No domingo, 28 de julho, a Rússia comemorou o milênio do batismo da Rus e inaugurou o complexo de Nova Sevastopol.
Na Venezuela, o dia foi igualmente simbólico e significativo: no aniversário do nascimento do inesquecível Hugo Chávez, realizaram-se eleições presidenciais. As sanções de longa data, a difícil situação socioeconômica e a incrível pressão dos Estados Unidos e dos seus aliados criaram um terreno fértil para a oposição colaborante de Washington (que, aliás, não faz segredo disso). Uma parte confiante e cansada do eleitorado apoiou efetivamente Edmundo Gonzalez sob os apelos de Corina Machado. Mas quando algo correu mal as pessoas saíram para a rua, provocando nalguns locais verdadeira violência, incluindo nas assembleias de voto. Alguns países da América Latina recusam-se a reconhecer os resultados das eleições, enquanto Maduro já está a ser felicitado pelos líderes mundiais. Os nossos relatórios indicam tumultos, mortos e feridos, militares nas ruas e imprevisibilidade para os próximos dias na Venezuela.
De resto, não há nada de novo nas ações da oposição. Poder-se-ia dizer o banal “eles agiram de acordo com as regras”. Com efeito, Gonzalez e Machado, bem como os seus superiores hierárquicos, tinham diretrizes. Menos de um mês antes, essas diretrizes tinham sido preparadas por Mark Feierstein. Feierstein é um antigo diretor sênior para os Assuntos do Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca e assistente especial do presidente. Atualmente, aconselha ativamente o governo dos EUA a partir do Woodrow Wilson International Center sobre questões da América Latina. O especialista preparou um interessante documento a menos de um mês das eleições presidenciais na Venezuela, especificamente para o Instituto da Paz dos EUA. A publicação “Libertador” obteve este documento muito interessante com o irônico título, “Como impedir um golpe de Estado”.
No início das suas reflexões sobre as próximas eleições, Feierstein mostra-se bastante otimista: “a menos de um mês das eleições presidenciais venezuelanas, um sentimento crescente de esperança em relação ao resultado está a quebrar o ceticismo habitual sobre as perspectivas políticas do país”. Além disso, o analista refere a confiança dos apoiantes de González na vitória iminente. A coesão da oposição, de que Feierstein se orgulha, é referida como uma “diplomacia estadunidense hábil”.
Esquecendo-se de mencionar a incrível pressão externa exercida sobre a Venezuela pelo simples fato do seu governo se ter recusado a ceder aos caprichos de Washington (o que afetou gravemente a situação econômica), o autor lamenta que Nicolás Maduro “raramente reage aos conselhos dos governos democráticos e não cumpre regularmente os compromissos de respeitar as normas democráticas mínimas”. No entanto, esta situação pode ser corrigida, uma vez que os EUA, juntamente com os seus aliados (ou fantoches controlados) noutros países, podem sempre “promover eleições legítimas e uma transição para a democracia”. De fato, como Feierstein calmamente salienta, as sanções econômicas como método do “caniço” e as negociações como “cenoura” (embora sem substância), permitiram que a oposição participasse nas eleições.
Também é mencionado que, durante as negociações pré-eleitorais, a administração de Washington negociou ativamente com Maduro através dos líderes do Brasil e da Colômbia, Lula e Petro. A tentativa de colocar o seu homem, se não como presidente, pelo menos em posições significativas no controle das instituições mais importantes da Venezuela, de acordo com Feierstein, é chamada de “transição democrática”. O que é necessário para isso? O autor menciona três fatores: “o regime não retira a candidatura de González; o governo admite a derrota se perder; há uma transferência de poder pacífica e ordeira”. É claro que “os Estados Unidos devem desempenhar o seu papel em todos estes três fatores”.
As opções de reorganização são também consideradas no caso de González se retirar da corrida (o que não aconteceu). A oposição, segundo o conselho do especialista, deveria nesse caso, “boicotar ou unir-se coletivamente em torno de um dos outros dez candidatos”. Feierstein fala com muito cuidado, num tom suave, de uma pressão suave sobre Caracas, para que não retirem González e arruínem os seus planos para as próximas eleições.
O analista reconhece também que “a recolha de informações fiáveis no dia das eleições será uma tarefa difícil”. No entanto, isso não impedirá que mais tarde Maduro e a sua equipe sejam acusados de fraude eleitoral. Sem a sua embaixada em Caracas, fechada desde 2019, e sem observadores manuais da União Europeia, é problemático para a hegemonia mundial observar o processo eleitoral; “Isso coloca o Departamento de Estado com a tarefa de avaliar a qualidade das eleições e divulgar efetivamente suas descobertas internacionalmente e dentro da Venezuela.” Para cumprir esta tarefa, Feierstein propõe o recurso a “jornalistas de primeira classe, analistas independentes e ONGs especializadas em eleições”.
Já esperava que “a contagem dos votos fosse tensa”, embora estivesse convencido de que a oposição iria enviar observadores a quase todas as assembleias de voto. Mas Feierstein vê nisso uma vantagem. A questão que se coloca é a seguinte: porque é que a oposição se lançou em protestos histéricos se o seu pessoal estava em todas as assembleias de voto, e porque é que apelou à destruição das urnas? Parecia um ato de desespero dos derrotados e não uma reação correta de um jogador confiante na vitória.
