Golpe? Autogolpe? Tentativa de golpe fracassado disfarçado de autogolpe? As especulações sobre o que aconteceu na Bolívia se multiplicam e torna-se necessário fazer alguns apontamentos para devolver a racionalidade ao debate.
Tratou-se de uma operação de inteligência operacionalizada por agentes orgânicos do Comando Sul e que consistiu em:
- Instalar Zúñiga (proveniente do corpo de inteligência) como ator político antagonizando com Evo Morales;
- Sua destituição ocorre porque, do contrário, expõe-se uma forte fraqueza do governo;
- Os instigadores da operação fazem Zúñiga acreditar que pode triunfar em uma sublevação;
- Encontra-se com que o presidente Arce e a pátria boliviana o enfrentam e ninguém o apoia, nem a OEA, nem governos da região, nem a representação de negócios que funciona como embaixada de facto dos EUA;
- Como parte da mesma operação de inteligência, constrói-se uma saída acusando o presidente Arce de um autogolpe, aproveitando a preocupação de Arce sobre a possibilidade de um golpe brando instigado pelos protestos organizados pelo evismo e que criticam a autoprorrogação de mandatos de funcionários judiciais, entre outras coisas.
- Evo Morales é convencido cada vez mais de que o sistema político, os militares, Arce, e a direita o atacam como expressão da radicalidade.
Como impacta essa operação na realidade? Quais objetivos alcança?
- Constrói a naturalização da instabilidade institucional, o que objetivamente enfraquece a governabilidade;
- Impacta diretamente sobre a divisão irreparável do MAS, anulando a possibilidade de recomposição popular;
- Exibe um nível de crise política que reforça o ponto 1.
Após o retorno de Luis Arce da Rússia com o compromisso do governo de Putin de colaborar na crise de divisas e crise de combustível que assola o país e provoca uma situação socioeconômica muito séria, o Comando Sul dispõe a operação na premência de neutralizar tais possibilidades.
A convocação para consulta diante das declarações gravosas e intimidantes da Encarregada de Negócios dos EUA na Bolívia, Debra Hevia, foi, provavelmente, o catalisador da operação.
As condições de possibilidade disso são a derrota ideológica, bancarrota moral e desvario político de alguns dirigentes populares expostos às operações diretas da inteligência do Comando Sul, que provocam a acentuação da dissolução do acúmulo popular; as condições socioeconômicas lamentáveis, fruto de um bloqueio político de facto da direita e de setores populares opostos ao governo de Arce; uma direita com eventual consenso eleitoral; um alto nível de penetração das agências de inteligência e suas derivadas no sistema político e de movimentos sociais da região do lítio na América do Sul.
Um detalhe a considerar é a reação popular em defesa do governo, mesmo em condições socioeconômicas preocupantes, que lotaram os arredores da Casa de Governo, assim como a atitude do governo de Arce, com o presidente à frente, enfrentando os golpistas. Entendo que essa conduta contribuiu para precipitar o fracasso de uma sublevação que nasceu impotente.
O enfrentamento de um governo neocolonial na Bolívia seria uma derrota regional de grandes proporções, demolindo a possibilidade de multipolaridade na região, visto que se trata do país com as condições mais plausíveis para se desenvolver nesse sentido. Dependerá do Brasil como isso incidirá nos BRICS+ para que aquele conglomerado abrace a Bolívia e a Venezuela, modificando o mapa regional e o próprio quintal dos norte-americanos; e fortalecendo, em termos de fornecimento estratégico, combustível e energia, os novos polos mundiais.
Fonte: PIA Global