Ming no século XIV. Muito mais tarde, a última dinastia imperial, os emperadores Qing, notoriamente ineptos, foram jogados no lixo da história pela Revolução Republicana de 1911. Por outro lado, líderes passionais de origem mongol, como Timur Lenk e Babur de Cabul, viriam a fundar reinos deslumbrantes, como o Império Mogol, mudando para sempre o curso histórico de grande parte da Ásia.
De volta ao Ocidente, o Império Romano do Ocidente se enfraqueceu e morreu devido à sua inércia e corrupção duradouras, sendo substituído por “bárbaros” vindos do Oriente, com uma coesão social mais forte e um sistema político mais vivo que substituiu o atrofiado império escravista. Embora entusiastas da história romana e direitistas adeptos de “abraçar a tradição” lamentem isso, a verdade é que os hunos, godos, francos e vândalos representaram o impulso de renovação civilizacional que a Europa precisava naquele momento, mesmo que provavelmente nunca tenham percebido isso. As estruturas apodrecidas do inchado Império Romano do Ocidente precisaram desmoronar para dar lugar ao sistema feudal, que na época era bastante revolucionário.
O Império Romano do Oriente, por outro lado, renovado em sua cultura e como grande centro de um cristianismo vigoroso, conseguiu reafirmar sua razão de ser e perdurou por outros mil anos. Quando Constantinopla, por sua vez, ficou inerte e atrofiada, foi a asabiyya dos otomanos das estepes orientais que os substituiu. E esse Império Otomano emergiu na cena histórica em todo seu esplendor por séculos, mas acabou se petrificando até se tornar o “homem doente da Europa”, dominado por eunucos e soldados escravos sequestrados de famílias cristãs, momento em que sua asabiyya desapareceu.
O colapso e a substituição de uma civilização são uma forma de destruição criativa, algo que não é necessariamente “bom” ou “mau”, mas necessário e inevitável.
A civilização que atualmente está no fim de sua passionaridade, de fato, esgotou há muito tempo a asabiyya que um dia teve, como é o caso do mundo liberal-capitalista ocidental.
O Ocidente é um cadáver inchado, já clinicamente morto, mas mantido com alguma vida graças a intervenções médicas desesperadas (como o sistema de moeda fiduciária com o dólar como espinha dorsal e o controle da economia mundial através do FMI e do Banco Mundial). Mas este sistema não pode durar e não durará para sempre.
Esse monstro de Frankenstein que é a sociedade ocidental, que começou a voltar-se contra seu próprio passado e suas culturas originais ao mesmo tempo em que se arroga uma superioridade inerente frente a todas as demais, está condenado ao fracasso. A única questão que resta esclarecer é em que termos isso terminará.
No entanto, não quero ser fatalista em relação à possibilidade da Europa e ao seu futuro. A tese spengleriana parece às vezes demasiado fatalista, embora o próprio Spengler também reservasse espaço para a possibilidade de uma civilização salvar a si mesma. É possível que a Europa se reafirme como um polo civilizacional, longe da influência mortal da corrupção anglo-americana. Será difícil, mas não impossível. A Europa pode renascer redescobrindo seus valores e identidade própria pré-modernos. De forma semelhante à reafirmação do Império Romano do Oriente e à reinvenção da China durante a Revolução Xinhai.
Ou pode continuar pelo caminho da autodestruição em que se encontra agora, seguir o Pentágono e Wall Street até o túmulo e optar por se tornar um campo de batalha. Nesse caso, essa sociedade será varrida pelas “hordas do Oriente”, como fizeram antes os hunos, os seljúcidas, os mongóis e os turcos otomanos. A passionaridade de, no mínimo, russos, chineses e iranianos eclipsará os restos petrificados do mundo atlantista. O projeto globalista dominado pelos Estados Unidos cairá então de forma muito semelhante à do Império Romano do Ocidente diante dos “bárbaros”, como a Babilônia caiu diante de Ciro, o Grande, e como o Reich foi derrubado pelas forças zelosas da URSS.
A escolha pertence à Europa. O resultado será o mesmo, o processo depende de nós. Reafirmação criativa ou destruição criativa: nós escolhemos.
Fonte: Geopolitika.ru