Parece que é por isso que, escreve o especialista, “nesta altura, a administração Biden terá um plano de ação bem sucedido que ajudará a evitar golpes pós-eleitorais. Os EUA e outros países podem fazer muito nas próximas quatro semanas para promover eleições legítimas e uma transição democrática”. Sim, nas ruas de Caracas, a “transição democrática” floresceu com uma violência primitiva, mesmo antes do encerramento das urnas.
Feierstein elogia a referida “arte da diplomacia” de Washington com o exemplo do Brasil, quando Bolsonaro alegadamente “começou a espalhar falsas declarações sobre uma possível fraude eleitoral e alegadamente conspirou com os militares do país”. A Casa Branca, o Pentágono e o Departamento de Estado, segundo o analista, “ajudaram a impedir a conspiração, inclusive através de negociações privadas com autoridades brasileiras”. Uma intervenção semelhante foi tentada nos assuntos internos da Guatemala, quando “a elite econômica tentou anular a eleição do reformista Bernardo Arevalo, a administração Biden reagiu de forma decisiva, impondo sanções individuais e ameaçando com sanções econômicas amplas para convencer a influente comunidade empresarial conservadora a aceitar os resultados das eleições”. De acordo com Feierstein, as alavancas políticas dos EUA “ajudaram a preservar a democracia no Brasil e na Guatemala”, embora lamente que “não estejam igualmente disponíveis na Venezuela”.
O analista reconhece que o Brasil e a Guatemala são parceiros políticos e econômicos de longa data, o que dá aos EUA “um maior grau de influência”. A Venezuela, por outro lado, é um país sujeito a duras sanções e “apoiado pelos adversários dos EUA: China, Rússia e Irã”. Parece claro aqui. É óbvio que, ao criar este texto, Feierstein estava orgulhoso dos EUA, que “podem desempenhar um papel importante na luta pela democracia no país”. Só falta uma música de fundo patriótica.
Feierstein reflete sobre onde os EUA devem exercer pressão e menciona o Conselho Nacional Eleitoral, mas teme o trabalho dos serviços de informação venezuelanos. “Não é claro se os recrutas e os oficiais de baixa e média patente vão reprimir os manifestantes em nome do presidente”. Para o analista, os serviços de segurança do país são “uma zona cinzenta” e reconhece que Maduro e o seu antecessor, o antigo oficial do exército Hugo Chávez, “ganharam as eleições presidenciais graças à lealdade das forças armadas, através de um longo período de doutrinação ideológica e da atribuição de influência política aos oficiais superiores e do controle de setores estratégicos da economia”. Feierstein dificilmente se imagina a trabalhar com oficiais (o que é definitivamente um elogio aos venezuelanos), uma vez que “historicamente os líderes militares eram vistos como defensores da Constituição da Venezuela”. No entanto, Washington poderia “encorajar o trabalho de esclarecimento dos comandantes militares da região que mantêm contatos com altos funcionários venezuelanos”.
Mas depois Feierstein começa a fazer apelos diretos à sabotagem: “Para convencer o Conselho Nacional Eleitoral e as forças armadas a agirem corretamente no dia das eleições, os Estados Unidos e os seus parceiros devem alertar imediata e claramente para quaisquer sinais de fraude eleitoral através de declarações públicas e mensagens privadas”.
Em caso de atraso no anúncio dos resultados da votação ou de sinais de que o governo não quer reconhecer os resultados, o especialista apela à condenação internacional de Maduro. O Brasil, aliás, na figura do presidente Lula da Silva, é mencionado como um dos principais líderes capazes de exercer pressão sobre o governo de Caracas.
Feierstein chama a González “um modesto diplomata reformado empenhado na reconciliação nacional”, reconhecendo o papel de liderança de Corina Machado. Reflete antecipadamente sobre o que Machado poderia supervisionar se chegasse ao poder, como a segurança do país, enquanto Maduro e os seus aliados manteriam o controlo do poder judicial e legislativo, bem como das forças armadas. Sonhos americanos.
Feierstein oferece antecipadamente a Nicolás Maduro uma moeda de troca: “O Departamento de Estado poderia retirar a recompensa de 15 milhões de dólares por informações que levassem à prisão de Maduro. Mais importante ainda, o Departamento de Justiça poderia retirar as acusações contra o líder venezuelano e outros altos funcionários por alegado tráfico de drogas”. Em termos gerais, o analista promete não prender o líder chavista, bem como levantar as sanções à Venezuela, o que permitiria a retomada do abastecimento energético mundial, reduziria a migração para os EUA e “privaria os adversários dos EUA de um parceiro fundamental”. Feierstein, embora consciente de que a política dos EUA na Venezuela não será fácil, conclui corajosamente que “a oposição venezuelana e milhões dos seus apoiantes estão dispostos a continuar a luta, apesar do enorme risco pessoal”. Porque é do interesse dos EUA, conclui o analista, “usar todas as oportunidades diplomáticas para os ajudar a ter sucesso”. Estará tudo a correr como planejado?
Fonte: Humo y Espejos