Ao nosso redor estamos testemunhando o colapso do Direito Internacional e de suas instituições. Apenas a força conta para garantir os próprios interesses e direitos.
Um dos elementos centrais da ordem internacional construída a partir da Segunda Guerra Mundial, que possui a ONU como núcleo institucional e a Declaração Universal dos Direitos Humanos como Bíblia, é a proibição da guerra.
Apesar da guerra acompanhar a humanidade desde os primórdios de suas estruturas sociais e de Heráclito usá-la como símbolo para significar o próprio princípio fundacional da totalidade, os vaidosos fundadores da ONU acreditaram poder negar este aspecto da realidade e construir uma ordem internacional em que o uso da força estivesse excluído da equação.
Desde então, a intenção das elites mundialistas, bem como de seus filósofos, teóricos e influenciadores, tem sido o de pensar a força como mera ferramenta policial, a ser utilizada excepcionalmente e de forma “consensual” em situações de guerra civil, defesa contra a agressão militar e luta contra o terrorismo. À “guerra para acabar com todas as guerras” se deveria seguir naturalmente uma Cosmópole.
Ainda assim, a segunda metade do século XX esteve repleta de guerras. Mas é necessário tecer aqui uma consideração. A maioria dessas guerras ficou historicamente consagrada como “guerra” por causa da pena de historiadores realistas. Os conflitos em si, porém, se revestiram com o manto do Direito Internacional. A intervenção ocidental na Guerra da Coreia, por exemplo, deu-se por uma resolução da ONU, o mesmo com a intervenção na Líbia. E mesmo as intervenções mais ou menos unilaterais dos EUA, como a que se deu no Vietnã buscou se escudar em termos mais neutros, colocando os militares estadunidenses como mera assessoria militar e os incrementos de tropas como voltados para a defesa de bens estadunidenses naquele país.
Além do elemento puramente jurídico nessas tentativas de justificar o uso da força, havia também uma certa dimensão que se aproxima mais do âmbito da ética e da psicologia, e que envolve um certo respeito tanto pela figura do Estado-nação quanto pela figura do Inimigo, e mais ainda pela ONU enquanto instância mediadora.
A maioria dos conflitos desse período tiveram um certo grau de contenção em relação a aspectos básicos do Direito Internacional, por mais que as imagens da Guerra do Vietnã sejam espantosas (afinal, estávamos na era do jornalismo fotográfico de guerra), especialmente em comparação com as guerras mundiais ou mesmo quaisquer guerras do século XIX para trás.
Toda essa situação acabou ao longo dos últimos anos e vou apontar as evidências e o porquê.
Começando de trás para a frente com os eventos na Síria, um dos motivos pelos quais os sírios foram pegos de surpresa e nem se ocuparam de entrincheirar Aleppo é que tanto eles quanto os russos quanto os iranianos acreditavam que a mera presença de um punhado de russos e suas bandeiras hasteadas em Aleppo serviriam para “impor respeito” aos grupos terroristas. O caso recorda o desrespeito azeri pelo fato de que o Nagorno-Karabakh esteve até determinado momento protegido por pequenas guarnições russas.
O fato de se ignorar a presença simbólica de uma potência em um determinado ligar significa que a mera representação da força não basta mais no Direito Internacional.
A conduta de Israel também serviu para sepultar a atual ordem internacional. Além de violar inúmeros princípios do Direito Internacional, Israel ignora resoluções e inclusive condenações em tribunais internacionais. Os seus aliados ocidentais, inclusive, incentivam o seu comportamento e dão o aval para que Israel simplesmente se retire unilateralmente da ordem internacional contemporânea. Israel decidiu confiar apenas na força bruta para tentar alcançar seus objetivos.
A própria operação militar especial russa na Ucrânia representa um momento revolucionário no sistema internacional. Apesar da busca por uma legitimidade por parte dos russos, gradualmente o discurso legalista foi abandonado e agora todos abordam o tema da perspectiva do puro e simples uso da força para salvaguardar a segurança nacional em um contexto no qual o recurso a tribunais, acordos, encontros e conferências seria inútil e contraproducente – até porque isso já havia sido tentado.
Consolidando as reflexões pretéritas, chegamos a um ponto no qual testemunhamos o colapso total da credibilidade do sistema internacional da ordem baseada em regras. Esse colapso da credibilidade, de imediato, torna absolutamente ineficaz o Direito Internacional. Não há qualquer garantia de que tratados e acordos serão respeitados – ao contrário, vimos inúmeros tratados e acordos sendo violados nos últimos anos. Também não há mais qualquer garantia de execução das decisões dos tribunais internacionais.
Faz sentido que isso se dê no momento atual enquanto momento de transição geopolítica de envergadura mundial. Uma ordem geopolítica se sustenta na medida em que se institucionaliza e na medida em que seus princípios, regras e símbolos são respeitados.
Agora, cada país que quiser ver seus interesses e reivindicações respeitados terá que sustentá-los pela força bruta; não mais nem mesmo pela “sugestão” de força ou por “representações” de força. Se nem mesmo a Rússia, enquanto maior potência nuclear, é respeitada por si mesma – e ela teve que revelar o Oreshnik por isso – não há qualquer chance de qualquer outro país ser respeitado.
Os mísseis (e a disposição para usá-los) tornaram-se o único lastro de quaisquer pretensões no plano internacional. É a fase hipersônica do “might makes right”, a qual irá durar até que construamos um novo sistema internacional para uma nova ordem com um novo Direito.