Trump conseguirá afastar Putin de Xi?

O novo governo Trump parece ter como prioridade geopolítica provocar um “divórcio” entre Rússia e China. Mas será que isso é possível?

De um modo geral, todos sabemos quais serão as linhas estratégicas gerais do novo governo Trump porque ele tem sido bastante explícito quanto a suas prioridades. E na política externa um tópico central é um relaxamento e reaproximação com a Rússia para afastá-la da China.

Essa estratégia convém ao setor do Deep State que está insatisfeito com a atual estratégia de preservação da hegemonia unipolar, que levou à construção de um Eixo Moscou-Pequim-Teerã. Este setor percebeu que os EUA estão em desvantagem e, na verdade, aceleraram a própria decadência.

Independentemente das reais intenções de Trump, o setor “realista” do Deep State opera com uma estratégia que passa por apaziguar a Rússia para afastá-la de suas alianças estratégicas para, com isso, os EUA poderem derrotar esses aliados um por um até que estejam, de novo, em posição de enfrentar a Rússia, em 10-30 anos. A ideia seria derrotar (por qualquer meio viável) Venezuela, Síria, Irã, os aliados africanos da Rússia e a China, para depois poder derrotar uma Rússia privada de aliados.

E em um sentido geral, cada caso é um caso. Focando na China, porém, será que Trump tem como “comprar” a relação China-Rússia?

Apenas passando rapidamente pela questão ucraniana, Trump tem muito pouco a oferecer. As regiões anexadas já são russas, e aquilo que ainda não foi tomado delas em breve será, considerando o ritmo de avanço russo. E Trump realmente teria uma grande dificuldade de oferecer qualquer coisa além. Ele seria visto como fraco e apaziguador, além de “agente russo”. O complexo militar-industrial, por sua vez, até poderia tolerar uma redução gradual do apoio à Ucrânia, mas dificilmente aceitaria uma ruptura total.

Não é, portanto, nem possível nem interessante para Trump ceder demais para Putin na Ucrânia. Mas e quanto, por exemplo, ao Swift e as sanções? Dessa vez até pode ser diferente, mas em 2017 Trump não removeu as sanções impostas à Rússia pelo governo Obama. De qualquer maneira, mesmo que dessa vez o faça, a realidade é que o desacoplamento econômico-financeiro em relação ao Ocidente é visto como um objetivo estratégico válido em si mesmo para reduzir a fragilidade nacional vis-à-vis a arma das sanções. Não é porque Trump poderia remover sanções que tudo voltaria a ser como era antes.

Tendo analisado, portanto, a dimensão das “ofertas dos EUA”, resta analisar a natureza das relações sino-russas hoje.

De um modo geral, a inteligência geopolítica dos EUA em relação às relações sino-russas operam com uma moldura mental dos anos 70-90, em que Rússia e China eram, de fato, rivais regionais com reivindicações mútuas e tensões ao longo da fronteira siberiana.

A situação mudou bastante após a chegada de Xi Jinping ao poder na China, e nos últimos 2-3 anos a aproximação entre ambos países foi drástica. Bens chineses são 38% das importações russas e 31% das exportações russas vão para a China. A China é obviamente o maior parceiro comercial da Rússia, enquanto a Rússia é o 6º maior parceiro comercial da China.

O comércio, porém, não esgota essas relações, já que o comércio é sempre bastante flutuante.

A Rússia, por exemplo, está engajada na construção da autoestrada Meridiana, que vai conectar Cazaquistão e Belarus através da Rússia e se integrar na Iniciativa Cinturão & Rota. Também foi acordada a construção do gasoduto “Poder da Sibéria 2”, que vai atravessar a Mongólia para levar gás da Rússia para o nordeste da China.

A Rússia também está construindo na China usinas nucleares em Tianwan e Xudapu, e fecharam um acordo para a construção de uma usina nuclear conjunta na Lua.

E ambos países estão trabalhando juntos para abrir a “Passagem do Norte” para estruturar uma “Rota da Seda Ártica”, permitindo à Rússia acessar os mercados asiáticos sem passar pelo Mediterrâneo.

No âmbito militar, também, enquanto a China fornece grandes quantidades de componentes usados pelas Forças Armadas da Rússia, como semicondutores e drones, a Rússia está ajudando a China a construir um sistema de alerta contra ataques missilísticos via radar, além de estarem desenvolvendo em conjunto novos helicópteros, submarinos e mísseis.

O que todos esses projetos indicam é que as relações sino-russas são profundas e de longo prazo. Não são do tipo que se pode, simplesmente, dar as costas de uma hora para a outra. Isso pela própria natureza dos projetos indicados, que envolvem em muitos casos obras que levarão muitos anos para ficarem prontas, bem como um grau de colaboração militar que não é trivial.

Quando Putin e Xi expressaram publicamente que Rússia e China eram nações amigas (e não meramente parceiras) eles não estavam fazendo apenas comentários diplomáticos politicamente corretos.

O projeto trumpista de afastar Rússia e China fracassará.

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Raphael Machado

Advogado, ativista, tradutor, membro fundador e presidente da Nova Resistência. Um dos principais divulgadores do pensamento e obra de Alexander Dugin e de temas relacionados a Quarta Teoria Política no Brasil.

Artigos: 40

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