Por Que Cuba nos BRICS?

Cuba se tornará agora um país associado dos BRICS e é importante entender o motivo dessa aproximação.

A partir de janeiro, Cuba estará entre os países considerados “associados dos BRICS”. Não se trata de uma participação plena e integral, diferentemente do que alguns estão veiculando, mas de uma categoria intermediária entre membro e não-membro, implicando uma parceria especial entre o país em questão e a plataforma dos BRICS.

Essa figura do “país associado” foi criada na última Cúpula dos BRICS em Cazã com o objetivo de formalizar um pouco mais a participação nos BRICS a partir da criação de critérios objetivos para uma integração gradual na plataforma. Aqui é necessário destacar, que se temia um crescimento súbito e caótico dos BRICS, na medida em que ele não possui ainda o grau de formalidade de que dispõem outras instituições internacionais multilaterais.

De qualquer maneira, assim que se confirmou o anúncio de que Cuba estará “nos BRICS” a partir de 2025, vozes ululantes se levantaram, especialmente entre pessoas de fora das bolhas esquerdistas, para deplorar algo que eles chamam de “o fim dos BRICS”.

Para essas pessoas, sempre predispostas a espalhar os mais toscos lugares-comuns sobre o país caribenho, “Cuba não tem nada a oferecer” porque “é um país pobre e atrasado”, e “não deveria estar nos BRICS porque vai ser sustentado pelos outros”. Compara-se o caso, por exemplo, ao da Grécia.

A ignorância sobre os BRICS e sobre Cuba é máxima.

Apesar dos BRICS não terem nem mesmo um Estatuto rígido, tampouco uma “Secretaria”, e de ser uma plataforma que começou simplesmente como um meio de articulação para investimentos logísticos e parcerias comerciais, hoje a sua natureza é bastante diferente. A partir da operação militar especial russa na Ucrânia, das sanções draconianas e do recrudescimento do cerco à China, alguns dos membros dos BRICS passaram a enxergar a plataforma como um mecanismo para a promoção da reforma (ou substituição) dos organismos multilaterais.

Ou seja, na medida em que foi ficando incontornavelmente evidente que as instituições contemporâneas estavam cooptadas e que a própria ONU havia se tornado extremamente ineficiente e parcial, os BRICS passam a ter o potencial de ser uma semente de uma futura “nova ONU”. De uma “nova ONU” cujos princípios – a depender dos principais teóricos da Rússia, da China, do Irã e da Índia – serão multipolaristas, e não mais cosmopolitas.

O propósito dos BRICS, portanto, é hoje cada vez mais político e até mesmo metapolítico. Não se trata de um mero arranjo cujo enfoque é o dinheiro. Por isso a comparação com a UE é despicienda. A UE é um projeto de integração cosmopolita que se apoia no economicismo. Os BRICS são um projeto de reestruturação planetária que se apoia nos valores tradicionais de cada civilização.

Apenas com essa introdução já se pode deduzir o interesse por Cuba.

Em primeiro lugar, Cuba pode vir a ser um bom laboratório de testes para uma série de projetos de reformulação econômica que se vinculam aos esforços de criar um “mundo” por fora do FMI, do dólar e do sistema econômico-financeiro internacional controlado pelos Rothschild.

Vi críticas a Cuba que vão no sentido de que Cuba “devia ter feito como a China”. O problema é que Cuba “fez como a China”, já a partir dos anos 90 e especialmente a partir do novo milênio, com a criação de zonas econômicas especiais, com a liberação do empreendedorismo e com a adoção de diversos mecanismos de mercado.

A situação econômica cubana, com isso, tornou-se mais racional e sensata em alguns aspectos, mas não houve qualquer transformação radical das condições do país por alguns motivos óbvios: o país é uma ilha pequena com poucos recursos naturais (não adianta falar no “açúcar” porque o ciclo do açúcar acabou eras atrás) e consiste no oitavo país mais sancionado no mundo.

A maioria das pessoas não entende o mecanismo das sanções. Não é que Cuba não pode comercializar com os EUA. O país não pode comercializar itens ou bens de setores sancionados com qualquer empresa de qualquer país que comercialize ou queira comercializar com os EUA. Em outras palavras, nem empresas chinesas conseguem comercializar nas áreas atingidas por sanções.

Por isso mesmo, aliás, que Cuba aproveitou o fato de que a Rússia se tornou o país mais sancionado da história para estreitar relações e engatar acordos comerciais que verão a abertura de várias joint-ventures russo-cubanas. A Rússia, aliás, também vai reformar e revitalizar algumas partes de Havana e fazer uma série de outros investimentos no país.

Também nesse contexto é que se pode pensar o ingresso de Cuba nos sistemas de parcerias dos BRICS, na medida em que isso significará acesso facilitado ao Banco dos BRICS e aos futuros sistemas de comunicação financeira e de pagamentos alternativos, como o BRICSPay e o mBridge. A partir de então, será mais fácil para Cuba ter relações comerciais normais com outros países.

Mas um outro motivo fundamental para a presença de Cuba nos BRICS é precisamente a sua localização geográfica. O princípio fundamental da geopolítica atlantista dos EUA é a garantia do controle inconteste da América Ibérica (em uma atualização da Doutrina Monroe), com o Caribe como “Mare Nostrum” dos EUA.

A existência de um país associado dos BRICS no “Mediterrâneo” dos EUA, inclusive com possíveis bases da Rússia e da China em seu território, não representa apenas a negação da Doutrina Monroe, mas todo um desafio de segurança e até mesmo existencial para os EUA enquanto hiperpotência.

Na medida em que os BRICS evoluam para níveis mais profundos de relação, Cuba pode vir a ter uma relevância que transcenda o seu tamanho e a sua penúria histórica.

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Raphael Machado

Advogado, ativista, tradutor, membro fundador e presidente da Nova Resistência. Um dos principais divulgadores do pensamento e obra de Alexander Dugin e de temas relacionados a Quarta Teoria Política no Brasil.

Artigos: 40

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